A Câmara de Curitiba aprovou nesta semana um pedido para que a Prefeitura da cidade pare de distribuir comida aos pobres no Centro da cidade. Com 17 votos favoráveis à proposta, os vereadores disseram que a distribuição de alimentos para situação de vulnerabilidade está atrapalhando o comércio na região central.
Autor da sugestão à Prefeitura, o vereador Eder Borges (PP) disse que o Centro da cidade “não é lugar” para esse tipo de iniciativa, que deveria ocorrer, por exemplo, dentro da Vila Torres. A argumentação higienista afirma que, além de prejudicar o comércio, isso estimula o surgimento de “pessoas más” na região da Praça Tiradentes, onde foi implantado o Mesa Solidária.
O entorno da Tiradentes é marcado pela presença de moradores de rua e de pessoas em situação de vulnerabilidade. No entanto, essa não é a primeira medida do Poder Público municipal que visa prejudicar o auxílio a esses moradores. Desde o início da gestão de Rafael Greca (PSD), políticas como o fechamento de guarda-volumes, a troca de abrigos no Centro por outros mais periféricos e a retirada de pertences de moradores de rua vêm sendo registradas.
O próprio Mesa Solidária, em sua primeira versão, tentava proibir a população de dar comida a moradores de rua, sob pena de multa. Só depois de um escândalo nacional, o prefeito Greca recuou da ideia absurda.
A polêmica em relação a esse tipo de política começou já no mandato de Gustavo Fruet (PDT), quando se cobrava que a Prefeitura adotasse medidas para forçar os moradores de rua a irem para abrigos -a lei só permite que haja a oferta de abrigos, e não o recolhimento à força. Marcia Oleskovski, à época presidente da FAS, disse que era preferível perder a eleição a aceitar políticas higienistas como essa.
Na discussão desta semana, o show de declarações preconceituosas contra os pobres foi longo. Borges, que provavelmente perderá o mandato nos próximos dias, uma vez que se elegeu sem prestar contas da campanha anterior, disse também ter protocolado, na semana passada, projeto de lei que regulamenta a criação de uma campanha de desincentivo à esmolas.
“Olha que absurdo, eles comem a carne e simplesmente jogam fora o feijão e o arroz. É um desperdício de comida e vem causando um problema de saúde pública, porque comida na rua atrai ratos, baratas, atrai esses animais. E como se isso não bastasse, […] existem pessoas ruins que são atraídas por este tipo de programa [social]. Gente que fica assaltando ali na região, que fica fazendo abordagens importunas a transeuntes, pedindo esmolas de forma mais agressiva, e isso está acabando com o comércio da região”, zurrou Eder Borges.
Rodrigo Reis (União), outro integrante da ultradireita, saiu em defesa da iniciativa, concordando com “tudo o que o Eder está falando”. De acordo com o parlamentar, a insatisfação dos comerciantes e moradores não seria isolada ao Centro da cidade, mas também em bairros como Boqueirão e Jardim Botânico, onde associações de moradores pedem a retirada de equipamentos sociais. Ele disse que locais com “este tipo de atendimento” não estão corretos e relembrou que numa unidade da FAS localizada em frente a Câmara, já desativada, era comum os assistidos comerem no local, e passarem o dia na praça Eufrásio Correia “vendendo drogas”.
“O Centro de Curitiba está uma lástima. Sou procurado diariamente por moradores e comerciantes. Desafio os vereadores a ir no calçadão da rua XV [de Novembro] durante a luz do dia e ver como estão as marquises da rua XV em pleno horário comercial. A drogadição tomou conta do Centro e nós precisamos sim, resgatá-lo”, disse Alexandre Leprevost (PP), ao adiantar que está organizando uma audiência pública com moradores, comerciantes da região e representantes da Prefeitura de Curitiba, para discutirem o resgate da “essência do Centro” – sabe-se lá o que isso queira dizer.
Denúncia de higienismo
Na discussão desta quarta-feira, a autora do pedido para que a votação fosse nominal – rejeitado pelo plenário – e contrária à indicação, Professora Josete (PT) lembrou que Curitiba é uma cidades mais desiguais da América Latina. “Não se tem um olhar humanizado sobre as pessoas que estão em situação de rua, um olhar que olha o outro ser humano com empatia. Olha como se essa pessoa fosse um marginal, um criminoso. Pontualmente, entre a população em situação de rua, obviamente existe aquele criminoso. Mas isto é uma questão pontual.”
Vice-presidente da Comissão de Serviço Público, a vereadora argumenta que é cruel ouvir que “as pessoas têm que ser levadas para o Parolin e para a Vila Torres”. “É a mesma lógica de que quem está em uma ocupação é marginal. É perverso trazer um conceito que criminaliza, um conceito que higieniza. Trazer esta lógica, que não traz a solução para um problema, mas é jogar as mazelas para debaixo do tapete, e isso significa criminalizar as pessoas. Ouvir ainda que existe uma ‘essência do Centro’. Isso é esconder a desigualdade? É só mostrar o que dá certo, numa cidade? E aí os problemas temos que colocar de lado?”, indagou.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Giorgia Prates – Mandata Preta (PT) corroborou da opinião da colega de partido, e analisou que o problema da região da Tiradentes, e de outras partes da cidade, colocado desta forma, remete à aporofobia, que significa aversão a pobres. “O programa tem uma função social, pensa numa política pública não só de inclusão, mas de sobrevivência. E o que nós fazemos aqui? A gente vem julgar a atuação situação dessas pessoas, que é de miséria, […] colocando todo mundo do Parolin como se fosse a mesma situação? Lugares como Parolin e Vila Torres precisam de políticas públicas.”
Com informações da Câmara de Curitiba, com texto de Pedritta Marihá Garcia