Por que audiência de conciliação é um desserviço para mulheres vítimas de violência?

TJ-PR recomenda que juízes saibam se a mulher está disposta a conciliar; profissionais explicam o motivo

Em 2018, a advogada Lázara Daniele Guidio Biondo Crocetti trabalhou em um caso de violência contra a mulher bastante preocupante. “O companheiro da minha cliente havia jogado álcool e ateado fogo nela. Depois ele trancou a casa, trocou todas as fechaduras e levou os filhos embora”, relembra. Para recuperar a guarda das crianças, receber pensão e obter algum tipo de justiça após a agressão, a mulher precisou recorrer aos tribunais.

Acontece que a Justiça também não foi acolhedora. De acordo com a “letra da lei”, ela já tinha passado por pelo menos três tipos de violência: física, moral e patrimonial, mas ainda teve que encarar a revitimização enquanto buscava seus direitos. Logo no começo do litígio, foi intimada a comparecer na audiência de conciliação junto com o agressor.

Crocetti fez três pedidos ao juiz para que não houvesse conciliação. Todos foram negados. Por fim, ela conseguiu que o ex-casal fosse ouvido em momentos diferentes, mas saiu indignada com a situação. “Quando começaram a acontecer essas coisas em quatro ou cinco processos em que eu atuava, falei: basta! Foi quando procurei a OAB”, diz.

Mais de dois anos depois, veio a resposta. Hoje a advogada recebeu um e-mail da Ordem dos Advogados do Brasil, assinado pela presidenta da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero, Helena de Souza Rocha, informando que a presidência do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) expediu uma recomendação “aos Juízos de Família de Primeiro Grau de jurisdição para que, dentro de sua autonomia funcional, avaliem a possibilidade de realizar audiências de conciliação nos casos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher apenas quando haja o consentimento expresso da vítima”. 

A advogada contatou a cliente que a inspirou a fazer o pedido para contar a novidade – e a resposta foi de alívio. “Graças a Deus as mulheres não vão mais precisar passar por aquela palhaçada. Até hoje me sinto indignada quando penso nisso”, escreveu a mulher.

O imbróglio

Hoje, o Brasil tem duas legislações conflitantes em casos de violência contra a mulher. A primeira é a Lei Maria da Penha, que já prevê a possibilidade de quem foi agredida solicitar não ser ouvida na presença do agressor. Porém, existe o artigo 334 do Código de Processo Civil (CPC) que, junto à legislação das Varas de Família, preconiza que as partes tentem uma conciliação antes que tenha início o litígio. 

Na prática, o juiz analisa o caso para ver se há algum pedido liminar. Se não tiver, ele designa a audiência conciliatória automaticamente, não importando quem tenha entrado com o processo. E a parte que não comparecer ficaria sujeita a multa ou ato atentatório contra a dignidade da justiça. “É um risco. A vítima acaba sendo compelida a passar por isso com medo de sofrer uma represália”, explica Crocetti.

A advogada não foi a única que se incomodou com o problema no Paraná. O próprio documento da OAB-PR que ela recebeu diz que foi a Defensoria Pública quem fez o pedido ao TJ-PR. De acordo com Lívia Martins Salomão Brodbeck e Silva, coordenadora do Núcleo de Direitos da Mulher (NUDEM), a queixa chegou até ela por meio da equipe da Defensoria que atua na Casa da Mulher Brasileira.

“Lá eles atendem mulheres em contexto de violência doméstica e ajuízam as ações de Direito de Família decorrentes. E muitas vezes percebiam que as mulheres não tinham interesse em conciliação, mas por conta do CPC, os juízes agendavam. Isso acabava trazendo sofrimento para as vítimas”, afirma. 

Segundo a coordenadora do NUDEM, existem diversas normativas internacionais que fundamentam o fato de que casos de violência doméstica não devem ser tratados com mecanismos de mediação ou solução alternativa de conflitos, porque eles podem expor a mulher a riscos. “Pode ser que o agressor pratique novos atos de violência depois dessa discussão. Além disso, não existem condições de igualdade para vítima e agressor sentarem numa mesa para fazer um acordo.”

O NUDEM enviou uma solicitação de recomendação aos magistrados à desembargadora Priscilla Placha Sá, coordenadora estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar. Ela fez o pedido à Corregedoria Geral de Justiça, que o acolheu em agosto de 2020.

“Ao exigir o comparecimento da vítima, sem a sua anuência, na audiência de conciliação, o Poder Judiciário estaria causando a esta um novo dano, ainda que psicológico, como bem pontuado pelo CEVID anteriormente, pois a vítima estaria sendo obrigada a reencontrar o agressor contra a sua vontade e revivendo todos os marcantes momentos por ela enfrentados”, foi o argumento da Corregedoria.

Por fim, ficou decidido que a designação – ou não – de audiência de conciliação, por afetar diretamente o trâmite processual, incumbe exclusivamente ao juízo designado para atendimento do processo. “O parecer emitido não implica na efetiva proibição de realização de audiência de conciliação sem o expresso consentimento da mulher vítima de violência doméstica e familiar”, pontua o documento assinado pelo desembargador Adalberto Jorge Xisto Pereira, presidente do TJ-PR. A assessoria do órgão diz que a recomendação foi enviada aos magistrados ainda em agosto do ano passado. 

