Orgasmo miojo não! Sério, lacradoras?

O problema da sexualidade feminina, do prazer feminino e do orgasmo clitoriano existe desde que homens brancos ocidentais decidiram nos explicar o que sentimos e o que devemos sentir, ou como somos formadas, como nosso corpo funciona

Minha primeira experiência na nova rede social Clubhouse foi ouvindo uma sala chamada Siririca Matinal do @MeuClitoris. Como já sigo os perfis no Telegram e no Instagram, e a sala estava aberta quando recebi meu convite e pude finalmente entrar na Clubhouse, comecei a ouvir. As mulheres convidadas e participantes falavam sobre “dedinhos”.

O problema da sexualidade feminina, do prazer feminino e do orgasmo clitoriano existe desde que homens brancos ocidentais decidiram nos explicar o que sentimos e o que devemos sentir, ou como somos formadas, como nosso corpo funciona, etc. Ou talvez exista desde muito antes disso, né? Desde que o mundo é mundo? O certo é que o controle de nosso prazer está neles, e claro, nos falos deles.

Quando trazemos a discussão para a contemporaneidade, vemos que algumas mulheres se sentem autorizadas a ditar o que é certo e o que é errado, seguindo a herança heteronormativa (o que é difícil de quebrar, não é mesmo?). E é nessa forma de agir e falar que fiquei muito chateada com o que ouvi: as meninas criticaram o uso de vibradores para orgasmos clitorianos. Sério?

Alguma mulher (branca e de boa condição financeira – imagino eu dentro dos meus preconceitos) ditou que um determinado tipo de orgasmo clitoriano é ruim para pessoas que têm vulva, porque é alcançado muito rápido e o chamou de orgasmo miojo. Sério mesmo, meninas?

As redes sociais trouxeram a possibilidade de uma Quarta Onda Feminista porque permitem a cada uma de nós escrever, publicar, compartilhar, discutir, acessar, deixar de seguir, conhecer, refletir, etc., sobre nós mulheres e nossos feminismos. Vários canais, páginas, perfis surgiram nos últimos tempos para nos mostrar, pessoas com vulvas, o formato do nosso clitóris e que nossas vaginas são únicas, cada uma diferente da outra.

Nós somos informadas de detalhes que nunca tínhamos ouvido falar. Eu, pelo menos, só fui saber o formato do clitóris a pouquíssimo tempo. Conheci o termo graças à banda Titãs, que cantava a palavra na época do bom e velho rock’n roll. Mas a imagem mesmo, só depois de bem adulta e graças à internet.

E aí um grupo de mulheres vem me dizer que o orgasmo clitoriano com vibrador deve ser deixado de lado, só para de vez em quando, porque o certo e o ideal é usar os dedos. Ah, sério mesmo? Que desserviço, né?

Parem de lacrar, parem de classificar, de valorar e deixem cada mulher escolher como quer se conhecer e como quer ter prazer. Claro que as discussões são importantíssimas e o trabalho não deve parar nunca, o que deve ser alterado é a necessidade de dizer o que é certo e o que é errado. Freud já estragou muito a nossa relação ao dizer que os orgasmos clitorianos eram coisa de mulheres infantilizadas. Ao ouvir a expressão “orgasmo miojo”, juro que pensei que só podia ser Freud soprando no ouvido de alguma mulher. Credo!

Em tempo, sigam o @meuclitorisminhasregras, é sensacional, como tantos outros perfis que são igualmente incríveis no Instagram e em outras redes e vamos continuar as discussões sobre nosso corpo, uma dividindo com a outra as descobertas e as discussões relevantes. Com sororidade, afetividade e sem lacração.

Sobre a Clubhouse, ainda estou aprendendo a usar a nova rede social que permite criar salas para conversas só em áudio. Sou daquelas que gosta muito de ouvir podcasts, então, acho a solução interessantíssima. Como sou jornalista e professora universitária, e muito curiosa, tô tentando me entender dentro deste novo aplicativo.

Sobre o/a autor/a

10 comentários em “Orgasmo miojo não! Sério, lacradoras?”

