Na invasão ao prédio da UFPR, a volta do que o MBL nunca deixou de ser

Não é casual que, agora, o MBL retome as práticas de milícia que lhe deram fama. A invasão no Complexo da Reitoria por militantes é só o começo

Uma estudante e uma trabalhadora terceirizada foram agredidas e machucadas por um grupo de militantes do MBL que invadiu o Edifício D. Pedro I, no Complexo da Reitoria, na última sexta (1). Liderados por João Bettega – ex-candidato a deputado estadual pelo Novo nas eleições de 2022 –, Gabriel Costenaro e Matheus Faustino, o grupo entrou no prédio e, ilegalmente, começou a registrar imagens em vídeo de estudantes.

Como noticiou o Plural ainda na sexta, o auge do problema aconteceu no sexto andar do prédio, do Departamento de História, onde leciono, e mais particularmente quando os militantes invadiram a sala do Centro Acadêmico de História. Sempre com celulares em punho, foram avisados de que estavam proibidos, por lei, de captar imagens no interior do edifício sem autorização prévia.

Foi nesse momento que uma funcionária terceirizada, ao perceber a movimentação e se aproximar para ver o que acontecia, foi agredida com um soco no estômago por um dos militantes do MBL. Na sequência, confusão instaurada, os invasores usaram spray de pimenta contra estudantes, agrediram uma aluna e foram expulsos do “Pedrão” enquanto ofendiam os estudantes, aos gritos, chamando-os de “vagabundos”.

Nas redes sociais, o grupo distorceu a história: eles foram os agredidos, ainda que nenhum deles tenha sido ferido, mas uma estudante e uma trabalhadora. Também não disseram nada sobre o uso de spray de pimenta, as agressões verbais e a tentativa de filmar ilegalmente – desculpem se me repito – dependências do prédio e seus usuários, mesmo depois de terem sido alertados da ilegalidade.

A narrativa mentirosa virou manchete em um veículo curitibano, outrora um importante jornal regional, hoje reduzido a um panfleto de extrema-direita, segundo a qual “Membros do MBL são agredidos em prédio da Universidade Federal do Paraná”. Surpresa zero.

O modus operandi de sexta lembra a prática do grupo durante os ataques à exposição Queer Museu, em 2017. E é a mesma que, um ano antes, durante as ocupações no Paraná, a tropa de choque do MBL usou para impor o terror em estudantes secundaristas e protagonizar a desocupação violenta do campus central da UTFPR.

Turismo sexual, acusações de estupro e conivência com a corrupção

Mais recentemente, o MBL foi parar nas manchetes por conta de duas de suas lideranças flagradas. Em 2021, Arthur do Val, ex-deputado estadual por São Paulo, youtuber e influencer de direita, se referiu às mulheres ucranianas como “fáceis, porque pobres”, e comparou a fila de refugiadas à “fila da melhor balada do Brasil”.

O deputado estava na Ucrânia supostamente para uma “missão humanitária”, acompanhado de outro dirigente do MBL, Renan Santos – que também esteve na invasão ao Colégio Estadual do Paraná em 2016 e que, segundo o próprio Val, costumava frequentar o Leste europeu para o que ele, Renan, chamava de tour de blond.

No ano passado, o ex-vereador carioca Gabriel Monteiro, foi acusado de assédio e estupro de menor, de promover orgias também com menores de idade, e de fabricar vídeos com crianças com fins sensacionalistas, além de fraude processual e uso indevido de servidores públicos para a produção do material postado em seu canal no YouTube.

Monteiro deixou o MBL em 2020, mas foi a entidade quem deu ao político, um soldado da Polícia Militar à época que ingressou no grupo, as ferramentas necessárias para catapultá-lo à fama e ao legislativo do Rio: o sensacionalismo agressivo, “experimentos sociais”, a maioria deles forjados e ataques e acusações massivas à esquerda.

E há, claro, os exemplos locais, como o ainda vereador Eder Borges, já cassado, mas segue ainda vereador em Curitiba graças a manobras jurídicas, que ganha likes nas redes sociais acusando o hip hop de racista e de manter ligações com o crime organizado.

Foi ele quem, em 2015, ainda líder do MBL no Paraná, minimizou as denúncias de corrupção em outros partidos que não o PT, sob a alegação de que “aqui roubam para comprar apartamento em Balneário Camboriú, para comprar carro importado”, enquanto o PT, dizia, roubava para “implantar um projeto de poder aos moldes cubanos, aos moldes venezuelanos”. É com esse nível de gente que estamos lidando.

