Monark e a cultura Homer Simpson

Independentemente das questões de liberdade de expressão, o agora ex-apresentador Monark sempre defendeu algo com muito mais garra: a liberdade de ser burro

“Precisa ser (um programa jornalístico)? A gente não pode ser só dois moleque idiota?”

Monark, em entrevista com Rogério Skylab em 25 de março de 2020.

Se você tem um celular, computador, televisão, rádio, você provavelmente foi informado de que, na semana passada, um apresentar de podcast chamado Monark fez comentários bastante equivocados que levaram ele a perder a posição de apresentador do programa e a ser obrigado a vender sua parte dentro de uma lucrativa sociedade. Este apresentador, tentando reivindicar a plena autonomia da liberdade de expressão irrestrita, falou que seria bom que o Brasil tivesse um partido nazista.

Toda pessoa sensata, não contaminada pela polarização política de ter que defender o indefensável se for um erro cometido por um aliado, escutou isso e imediatamente pensou em antissemitismo, preconceito, injúria, apologia a violência, etc. A internet enlouqueceu de memes, textões, e perante o crime (sim, apologia ao nazismo é crime neste país) tomaram-se atitudes contra o apresentar. Vale reparar que não foi uma atitude da polícia batendo na porta de alguém que cometeu um crime flagrante, foram patrocinadores fugindo com seu dinheiro que fizeram o crime repercutir. A mão bem visível do mercado retirou as tripas do apresentador para fora.

Foi a primeira vez que isso aconteceu? Não foi. O apresentador já tinha cometido diversas injúrias raciais, tinha advogado a favor da liberdade de ser preconceituoso ou qualquer que fosse a sua convicção, tudo em nome de uma irrestrita liberdade de expressão. Em discussões que iam um pouco além da mera troca de ofensas e piadas, pessoas a favor da liberdade total de expressão citavam Noam Chonsky (e todo o caso controverso com o negacionista do holocausto Robert Faurisson), pessoas contrárias citavam o Paradoxo da Tolerância, de Karl Popper.

Independentemente das questões de liberdade de expressão, o agora ex-apresentador Monark sempre defendeu algo com muito mais garra: a liberdade de ser burro. Num trecho do próprio podcast transmitido em 2020, o compositor Rogério Skylab dizia que “(…) isso aqui não é um butiquim, é um programa jornalístico(…)”, ao que o Monark replica “(…) Precisa ser? A gente não pode ser só dois moleque idiota?(…)”, e Skylab rebate dizendo que não, porque há milhares de pessoas vendo.

Valeria ressaltar a estranha coincidência que, neste trecho em questão, eles estão discutindo atitude do deputado Kim Kataguri, que também estava na bancada no fatídico dia da apologia nazista, com o aval do mesmo. Até valeria, mas hoje não. Hoje eu queria falar sobre o “direito de ser idiota”, que alimenta uma total irresponsabilidade sobre os nossos atos sociais.

Homer Simpson é um retrato caricato e divertido do homem branco americano há 33 temporadas. Ele não era o personagem principal na estreia do desenho, muito mais focado nas travessuras do filho Bart e seus descuidos juvenis, mas aos poucos foi puxando o protagonismo pra si. Falando sobre aspectos de narrativa dramática: é bem esperado que pessoas jovens cometam atos e possam ser inconsequentes, mas adultos deveriam já ter a consciência do que é certo e errado. Portanto, com Homer há mais linhas a serem cruzadas com a audiência – o que o torna um personagem bastante interessante.

Se você já viu e já riu com os Simpsons, você sabe que Homer é eternamente um bobalhão, que comete atos misóginos sem querer, que solta algo racista de vez em quando por acidente, que não se importa com os outros desde que ele se dê bem e fica muito chateado quando o contrário acontece, tudo nessa sátira de um comportamento excessivamente real dentro de uma sociedade. Mas ele sempre aprende a lição (pra fazer errado de novo no próximo episódio). Lembra aquele seu tio, super escroto, mas que já fez coisas muito fofas pra você? Como odiar essa pessoa por muito tempo?

The Simpsons, sátira criada por Matt Groening e sua equipe, deveria ser um retrato exagerado da ignorância de uma classe média americana na esperança que isso gerasse um positivo processo de catarse: veja que estúpido é isso e NÃO FAÇA na sua vida real, NÃO TENHA orgulho da sua ignorância, NÃO SEJA insensível com os sentimentos alheios, NÃO CULPE os outros de ignorância quando eles não entenderem o seu argumento equivocado. Esse costuma ser o objetivo da sátira. Qual é o perigo? É o de uma parcela dos espectadores não entenderem como sátira, mas sim enquanto homenagem a um certo comportamento.

O podcaster Monark sempre me lembrou a figura do Homer, especialmente em dois pontos: o orgulho ser idiota (palavras do próprio podcaster) e a revolta em não ter seu argumento respeitado quando alguém em seu programa ou nas redes sociais não aceitava a formulação racional deste orgulhoso idiota. A distinção é que quando Homer comete alguma estupidez nós temos a sua família pra segurar a onda ou, pelo menos, para apontar como uma pessoa descente reagiria a isso. No caso do nosso podcaster, nós temos (às vezes) uma pessoa (a entrevistada) apontando o quanto ele está sendo estúpido, mas há um mar de homers fãs concordando com qualquer coisa que ele fale. Afinal, não interessa as consequências da ignorância, só interessa o próximo episódio.

Ignorância tem consequências no mundo real. Opiniões misóginas repercutem em aumento de violência doméstica, opiniões racistas “legitimam” comportamentos ilegais. Se você duvida é só ver, em números factuais, quais são as curvas da violência cometida pelo cidadão médio em países comandados por homens Homer que tem orgulho de serem idiotas (EUA, durante o governo Trump; Brasil, durante o atual governo).

Homer é um desenho. Ele pode sofrer o que quiser que, no próximo episódio, ele volta novinho em folha. Todos em seu universo são assim e se beneficiam da possibilidade de “reset” a cada fim de episódio, pessoas que explodiram voltam inteiras na melhor tradição da violência inconsequente dos desenhos mais antigos. Os homers que habitam a nossa realidade não tem a mesma habilidade e nem as pessoas que vivem em seu universo. A sua estupidez pode afetar terrivelmente a vida, independente dele saber que isso é real ou não.

Esse texto é só pra dizer que, se você tem quatro horas da sua vida para lazer, prefira ver Simpsons! Veja uma equipe grande de artistas que se dedicou a cada pedaço do desenho com o intuito de que esses equívocos deixem de acontecer, ao invés de programa de podcaster que nem se preocupou de preparar coisas pra você. Sempre prefira o Homer do desenho. Os homers, da vida real, tem que ser apagados para que se desenhem coisa muito melhor em seu lugar.

Para ir além

Se você quiser ver o trecho em que Rogério Skylab conversa com Monark:

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