É preciso o grito de uma aldeia inteira

Você já deve ter lido ou ouvido o provérbio africano que diz “É preciso uma aldeia inteira para se educar uma criança”. Mães, educadoras e demais agentes envolvidos nesse processo de “educar” sabem bem da profundidade dessa ideia. As crianças se desenvolvem não apenas com base nas relações familiares, mas também com a influência do que aprendem na escola e em outros ambientes da sociedade na qual estão inseridas.

Esse conceito não é novo, a filósofa alemã Hannah Arendt já falava, em meados do século XX, sobre a responsabilidade coletiva em relação à aprendizagem de crianças e adolescentes, e muitos pensadores da educação continuam tratando sobre o tema na atualidade.

Quem conhece o trabalho desenvolvido pelo Rock Camp Curitiba sabe que o projeto encontra na coletividade a base para o desenvolvimento de suas atividades. Somos um projeto feito por um grupo majoritariamente formado por mulheres e dedicado às mulheres, às pessoas trans e às que não se identificam com a binaridade de gênero. Quem se voluntaria para qualquer função no Rock Camp sabe que é parte da aldeia e que há muito a ser feito principalmente em relação às meninas, que em geral recebem menos estímulo para ocuparem os espaços que desejam.

Porém, engana-se quem pensa que somente as crianças necessitam da aldeia. Desde o primeiro camp em 2018, voluntárias das mais diversas áreas têm compartilhado sobre o impacto gerado pela comunidade formada a partir do envolvimento com o Rock Camp Curitiba. Apesar de ter rotatividade de voluntárias incluindo pessoas novas a cada ano, o grupo de “Campers”, como é carinhosamente chamado pelo voluntariado, não distingue quem participou desse ou daquele ano, é uma comunidade que cresce a cada nova pessoa que chega. É uma aldeia para quem se dispõe a ser aldeia.

E para ser aldeia não basta estar disposta a ensinar, é preciso estar aberta a aprender, a ajudar e a confortar. Mas quem conforta hoje, amanhã vai receber o afeto, seja em uma palavra de incentivo, seja com uma imagem de gatinho (que pode virar uma enxurrada de fotos de bichinhos no horário de expediente, o que vai demandar paciência e tolerância).

A estreia do Rock Camp 18+ ampliou o alcance da nossa aldeia. Porque se, com as crianças nosso papel é direcionar para que elas encontrem a confiança para se expressarem em suas identidades e desejos, com mulheres adultas, a relação é de troca. Compreender que temos vivências que hora se cruzam, hora se afastam, mas que em comum, temos o ser o outro, seja por ser mulher, seja por ser queer, seja por apenas ser. E aí está o grande ato do Rock Camp 18+: a aldeia se dando conta de que “a revolução está na nossa canção”. E ela ecoa. Aqui. Na América Latina. Em todo o mundo.

Texto de Lis Claudia Ferreira, voluntária do Rock Camp Curitiba desde 2019.

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