O elitismo cultural saiu do armário

O pedantismo em relação a morte daquela “que nunca ouviram falar” foi assustador

A morte trágica de Marília Mendonça provocou uma infinidade de posts nas redes sociais. A turma da direita nem tanto postou porque a gente sabe que a direita não se incomoda com a morte de pessoas, famosas ou não. Tanto é que estamos com mais de 600 mil mortos no país.

Mas o que preocupou mesmo foram os posts da turma da esquerda, e isso inclui historiadorxs, professorxs, escritorxs, feministas e militantes, que, embora lamentassem a morte trágica da cantora, fizeram questão de ressaltar que “não conheciam a cantora” e que “odiavam música sertaneja”.

O pedantismo em relação a morte daquela “que nunca ouviram falar” foi assustador. Sentiam-se superiores e vangloriavam-se por não gostarem do mundo sertanejo e caipira, exibindo com orgulho o seu gosto musical e sua alienação, vista como soberana. A música sertaneja foi considerada menor.

Marilia Mendonça é, desde 2015, o maior fenômeno da música brasileira. Sua live durante a quarentena foi a mais vista em todo o planeta Terra. Milhares de fãs foram aos seus shows, no Brasil e no exterior. Corajosa, em um ambiente machista, misógino e bolsominion, gravou um vídeo em apoio a campanha do #EleNão. Caetano, aquele que todo mundo conhece e se vangloria em conhecer, a chamou de Maravilha Mendonça.

Dizer que é homofóbico e que não gosta de gays não deixa ninguém mais hetero. Dizer que não gosta de música sertaneja não deixa ninguém mais erudito. Querer diminuir uma manifestação genuína cultural é não entender o que é cultura.

A esquerda brasileira provou que vive dentro de pequenas bolhas e que valorizam um elitismo cultural. As autodenominadas feministas citam com orgulho Simone de Beauvoir, mas desconhecem a brasileira Marilia Mendonça, feminista raiz. Como disse Aldir Blanc: “O Brazil não conhece o Brasil, o Brasil nunca foi ao Brasil”.

Torço para que um dia aconteça com a música sertaneja o mesmo que aconteceu com o samba, que passou de coisa de marginal para símbolo nacional e se tornou a música oficial do país. A feijoada, a cachaça, o acarajé, o barreado, o frevo, a capoeira, o maracatu, o Boi Bumbá, o chimarrão, a farinha de mandioca, o funk e o açaí mostram que, embora a cultura do Brasil seja uma cultura de mistura e não de exclusão, sempre demora a chegar na elite e ser aceita.

Depois de ler tantos posts arrogantes e pretensiosos da pseudo intelectualidade de esquerda, só nos resta lembrar a pergunta de Florestan Fernandes: “Afinal de que lado estamos?”.

Sobre o/a autor/a

14 comentários em “O elitismo cultural saiu do armário”

  1. Eu achei bacana o texto, mas depois a Martha Medeiros nos deu também um outro ponto de vista sobre não conhecer alguns artistas. Vou colar aqui, pois acho legal a reflexão:TANTO TUDO

    Você sabe que os anos estão passando quando não identifica mais quem são as pessoas que a maioria da população admira. Há um sem-número de ídolos populares que, se entrassem num elevador comigo, eu não faria ideia de quem seriam, enquanto, para seus fãs, compartilhar com eles os poucos segundos entre o térreo e o décimo andar ressignificaria a vida. Muitos artistas estão neste exato instante quebrando recordes no Spotify e fazendo lives acompanhadas por milhões de seguidores, e ao ouvir seus nomes pela primeira vez, eu talvez os confundisse com algum ex-colega de faculdade.

    Parece absurdo que alguém nunca tenha escutado a respeito de Anitta, por exemplo, mas há pouco tempo, um advogado me perguntou quem era. Fiquei chocada. De que planeta você veio? Pode-se gostar ou não gostar, mas jamais ter ouvido falar de Anitta? Só então me dei conta de que eu estava caindo na armadilha comum de achar que, se alguém ignora a existência de uma celebridade, não passa de um esnobe.

    O showbiz mudou. Antigamente, as capas de revista consagravam carreiras. A televisão era o eletrodoméstico mais importante da casa. Todo mundo conhecia o rei do iê iê iê, o galã da novela, a miss de cetro e coroa. Eram intocáveis, distantes, quase sobrenaturais – pois raros.

