Negar dinheiro a mulheres: mais uma forma de violência política

Campanhas eleitorais são caras, e não proporcionar condições dignas de concorrer a uma vaga é uma agressão política

Ser mulher, cis ou transgênero, carrega em si, infelizmente, o sinônimo de ser alvo de inúmeras violências. Quando a violência ocorre contra a mulher por ela estar exercendo seus direitos políticos chamamos de violência política de gênero. Ou seja, é a violência que se utiliza do fato de ser mulher e em razão de ela estar na arena pública. Segundo a Cartilha de Violência Política de Gênero desenvolvida pelo Observatório de Violência Política de Gênero (2021), “a violência política contra as mulheres pode ser manifestada por ações ou omissões, de forma direta ou por meio de terceiros, que visem ou causem danos ou sofrimento a uma ou várias mulheres com o propósito de anular, impedir, depreciar ou dificultar o gozo e o exercício dos seus direitos políticos, pelo simples fato de ser mulher”.[3]

Em 2021 foi promulgada a lei nº 14.192, definindo o que se enquadra como violência política contra mulher e estabelecendo alguns regramentos quando do cometimento da conduta. A violência política contra a mulher pode se manifestar contra quem detém mandato, contra quem está se candidatando ou em relação a outros atores do processo político, como profissionais da mídia, eleitoras e servidoras públicas. Para que uma violência contra a mulher seja caracterizada como violência política, é necessário que essa conduta impeça o exercício pleno dos direitos políticos.

Se por um lado a violência física deixa marcas aparentes, a violência não física também promove rachaduras no sistema e afasta diversas outras mulheres do jogo político. Dentre essas violências não físicas, podemos elencar como exemplo uso indevido de candidatura feminina exclusivamente para preenchimento de cotas, assédio e constrangimento, porém, ainda podemos caracterizar que a negativa de acesso a recursos é também uma forma de violência política contra a mulher.

As campanhas eleitorais custam monetariamente, de modo que não proporcionar condições dignas de concorrer a uma vaga é uma agressão política. Ainda mais considerando a existência de cota específica dos fundos de recursos públicos para incentivo às candidaturas femininas. Não se pode esquecer que a legislação obriga que no mínimo 30% dos recursos públicos destinados para financiamento de campanha devem ser direcionados para as campanhas de mulheres. A obrigatoriedade de utilização adequada do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) pelos partidos políticos foi matéria inserida na Constituição (Emenda Constitucional nº 117/2022).

Em um país onde o número de mulheres eleitoras ultrapassa o número de homens eleitores, é preciso pensar o motivo que leva a configuração de casas legislativas, como a Câmara Federal, não possuir, pelo menos, metade de representação feminina.

Diante dessa realidade, uma afirmação torna-se nítida e unânime de entendimento até entre aqueles que buscam afastar a política do seu cotidiano: para que as mulheres sejam eleitas é preciso que se tenha o mínimo de viabilidade para êxito nas candidaturas.

Desta forma, os recursos financeiros surgem como uma das principais alternativas que viabilizam as candidaturas e influenciam consideravelmente o desempenho eleitoral[4], isso porque através desses investimentos é possível contratar pessoas, montar uma equipe estruturada, investir em comunicação e, deste modo, alcançar cada vez mais o eleitorado.

O financiamento de campanha desempenha um papel fundamental para o êxito para ingresso na arena política[5]. Atualmente, os partidos políticos possuem dois meios de financiar as campanhas políticas dos seus candidatos, sendo eles, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, popularmente conhecido como Fundo Partidário.

Através desses fundos, os partidos praticam a distribuição para suas candidaturas, para que estes possam realizar a manutenção financeira das suas campanhas. Nas últimas eleições, esses dois fundos têm desenvolvido um papel significativo para as campanhas políticas, muito porque, em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu doações de pessoas jurídicas em campanhas eleitorais. No entanto, a doação de pessoas físicas ainda é permitida, sendo declarada através da prestação de contas como dinheiro de origem de “Outros Recursos”.

Sendo assim, como o financiamento de campanhas via partidos políticos possui força de tornar uma mera campanha política, em uma campanha competitiva, é importante observar quem são os escolhidos pelos partidos políticos para receber as determinadas quantias.

Durante anos os partidos políticos deixaram as mulheres à mercê desta distribuição, para tanto, com o fim de que essas mulheres não sejam excluídas desse processo decisório de destinação de recursos, em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu pela obrigatoriedade da destinação de 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para mulheres. Tal regulamentação atualmente é obrigatória para cada partido político, de maneira individual.

Ocorre que, por muitas vezes, os partidos políticos buscam burlas na lei e conseguem desviar a finalidade, utilizando seus recursos, não para promover o aumento do número de  mulheres, mas utilizar apenas para algumas mulheres, sem qualquer justificativa para essa utilização, fazendo do espaço político um lugar ainda mais desigual. Por vezes a mulher ocupa o cargo de candidata a vice, sendo o principal um homem, e o fundo especial é utilizado para essa mulher, beneficiando candidaturas masculinas.

