Volta de Renato Freitas mostra que vereadores não entenderam nada

Responsáveis pela cassação de negro pareceram surpresos ao serem denunciados como racistas

O primeiro dia de Renato Freitas (PT) na Câmara depois de sua fracassada cassação foi engraçado. Os vereadores que achavam ter se livrado dele estavam todos com cara de constrangidos – pareciam aqueles meninos mais velhos que se recusam a brincar com o primo mais novo, até serem obrigados pela mãe a engolir o moleque.

Renato foi expelido da Câmara basicamente pela bancada evangélica, que não tolerou sua falta de reverência com os pastores – o vereador disse durante a pandemia que havia pastores trambiqueiros e que receitar cloroquina era um engodo. Quando ele entrou numa igreja católica durante uma manifestação antirracista e fez um discurso contra o assassinato de negros o pessoal achou que tinha chegado a hora de se vingar.

Na volta à Câmara, amparado por uma decisão do STF, Renato fez um discurso ao mesmo tempo sarcástico e tremendamente sério. Usando trechos bíblicos e um discurso quase religioso, denunciou a iniquidade dos que cassaram seu mandato. Os “homens de cobiça”, segundo a frase usada por ele, usaram de todos os meios para expulsar aquele que, na opinião dos detratores, jamais deveria ter chegado à Câmara.

O curioso é que, pelo menos aparentemente, os vereadores fustigados por Renato não esperavam isso. Ao serem novamente chamados de racistas, de perseguidores, ao verem o colega negro e periférico mais uma vez denunciá-los em alto e bom som, ficaram chocados. E foram à tribuna rebatê-lo. Disseram que agora não ficarão mais calados – como se antes, na cassação, tivessem ficado.

Mauro Ignácio disse achar que o petista voltaria tentando apaziguar os ânimos (foi o mesmo vereador que colocou a culpa da cassação em Renato, por não ter tentado negociar com quem o perseguia). Como assim? Tendo uma nova chance de ocupar o mandato, Renato Freitas continuaria com a postura combativa que quase lhe tirou da Câmara.

O momento foi a um tempo divertido e triste. Divertido porque parecia uma comédia pastelão, uma comédia de erros em que os vereadores valentões não tinham mais armas para se impor e precisavam engolir um sapo gigantesco. Mas triste por mostrar que eles não entenderam absolutamente nada do que aconteceu.

Eles não perceberam – e isso ficou claro – que a ideia do mandato de Renato Freitas é justamente tensionar. E ele mesmo já disse isso: “Se eu não incomodasse, nem faria sentido estar aqui”. Um dos vereadores, Ezequias Barros (PMB), num pedido um tanto patético de trégua, disse que não entendia por que Renato não deixava os outros fazerem seu trabalho, por que não se ocupava das próprias causas.

O que o vereador não entendeu é que a causa de Renato é exatamente essa: mostrar o que é a Câmara, mostrar o que é o poder constituído. Provocar. Gerar tensão para que algo mude. Desmascarar quem exerce o racismo institucional. Brigar com os vereadores que vivem de relações espúrias com a prefeitura, em troca de cargos e reeleição.

Parece que não passa pela cabeça de muita gente na Câmara que seja possível estar em um mandato para mudar alguma coisa. A maioria não quer mudar nada, pelo menos não num nível mais básico. Para que mudar o jogo em que eles estão ganhando.

Os bezerros que estão mamando não têm interesse em mudar a situação. O espantoso é que eles achem que quem denuncia a falta de leite só possa estar atrás de uma teta para si – e que considerem impossível a ideia de que alguém esteja simplesmente tentando mudar o sistema para que todos possam se alimentar melhor.

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