Socialista de iPhone, muito prazer!

A Internet descobriu que eu, assim como o Papa, a Greta Thunberg e o João Amoêdo, sou comunista

Comunista! Eu não poderia inaugurar minha primeira coluna no Plural sem falar sobre isso. “Beto Comunista!” Vejam só aonde a ignorância política chegou: eu, empresário, que me beneficio da mais-valia e tento ficar milionário com venda em escala de cursos on-line… um comunista! É pra rir.

Calma, não estou sozinho nesse barco. A Greta, aquela garotinha ativista de dezoito anos que faz protestos pelo futuro do planeta Terra, virou comunista. O Átila Iamarino, lembram dele?, aquele cientista que defende o uso de máscaras e de vacinas para salvar vidas, virou comunista. O Papa também entrou pro caderninho vermelho com foice amarela por declarar que homossexuais devem ter o direito por lei de formar uma família.

Eu, o Papa, o Átila, a Greta, João Dória, Luiza Trajano, Alexandre Frota… até o João Amoêdo, o bom menino que fez fortuna no mercado financeiro: tudo comunista.

Não, não estou aqui pra me defender. Bom, talvez. Mas, antes, quero tentar compreender de onde vêm essas reações. Nem preciso ir muito longe, faça você mesmo o teste. Entre na sua rede social agora e publique algo criticando o excelentíssimo Presidente da República. Coisa pouca. Diga, por exemplo, que você não entende por que ele demorou tanto pra autorizar a compra das vacinas. Ou escreva, simplesmente, “ESTADO LAICO” – não precisa de legenda nem nada. Conte até dez. Pronto. Alguém ja comentou no teu post e você já é um comunista.

Você se assusta, se olha, se toca, se belisca pensando que é um pesadelo e pá: você está acordado, seu comunista. A tática reacionária funciona bem. Você jamais ousará tirar a cabeça para fora para dar uma opinião porque prefere ficar em silêncio a ser mandado pra Cuba.

É incrível como a era da informação, essa que nós vivemos, empobreceu o debate. Nunca se produziu tanta noticia, nunca foi tão simples checar uma noticia nem tão fácil acessar um veículo de credibilidade (ou vários ao mesmo tempo) e, ainda assim, estamos mergulhados neste fosso da desinformação.

Parece que existe algum charme na desinformação, algo de triunfante, algo de subversivo, tipo: se a Globo falou isso, então eu sou contra. Ser contra a Globo, pra muita gente, é um grande ato de subversão, porque todo mundo merece sentir o gostinho que é ser subversivo, né?

Acreditar em comunismo num país que foi dirigido por um partido de esquerda durante treze anos nos quais os ricos ficaram mais ricos e nos quais sequer conseguiram emplacar uma reforma agrária, amigos, é tipo acreditar em Papai Noel, ou, melhor, é tipo acreditar que a terra é plana.

Ah, outra coisa que me diverte são as variações do rótulo. Por eu vir de uma família de bem, ou melhor, de bens, também me chamam de socialista de iPhone e esquerdinha caviar. Me parece até mais carinhoso do que só “comunista”, tem afeto.

Lembro bem de uma dessas vezes. Num dos meus restaurantes resolvi pintar as cores do arco-íris num lugar discreto, embaixo de uma escada; a ideia não era chamar muito a atenção mas, sim, abraçar todos os públicos. Certa vez postei uma foto do espaço, mostrando a bandeira gay no fundo. Não deu outra: “Beto, você é um esquerdinha caviar”.

Outro dia toquei no assunto da desigualdade social, dizendo que o capitalismo poderia ser menos selvagem e que se faz necessário encontrar meios para melhor distribuição de renda. Pronto. “Divida tudo com teus funcionários então, seu socialista de iPhone”. Isso sem falar das inúmeras vezes que ouvi que empresário não pode ter opinião política, não deve se manifestar etc e tal – a não ser que minha opinião seja aquela que eles gostariam de ouvir, claro.

Se um cara desses age assim comigo imagina o que não faz com um subordinado dentro de sua empresa. Por isso aproveito a deixa e digo NÃO ao voto impresso, a gente nunca sabe do que essas pessoas são capazes.

E sobre eu ser comunista já até atualizei meu perfil nas redes sociais. Antes eu me apresentava como empresário, agora me apresento como socialista de iPhone. Muito prazer.

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