Para quem mora em Curitiba, 2024 será a primeira vez que o Dia da Consciência Negra será celebrado com um feriado. O dia da morte de Zumbi dos Palmares já era feriado em vários estados e cidades – mas em Curitiba, a mesquinhez da Associação Comercial do Paraná impediu que uma lei do gênero, que chegou a ser aprovada na Câmara Municipal, passasse a valer exatos dez anos atrás.
Edson Ramon, um empresário que mais tarde se relevaria (para surpresa de zero pessoas) um bolsonarista, comandava a Associação Comercial na mesma época em que a Câmara, depois de derrubar João Claudio Derosso, vivia um breve momento de respiro democrático. Paulo Salamuni comandou a votação e o projeto aprovado pelo então vereador Clementino Vieira foi aprovado.
Herdeiros de uma instituição fundada por um abolicionista, o Barão do Serro Azul, os diretores da ACP teriam o dever cívico de seguir a tradição de seu patrono e aplaudir a iniciativa da cidade. Eles sabem (todo mundo sabe) que as ruas onde ficam as lojas centrais de Curitiba foram construídas com suor e sangue de negros. Mas quando apareceu para falar em público, o presidente da Associação não disse nada sobre reparação, sobre humanismo, nem sobre os negros. Suas perguntas tinham a ver com o bolso. E o PIB? E as vendas?
Como sempre é possível se fazer nesses casos, acharam um impedimento legal para que a cidade tivesse mais um feriado municipal – apesar da vontade da população, demonstrada por meio de seus legisladores, a ACP recorreu à Justiça (repita-se, por mera mesquinhez) e venceu.
Mas o Movimento Negro é maior do que a Associação Comercial do Paraná. Demorou dez anos, mas agora, sob a Presidência de Lula (alguém imagina Jair Bolsonaro tomando essa atitude?) o feriado da Consciência Negra se tornou nacional. E mesmo aqueles cuja pele se eriça ao ter de pensar que o PIB do Brasil, tanto o de ontem quanto o de hoje, e principalmente o futuro, dependem majoritariamente do esforço de homens e mulheres negras, vão ter um dia inteiro por ano para pensar sobre isso.
Um adendo: Edson Ramon, hoje presidente de um certo Instituto Democracia e Liberdade, escreveu há cerca de um ano no jornal mais à direita da cidade (aquele) sobre a eleição de Lula – o responsável pelo novo feriado. Estava contrariadíssimo, claro.
Depois de dizer que não valia a pena falar do 8 de janeiro (segundo ele havia “inúmeras controvérsias sobre a autoria dos atos”, afirmava que era preciso agir para manter o governo Lula na rédea curta.
“É preciso manter as lideranças empresariais e todas as forças de direita em estado de alerta total. Não vamos aceitar retrocesso na legislação trabalhista e nas políticas públicas que vinham melhorando os indicadores econômicos do Brasil.”
Em dez anos, o mundo mudou bastante. Mas tem gente que não mudou nada.