Conquista

Ainda há muito a ser conquistado, mas é importante celebrar os pequenos progressos – e o NUDEM concorda. “A gente achou muito positivo que o próprio Tribunal recomendou, porque tem uma força interna. Em tese, os magistrados ainda podem marcar essas audiências, mas teriam que explicar por que não estão seguindo a recomendação. Encaminhamos o documento para todos os defensores de família e não tivemos mais nenhuma reclamação desde então”, comemora Silva. 

A defensora destaca que é importante espalhar a notícia entre mulheres e advogados para que saibam que é possível pedir que a conciliação não seja designada. Baixe a recomendação da presidência do TJ-PR clicando aqui.

“Sem a conciliação, o primeiro ato seria diretamente o juiz intimar o réu para que ele apresente a sua contestação nos autos. Isso triangulariza a relação processual e, vindo essa contestação, o juiz já pode partir para as primeiras decisões”, ressalta Crocetti. “Isso é essencial porque a conciliação geralmente é marcada dois ou três meses à frente – e o resultado só vem 15 dias úteis após a audiência. Pense no tempo que a pessoa tinha que ficar esperando por uma definição sobre moradia e guarda de filho, por exemplo.”

“Do meu ponto de vista profissional, o efeito prático de os juízes seguirem essa recomendação é agilizar o processo e aumentar a efetividade”, conclui a advogada.

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2 comentários em “Por que audiência de conciliação é um desserviço para mulheres vítimas de violência?”

  1. Desserviço mesmo. A defensoria pública e fraca, só estagiárias atendem as vítimas e escrevem tudo errado no processo. A vítima fica desassistida de orientações de um advogado que converse diretamente com a vítima entenda a situação isolada e tome atitudes que auxiliem a vítima e seus direitos. Provas são perdidas, ficam de fora do processo. As estagiárias não sabem de nada. A vítima vão pra audiência sem orientação alguma. E é forçada a fazer acordo para arquivar processo. Não dão credibilidade alguma a palavra e as provas da vítima. A melhor coisa a se fazer é pegar os filhos e sumir, se esconder, porque ninguém nos respeita muito menos nós defende. Eu sou vítima de violência doméstica a 20 anos. Perdi a guarda do meu filho por mentiras no Conselho tutelar que em Curitiba adora destruir as famílias e detonar com as mães e mulheres facilmente passando por cima de ordem judicial e guarda unilateral concedendo tudo ao homem..pai.. omisso mentiroso que pra ñ ser preso pega a criança e leva no Conselho tutelar mente e consegue a guarda ba hora sem ouvir a mulher e mãe, quer violência pior do que colocar poder nas mãos do conselho tutelar contra a mulher e mãe? Sim. A defensoria pública. Todos despreparados, sem formação, sem uma conduta descente em não saber aplicar o próprio serviço por incompetência, mal ou nenhuma formação, preguiça, descaso e deboche com a destruição da mulher, da mãe, dos laços maternos familiares. Em muitos casos culminando com os filhos afundados em vícios, suicídios, problemas psicológicos irrecuperáveis na mulher, nos filhos, enquanto o homem.. fica com todo mérito e é aplaudido apoiado pela família dele destruindo a mulher. Lembre eu sou vítima. Vivo isso na pele. Perdi a guarda de um filho com a guarda minha e unilateral. Enfrento hoje não saber onde meu filho está a 3 anos, sem contato algum. Sofro diariamente com meu psicológico abalado. Processos morosos na justiça. Rejeitada de meus direitos perante a justiça. Sozinha, abandonada de qualquer atenção, proteção, sem direção ou direitos. Perseguida, ameaçada de morte não só pelo ex marido, mas pela família dele inteira. Deboches é humilhações deles de todos os tipos. Meu desejo? Morrer para cessar de vez com meu sofrimento, saudade do meu filho que pari e criei, cuidei com todo amor até os 16 anos e foi usado por um pai lixo que pra ñ pagar a dívida de pensão atrasada o tirou de mim e destruiu a minha reputação e minha vida..perda de tempo escrever isso aqui. Pois não sou ninguém. Não sou famosa, nem importante, nem rica. Sou mais uma vítima do sistema falido que não executa suas funções como deveria e acaba com nossas vidas. Pobres de nós mulheres, a cada dia revivendo toda a violência, o medo de sair pra trabalhar, perder emprego por difamação, ter cabelos arrancados por uma pessoa que não aceita um não. Eu não sou respeitada e ainda obrigada a participar de audiência de conciliação, hoje, mais uma vez, 20 anos de caos, desasistida de um advogado serei obrigada a estar na presença desse crápula. Mas… fazer o que, eu sou a culpada né? … espero que entre pra estatística de mortes de violência doméstica pra ser mais uma.. porque vão me usar denovo pra se vangloriar em minhas custas.. por serem incompetentes em seus cargos e obrigações. Duvido que seja postado.

  2. Carla Dias Damasceno

    O Pai dos meus filhos está preso.
    Agressão verbal..ele tinha 4 processos um já foi arquivado… O que pode acontecer se Eu voltar à traz?

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