As milícias e a ascensão do fascismo

Na Espanha dos anos de 1930, as falanges fascistas alinhadas ao general Franco, atacavam, às vezes violentamente, os campi universitários porque temiam o avanço da esquerda nas universidades espanholas. Na Itália e na Alemanha, fascistas e nazistas se empenharam em cooptar estudantes e professores.

Os que recusavam o alinhamento ideológico eram agredidos, verbal e fisicamente, pelos camisas negras italianos e as SA (as precursoras das temidas SS) alemãs. Mas havia diferenças sutis no uso que essas os grupos paramilitares fascistas faziam da violência.

Na Espanha e, principalmente, na Itália, a meta era destruir o inimigo. Não por acaso, no primeiro o fascismo chegou ao poder depois de uma guerra civil sangrenta iniciada em 1936, depois que a extrema-direita não reconheceu a derrota eleitoral, e na Itália por meio de um golpe de Estado em 1922, conhecido como a “Marcha sobre Roma”.

Foi diferente na Alemanha. As SA foram fundamentais para o nazismo cimentar seu caminho até o poder. Mas a violência pretendia menos aniquilar o inimigo que intimidá-los, usando-a inclusive como um recurso narrativo e espetacular. Por meio dela, as SA pretendiam também incrementar sua propaganda contra a “ameaça comunista”, convencendo os alemães de que uma violência ritualizada e “higienizadora” era importante para livrar o país dos inimigos internos que o ameaçavam.

As diferenças táticas não eliminam os objetivos comuns. Na trajetória que levou os fascismos ao poder, o uso de milícias paramilitares foi absolutamente fundamental, seja para eliminar ou intimidar. Igualmente, uma vez transformados em partidos e em governos, foi preciso limitar o poder e domesticar a atuação desses grupos.

Na Alemanha, as SA deram lugar às SS, uma polícia política organicamente ligada ao Estado alemão. Na Itália, os camisas negras se transformara em uma força militar regular, e na Espanha, inúmeras lideranças falangistas compuseram o governo do general Franco em posições estratégicas.

Cilada e oportunismo político

Desde que membros do MBL atacaram e intimidaram estudantes durante as ocupações de 2016, insisto em tratar o grupo pelo que ele efetivamente é: uma milícia. E isso não mudou depois que, em 2019, a entidade fez uma mea-culpa e admitiu sua responsabilidade na polarização do debate público e sua agressividade retórica.

Tão sincero quanto editorial d’O Globo reconhecendo o erro de ter apoiado a ditadura, a admissibilidade de culpa veio junto com a promessa de tentar “sanar a discussão política” que o MBL ajudou a deteriorar. Não era preciso muito para entender o que estava a acontecer naquele momento.

Depois de ter apoiado a candidatura vitoriosa de Jair Bolsonaro e ajudado a catapultar e consolidar a ascensão da extrema-direita, inclusive elegendo inúmeros candidatos nos parlamentos estaduais e na Câmara dos Deputados, o MBL não precisava mais da publicidade barulhenta de antes. O sucesso da transição das ruas para o poder e o apoio ao governo bolsonarista dependia, em larga medida, de refazer sua imagem.

Mas era cilada e, sem nenhuma falsa modéstia, eu já sabia. E insisti muito nisso quando parte do campo progressista defendeu, em 2021, a participação da esquerda nas manifestações contra Bolsonaro encampadas pelo grupo, sob o pretexto de que era preciso unir forças em uma “frente ampla” para derrotar o bolsonarismo, o mesmo, mesmíssimo bolsonarismo que, na prática, o grupo nunca deixou de representar e defender.

Além de cilada, era oportunismo político. O MBL nunca deixou de ser uma milícia de extrema-direita, que surfou na onda de descontentamento com os governos petistas, brilhou nas mobilizações pelo impeachment, e se consolidou como protagonista político promovendo e incentivando ataques a escolas, universidades, manifestações artísticas e movimentos sociais.

Não por acaso, em sua suposta guinada institucional apoiou o ex-juiz e hoje senador Sérgio Moro, uma tentativa desesperada de dar uma face “humana” ao bolsonarismo. Como o MBL, também o lavajatismo contribuiu não apenas para a eleição de Bolsonaro – de quem Moro foi ministro –, mas para a erosão do debate público e da política no Brasil. Como o MBL, Moro e o lavajatismo criaram o cenário que tornou possível fazer de uma excrescência política, um presidente.

Tampouco é casual que agora, sem serem mais governo, o MBL comece novamente a atuar como milícia, dentro e fora das redes digitais, depois de quatro anos fingindo se comportar civilizadamente e participando do “jogo político democrático”. É o modus operandi dos grupelhos de extrema-direita, sempre foi. A invasão ao prédio no Complexo da Reitoria, anotem aí, é só o começo.

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