  1. Que texto legal, o problema é isso mesmo, tentar normatizar o corpo e comportamento feminino, o corpo é múltiplo porque explorar um lado só, a mulher que escolha o orgasmo que quer ter, a depender de seu contexto, disposição e posição.

  2. Na realidade o controle do corpo feminino não foi exercido apenas sobre homens brancos. Na história temos a criação dos gineceus gregos para tirar meninas de circulação e formá-las pada o lar e a maternidade, enquanto os homens iam para o androceu aprender profissões e a arte da guerra. Quando advém o judaísmo, chega condenando o prazer feminino (inclusive a masturbação e a menstruação, vide libro Levítico da Bíblia). Nas culturas africanas do norte temos também algumas tribos influenciadas pelos muçulmanos que realizam a mutilação clitoriana das mulheres. Na China antiga, arrancar o clitóris era uma forma de castigo. Na Índia idem. Portanto, seria importante rever a expressão “homens brancos”, pois isso nada tem a ver. O controle sobre o corpo feminino remonta à eras longínquas e sempre ocorreu. É histórico.

    1. Obrigada pelas contribuições, professora. São ótimas! No trecho do texto falo do momento histórico em que homens brancos ocidentais explicaram para o mundo como é o funcionamento do corpo feminino. Teorizaram sobre nosso corpo afirmando o que era “verdade “ pra nós. De forma breve, por isso falo de homens brancos e não faço um contexto histórico. Penso em Freud e Lombroso, por exemplo. Obrigada pela contribuição, num próximo texto podemos abordar o ódio ao clitóris.

      1. Excelente! Sugiro dar uma olhada no livro “A Bruxa e o Calibã”. Existe uma biblioteca com PDF para estudantes, a maior digital e gratuita do mundo, onde vc pode fazer o download dele: https://b-ok.lat/

        Tem muito material de pesquisa sobre sexualidade feminina por ali. Aliás, tb sugiro recorrer a Lacan. Ele possui um pensamento muito interessante sobre o orgasmo feminino, mais apurado que Freud.

        Aqui no Brasil um dos maiores estudiosos sobre o tema é o Prof. Dr. Rogério de Miranda. Mora em Curitiba, professor recém-aposentado da PUCPR. Ele tem recente artigo publicado sobre “o gozo”.

        Pra finalizar a contribuição: na vivência cristã, quem pegou a moral judaica e transferiu conceitos religiosos ao corpo feminino e ao comportamento das mulheres foi Santo Agostinho, no século IV. Quando ele discorreu sobre pecado/virtude, corpo/alma, inferno/paraíso, sexo/pureza, foi esse dualismo que formou séculos e séculos do comportamento humano, explicitando o repúdio à masturbação pelas sociedades que passaram a Idade Média, Moderna e mesmo Pós-Moderna em relação ao tema.

        Aliás, quando no séc VI é criada a religião muçulmana, eles adotam o pensamento de judaico-cristão de Agostinho e o incorporam aos princípios do Alcorão.

        E assim, as 3 principais religiões mundiais deram base para o pensamento “atual” sobre clítoris/masturbação/pureza/virtude.

        Consequências disso: controle do corpo feminino, pois são bases religiosas patriarcais.

        Em religiosidades antigas, nas quais há deusas, o corpo feminino, o prazer e a fertilidade possuem um enorme valor, inclusive espiritual. Foram consideradas “nocivas” e eliminadas.

        Ficam aqui mais umas dicas… ? por favor, continue escrevendo sobre o tema! Precisamos desmistificar esse assunto!

        1. Calibã e a Bruxa é dos meus preferidos. Indico sempre a minhas alunas. Obrigada!! Eu busco dar visibilizadade a autoras, a mulheres que pesquisam e produzem conhecimento sobre nosso corpo. Isso porque os autores são sempre citados e tem espaço garantido. Mas agradeço muito pelas indicações. Quem sabe a professora faz um artigo, também, e indica pra publicação aqui para termos vais mulheres publicando sobre estes assuntos tão relevantes. Ah, eu uso muito o link da biblioteca feminista, que tem muitas obras para estudarmos!

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