    Hoje você grava um vídeo caseiro, posta na internet, cai na graça de uns, viraliza e dentro de um ano pode estar morando numa mansão, e quem vai dizer que o valor passou ao largo? Quase sempre o êxito vem do talento artístico, mas pode vir também do faro para tendências, para criar conteúdo motivacional, para fazer dinheiro nas redes – algum talento toda pessoa tem, é só descobrir qual e como usá-lo, manejando as ferramentas que dispõe. A frase célebre de Andy Warhol não caducou pelo sentido, e sim pela duração: 15 minutos, hoje, é uma eternidade, mas uns poucos segundos de visibilidade estão garantidos a todos.

    Nós, os sobreviventes da era analógica, não conseguimos acompanhar tanta novidade circulando pelo palco digital. Eu, ao menos, admito a lentidão que me domina: cultivo paixões antigas e algumas atuais, e já me perdoei por, mesmo trabalhando num veículo de comunicação, não conseguir estar informada sobre tudo e sobre todos. Não conhecia Marilia Mendonça. De que planeta eu vim?

    De outro século e deste aqui, vim lá de trás e de hoje cedo, administro como posso o meu passado e este presente intenso, me espanto com a oferta atordoante de eventos e existências, tantas que nem todas são por mim assimiladas. Ainda assim, junto-me aos lamentos. Toda morte é trágica, ainda mais de jovens que deixam órfãos uma família, amigos, fãs e um futuro. Não é esnobismo, não, é esse tempo agora, voraz.

    Zero Hora: 13/11/21 O Globo:14/11/21

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  2. Comecei a ler e parei na primeira frase e obviamente nao me dei ao trabalho de ler o resto. Vim aqui ate o final da pagina para ver se tinha a opçao de deixar um comentario. Pensando bem, nem isso vc merece.

  3. Pra se ter “cultura” preciso gostar de Marília Mendonça.? Marilia Mendonça faz parte da cultura Brasileira sim, mas não preciso gostar dela e fazer parte dessa cultura. Tive sim que procurar uma música dela e acho muito ruim. Sou melhor por isso ? Óbvio que não. Agora, a grande maioria tem letras muito pobres e musicalmente também é pobre. Pode ter algumas músicas que foge disso? Claro! Porém, a grande maioria é “sofrência” mesmo

  4. Muito lúcido e pertinente o artigo de Bebeti Gurgel. Pessoalmente, sabia quem era Marília Mendonça, pela popularidade que acabou atraindo minha atenção. Mas tb não me interessei pela música nem pela cantora, durante sua breve e absolutamente genial trajetória. Hoje, assisto emocionada a tudo que postam sobre ela. Deixou um belíssimo legado. Sempre é tempo de conhecer essa mulher corajosa e engajada. Viva Marília!

  5. Fanny Maria Bittencourt Daniel

    Oi Bebeti! Gostei muito de sua crônica! Parabéns! Sinto-me no dever de mencionar matérias bonitas, respeitosas, elogiosas, que li, no O Globo: Luccas Oliveira e André Piunti, em 07/11; na Folha SP: Tony Goes, 06/11. Também li o babaca Gustavo Alonso, também em 06/11, preconceituoso e narcisista, presunçoso e pernóstico, do qual destaco o seguinte trecho: “(…) Ao narrar a vida das mulheres Mendonça também aderiu ao feminismo que se espalha em diversas frentes da sociedade. Em “Supera”, ela cantou afinada ao discurso de autoajuda da militâncica atual, buscando “positivar” a mulher que deseja novos relacionamentos.(…)” Em suma, um Super-Babaca” e ignorante!

  6. Almir José pontes

    Sensacional, Bebeti parabéns show, vou fazer um comentário tmbm; ouvi falarem horrores dos Bolívia,peru resolvi conhecer tive uma decepção era TD contrário do que ouvi os brasileiros falar.povo maravilhoso respeitador…desculpe os erros d grafia

  7. Texto brilhante! A percepção e valorização da nossa diversidade cultural é a essência da verdadeira erudição. No campo da música, podermos desfrutar da obra de talentos como Ernesto Nazaré, Pixinguinha, Tom Jobim, Chico, Caetano, Chitãozinho e Xororó, Marília Mendonça, MC Kevinho, enfim, essa miscelânea tão rica de estilos, é um verdadeiro privilégio e motivo de orgulho nacional.
    Parabéns, Bebeti!!!

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