As eleições para Deputado e Deputada Federal no Estado do Paraná, no ano de 2022, contaram com 632 candidatos, sendo 210 candidatas e 399 candidatos, além de 23 candidatos que, por motivos alheios, renunciaram após o deferimento da candidatura.

Os partidos NOVO, PCB e PSTU não utilizaram nenhuma espécie de fundo, eleitoral ou especial. Os candidatos dos respectivos partidos, homens ou mulheres, gerenciaram suas campanhas com dinheiro próprio.

Nas eleições de 2022 para o cargo de Deputado e Deputada Federal do Estado do Paraná, os partidos destinaram 30% para candidaturas femininas e 70% para candidaturas masculinas. Desses 30%, R$34.839.276,68 foram destinados do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e R$5.783.450,15 foram destinados do Fundo Partidário.

TABELA: DISTRIBUIÇÃO PELOS PARTIDOS POLÍTICOS DOS RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E FUNDO PARTIDÁRIO PARA HOMENS E MULHERES.

GERAL
Fundo Especial e Fundo partidário
PARTIDOSMULHERES[ % ]HOMENS[ % ]Total Geral
AGIRR$ 150.720,0419%R$ 662.450,0081%R$ 813.170,04
CIDADANIAR$ 515.000,0015%R$ 2.977.450,0085%R$ 3.492.450,00
DCR$ 30.610,0022%R$ 107.097,0878%R$ 137.707,08
MDBR$ 1.503.008,5517%R$ 7.248.566,6483%R$ 8.751.575,19
PATRIOTAR$ 410.000,0037%R$ 700.700,0063%R$ 1.110.700,00
PC DO BR$ 107.825,8256%R$ 85.824,1944%R$ 193.650,01
PCO0%R$ 12.090,91100%R$ 12.090,91
PDTR$ 708.953,0220%R$ 2.826.076,0880%R$ 3.535.029,10
PLR$ 332.822,005%R$ 6.066.265,0095%R$ 6.399.087,00
PMB0%R$ 500,00100%R$ 500,00
PMNR$ 150.000,0048%R$ 165.000,0052%R$ 315.000,00
PODEMOSR$ 2.441.974,4842%R$ 3.425.671,2158%R$ 5.867.645,69
PPR$ 4.983.748,8327%R$ 13.290.067,6673%R$ 18.273.816,49
PROSR$ 3.466.292,0034%R$ 6.782.991,6866%R$ 10.249.283,68
PRTBR$ 36.267,2852%R$ 33.420,9948%R$ 69.688,27
PSBR$ 1.486.584,5023%R$ 4.958.315,1077%R$ 6.444.899,60
PSCR$ 250.000,0034%R$ 485.000,0066%R$ 735.000,00
PSDR$ 7.839.791,3236%R$ 13.779.246,5764%R$ 21.619.037,89
PSDBR$ 2.035.469,2334%R$ 3.906.457,0666%R$ 5.941.926,29
PSOLR$ 114.580,8329%R$ 283.464,0271%R$ 398.044,85
PTR$ 5.259.184,9846%R$ 6.098.229,8454%R$ 11.357.414,82
PTBR$ 2.057.342,7180%R$ 502.920,6720%R$ 2.560.263,38
PVR$ 325.186,6114%R$ 2.073.258,5886%R$ 2.398.445,19
REDER$ 369.436,9727%R$ 993.511,6773%R$ 1.362.948,64
REPUBLICANOSR$ 1.469.161,0025%R$ 4.515.040,5075%R$ 5.984.201,50
SOLIDARIEDADER$ 955.498,5425%R$ 2.852.039,4675%R$ 3.807.538,00
UNIÃOR$ 3.623.268,1226%R$ 10.107.038,7174%R$ 13.730.306,83
Total GeralR$ 40.622.726,8330%R$ 94.938.693,6270%R$ 135.561.420,45
Fonte: Autoras (2023)

Mesmo com uma visualização geral sobre o uso dos recursos, é possível verificar que as candidaturas femininas são as que recebem recursos menores, o que acaba por dificultar que conquistem cadeiras no poder. Em 2022, por meio da Proposta de Emenda à Constituição nº 18/2021, posteriormente aprovada sob o nº de Emenda Constitucional nº 117/2022, estabelecia uma anistia aos partidos políticos que não tinham aplicado as cotas mínimas de recursos até abril de 2022. Parecia que o assunto tinha sido solucionado, porém, pós eleição, e a partir da análise rápida do uso dos recursos é possível entender, há uma movimentação para que a anistia se estenda para o pleito de 2022. A Emenda Constitucional nº 09/2023, sob o fundamento de que a regra passou a viger no ano eleitoral, tem o intuito de afastar qualquer penalidade aos partidos políticos que não aplicaram o mínimo exigido de recursos nas candidaturas femininas.

Porém, a regra de uso dos recursos especificamente nas candidaturas femininas não é inovação fruto da emenda à Constituição, de 2022. É anterior. Ainda, a sanção é uma maneira de coercitivamente exigir que as instituições partidárias deixem de cometer a violência política contra a mulher, qual seja, negar acesso ao recurso financeiro que lhe é de direito. Impedir o acesso aos recursos e, consequentemente, limitar o exercício do direito político em sua plenitude é uma expressão de violência política contra a mulher.

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