Caso Muggiati fez surgir Seção de Psicologia Forense na Polícia Científica do Paraná

Fisiculturista é encontrada morta por queda do trigésimo primeiro andar de seu apartamento. Primeira hipótese é suicídio. A Psicologia disse que não era o caso

A materialidade, uma vez comprovada a ligação entre material e fato, é inquestionável. Mas, muitas vezes, ela é insuficiente no levantamento de hipóteses corretas para a elucidação de um delito ou para se chegar a um criminoso.

As “pistas” não são como nos filmes ou nos seriados que, à medida que se colocam lado a lado, formam um quadro completo. Assim, não poucas vezes, aquilo que muitos considerariam imaterial passa a ser fundamental em uma investigação.

Uma fisiculturista é encontrada morta, depois de, por alguma razão ou agente, ter caído do trigésimo primeiro andar do prédio em que morava.

A polícia trabalha, inicialmente, com a possibilidade de suicídio, embora numa investigação nenhuma outra possibilidade seja descartada.

Um psicólogo – que, então, trabalhava na Polícia Científica do Paraná como perito em balística – entrou em contato com o delegado que comandava a investigação.

Esse psicólogo era partidário de que as tais outras possibilidades eram mais fortes. As peças, de acordo com uma leitura psicológica prévia, não se encaixavam no sentido de um suicídio.

E, se de fato não se encaixassem, seria possível eliminar tal suspeita através de uma Avaliação Psicológica Reconstrutiva, particularmente através de uma Autópsia Psicológica.

A Autópsia Psicológica – que faz parte do repertório Avaliação Psicológica Reconstrutiva, junto com a Perfilagem Criminal e a Análise de Mortes Equívocas – combina a análise clínica do campo da saúde mental e da avaliação psicológica com os conhecimentos das ciências forenses. E é particularmente marcada por ocorrer na ausência da vítima, seja por falecimento, inconsciência, perda de memória, hospitalização ou desaparecimento.

Falando em linguagem simples: o perito responsável pela Autópsia Psicológica levanta “quem era” essa possível vítima através de entrevistas com pessoas que conviviam com ela, através de seus hábitos e através de seus comportamentos prévios ao fato.

As investigações sobre o caso da fisiculturista, pautadas pela materialidade, por fim, concluíram que o então namorado da atleta, a estrangulara e jogara o corpo para simular suicídio.

Mas o processo de Autopsia Psicológica da vítima, conduzido pelo psicólogo Guilherme Bertassoni da Silva, hoje à frente da Seção de Psicologia Forense da Polícia Científica do Paraná, teve papel fundamental para que se chegasse a essa conclusão, ajudando a eliminar uma hipótese que seria equivocada.

O crime, ocorrido em 2015 e que levou à morte de Renata Muggiati, ainda irá a júri popular.

Ainda que tenha suas raízes no trabalho com hipnose do perito Rui Sampaio, a partir de 1983, pode-se dizer que o papel da Psicologia no caso Muggiati, em 2015, foi o ponto de partida para que, em agosto de 2020, a Seção de Psicologia Forense passasse a existir e a atuar oficialmente na Polícia Científica do Paraná.

A ideia de abertura da seção foi apresentada em 2019 e estava vinculada a um projeto de doutorado em Psicologia, envolvendo a Universidade Federal do Paraná, a Universidade Tuiuti do Paraná e a Polícia Científica do Paraná, dando, através de tais intervenções acadêmicas, adequação técnica e teórica à implantação.

O uso da Psicologia, desde então, tem mostrado ampla utilidade na resolução de casos. Recentemente, a Seção de Psicologia Forense da Polícia Científica do Paraná teve importante participação na prisão de José Soroka, assassino serial que vitimou homens homossexuais em 2021, em Curitiba. A Perfilagem Criminal ajudou não só a compreender o criminoso e seus possíveis comportamentos, antes mesmo de ser capturado, como também a caracterizá-lo como uma pessoa imputável, isto é, que poderia ir à julgamento.

Os crimes, de fato, além de deixar as evidências materiais, deixam evidências que inevitavelmente ultrapassam o material. Mas como lidar com o imaterial de um crime? As emoções, os pensamentos, os gestos, o intocável ou até mesmo insondável? A resposta é a Psicologia que, nesse papel, mais do que nunca assume seu caráter científico. Nem tudo é visível sob as lentes de uma lupa e ou de um microscópio.

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