Nem todo Natal é feliz

Em meio ao imperativo de felicidade das festas de fim de ano é importante reconhecer que nem todo mundo tem motivos para comemorar e que viver a tristeza é também parte da vida

Eu era adolescente quando meu avô faleceu na véspera de carnaval. Por todo lado as pessoas tocavam música alto, dançavam, bebiam, se divertiam. Mas eu era só tristeza. Não que não gostasse de carnaval, mas estar triste em meio a tanta felicidade nos dá uma sensação enorme de isolamento. Até porque se na alegria compartilhamos os sorrisos, na dor é cada um por si.

Durante anos o carnaval para mim sempre teve um gosto amargo. Toda aquela sensação de solidão, dor, tristeza, isolamento aparecia novamente. Meu vô foi uma das poucas pessoas da minha infância que acreditou que eu tinha algum talento. Ele me levava toda semana no Thalia para treinar tênis de mesa. Foi ele que me levou ao primeiro torneio que venci, no Sesc. Que me deu minha primeira raquete.

Na véspera de Natal eu me lembro disso porque novamente estamos cercados de um imperativo de felicidade. É fim de ano. É natal. É preciso COMEMORAR. E vamos combinar que no restante do ano não é muito diferente, né? A ideologia da alegria, do pensamento positivo, das fotinhas inspiradoras no Instagram está por todo lado. Parece inofensivo, mas não é. Essa ideia de é preciso ter pensamento positivo, fé, se manter motivado é ótima quando está tudo bem.

Mas e se não está? É culpa minha? Não rezei o suficiente? Não me mantive otimista?

Veja bem, a vida é uma sequência de desafios. E nem tudo dá certo o tempo todo. Coisas ruins acontecem. As pessoas perdem o emprego, ficam doentes, veem relacionamentos terminarem. Mesmo pessoas que se esforçam para fazer tudo certo e para serem otimistas, positivas, felizes. É parte do ciclo da vida.

O que é doentio e errado é achar que devemos evitar a tristeza e a dor. Que devemos esconder o que é ruim. Evitar de viver a perda. Muito pelo contrário: a tristeza, o luto é parte do processo de superação de um desafio. Não há como eliminar isso. A única coisa que essa ideologia do pensamento positivo faz é criar uma cultura de isolamento daquele que sofre, de ocultação da dor, de negação do sofrimento e, por fim de condenação de quem está triste. E que bem isso traz?

Mas por que falar nisso na véspera de Natal, um dia de alegria e comemoração? Porque talvez um de vocês aí lendo isso seja alguém cujo Natal não esteja sendo feliz. E para essa pessoa é importante dizer: você não está sozinha. Não há nada de errado em estar triste – seja pelo motivo que for – mesmo em dias de comemoração. Você não precisa estar grata pelo que tem, nem reconhecer que há outros cujo sofrimento é maior. Sua dor é válida e sua tristeza é válida. Vivê-la é o que irá te permitir reconhecer a alegria quando ela aparecer.

É esse espírito de real solidariedade que vi na Brinquedo Brincado e na Mãos Invisíveis, parceiras do Plural na Campanha de Natal. O espírito da real humanidade. Da mão que se faz presente para aqueles que mais precisam.

Um Natal de paz a todas e todos. E que em 2024 possamos ser mais solidários na alegria e na tristeza e com isso construir um mundo melhor.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima