Paraná tem 6,5 mil perfis genéticos armazenados em banco de dados

DNAs podem ser usados em investigações criminais; Para a Defensoria Pública, a coleta configura violação de direitos fundamentais. Questão ainda será analisada pelo STF

A Polícia Científica do Paraná chegou a 6.558 perfis genéticos inseridos no Bando de Perfis Genéticos do Estado. Segundo o XV Relatório Semestral do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), o estado cadastrou 1.045 novas amostras em 2021. A Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG) foi criada em 2013 com o objetivo de armazenar, compartilhar amostras de DNA para auxiliar no processo de investigação criminal no país. Os dados são compartilhados entre os estados. São cerca de 136 mil amostras genéticas guardadas em todo o Brasil.  

As principais categorias de perfis genéticos são as de referência de pessoas desaparecidas, restos mortais não identificados, vestígios de locais de crimes e de condenados. Desde a implantação do sistema, o Paraná teve 147 coincidências confirmadas entre vestígios de crimes e 56 coincidências entre vestígios e indivíduos cadastrados criminalmente. Ao todo, foram 227 investigações auxiliadas – quando o banco de perfis genéticos adiciona valor ao processo investigativo.

Segundo o chefe de laboratório de DNA da Polícia Científica do Paraná, Marcelo Malaghini, a taxa de coincidência de perfis atualmente encontra-se na faixa dos 20%. O grau de confiabilidade de uma coincidência obtém-se em valores de razão de verossimilhança superiores a 10 milhões. Este valor exprime quantas vezes mais é provável determinado resultado, consequência do fato das amostras avaliadas possuírem uma fonte em comum ou serem procedentes de indivíduos diferentes.

Violação de direitos fundamentais

Para o Núcleo Especializado em Política Criminal e Execução Penal (NUPEP) da Defensoria Pública, a violação de direitos fundamentais na questão da coleta dos perfis genéticos é evidente, embora toda a questão esteja longe de ser simples.

“A autoincriminação é bem clara, não tem muita discussão. Impor obrigação do sujeito a gerar provas contra ele, é claro que é uma violação de garantia de direitos”, explica a defensora Andreza Lima, lembrando que o uso do Direito Penal no Brasil é historicamente violento e arbitrário.

Para a Defensoria Pública, a questão da coleta dos DNA de condenados acontece em duas fases distintas: fase de investigação e outra de execução penal. No campo da execução penal, a negação do condenado a ceder seu perfil genético pode configurar falta grave, conforme o parágrafo 8 do artigo 9 da Lei de Execução Penal que foi introduzido pelo pacote anti crime, o que gera consequências gravíssimas, como regressão de regime – muitas vezes mais prejudicial que a própria pena.

“Com o pacote anticrime, é perversa a previsão normativa que trata como falta grave a pessoa condenada se negar a entregar o material genético.”

Andreza Lima, defensora pública.

Além disso, a coleta de perfis genéticos pode ser interessante para a própria defesa da parte acusada de crime, como ferramenta.

A Defensoria Pública aguarda a julgamento da repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o controle de constitucionalidade. Temas como interesse público, não retrocesso – quando a Constituição foi elaborada não existia essa tecnologia e meios de provas, são esperadas no julgamento.

Repercussão

Para o criminalista Iuri Machado é importante que a sociedade entenda que a questão da identificação do perfil genético não é algo que surgiu com o Pacote Anticrime do Sérgio Moro, que se trata uma disposição existente desde 2012. Em 2016, o STF reconheceu a repercussão geral da questão, ou seja, entendeu a necessidade dos perfis para fins de investigação, mas ainda não decidiu sobre o tema.

Antes do pacote anticrime, somente os presos condenados por crimes hediondos eram obrigados a fornecer seus perfis genéticos. Hoje, todos os condenados por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, crime contra a vida, crime contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável são obrigados.

Em relação aos direitos fundamentais, como o da não auto incriminação, a doutrina brasileira diverge bastante e o STF ainda não tem posicionamento claro sobre o tema.

“O bafômetro, por exemplo, é uma prática exigida em todo o mundo. Se a pessoa se recusa a fazer, terá que responder por isso. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos já decidiu que as pessoas podem sim ser obrigadas a participar de atos probatórios que podem, ou não, vir a incriminá-las. Aqui no Brasil, não é obrigatório. Existem outras ferramentas para comprovar a embriaguez”, relata o criminalista.

Para Machado, o STF tem uma questão para enfrentar que vai além do direito à não auto incriminação, mas sobre outras questões como: quem são os obrigados a realizar a coleta? Qual o prazo para manutenção desses dados pelo estado?

“Quando o STF for decidir a questão da coleta do material genético, terá que dar limites e contornos. Como, por exemplo, configura falta grave a recusa do preso a participar da coleta?”

Com relação a questão do direito à intimidade, Machado, que já atuou por sete anos no sistema penitenciário, observa que a penitenciária não cumpre seu papel na ressocialização de presos, portanto o resguardo da intimidade dos detentos é extremamente limitado. “Os agentes podem entrar para revistar a hora que quiserem. O preso, atualmente, não tem expectativa nenhuma de intimidade. Então considero perda de tempo discutir essas questões que só trazem insegurança jurídica e que são facilmente contornadas”, argumenta o advogado.

Como funciona

O método de coleta da saliva do indivíduo permite que o DNA permaneça por até 20 anos armazenado em temperatura ambiente. No laboratório da Polícia Científica do Paraná, as informações são processadas e incluídas no Banco de Perfis Genéticos do Estado. A partir daí, um software é responsável por comparar amostras em buscas de coincidências, relacionando suspeitos a locais de crimes ou a outros crimes.

Dispositivo para coleta de material genético. Foto: SESP.

De quem são os perfis

Dos 6.558 perfis no Banco de Perfis Genéticos do Estado, 4.573 são de presos condenados, 1.582 de vestígios de crimes, 281 de familiares de pessoas desaparecidas, 107 restos mortais não identificados, 14 suspeitos, 12 pessoas com identidade desconhecida e 3 referências diretas de pessoa desaparecida.

Os presos condenados por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, crime contra a vida, crime contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, são submetidos obrigatoriamente à identificação de perfil genético no momento em que ingressam o sistema prisional.


Crimes sexuais em série

Um dos casos mais emblemáticos, em que o banco de perfis genéticos foi importante instrumento, ocorreu em maio de 2019. O sistema de comparação genética identificou um autor de crime sexuais em série. Entre os anos 2012 e 2015, mais de 50 mulheres foram violentadas no Mato Grosso, Rondônia, Amazonas e Goiás.

Os crimes ocorriam com intervalos e, por vezes, com mais de 2.000 km de distância entre eles, dificultando o trabalho das polícias estaduais. Em setembro de 2015, no estado de Rondônia, Célio Roberto Rodrigues foi preso após roubar e estuprar a secretária de um consultório de odontologia. Foi coletava a saliva do indivíduo e seu perfil foi adicionado ao banco de dados.

A partir desse momento, o DNA de Célio Rodrigues foi detectado como compatível com os perfis genéticos dos vestígios de 13 crimes em 4 estados brasileiros diferentes.

Pessoas desaparecidas

Em São José dos Campos (SP), em março de 2009, uma mulher desapareceu. A família e a polícia realizaram buscas ostensivas, mas não conseguiram localizar a idosa.

12 anos após o desaparecimento, durante a Campanha Nacional de Coleta de DNA de Familiares de Pessoas Desaparecidas, as duas filhas e um irmão da mulher desaparecida realizaram a coleta do material genético.

A partir da coleta, análise e cruzamento de dados, foi encontrado uma compatibilidade genética dos perfis com um corpo encontrado na cidade de Lavrinhas (SP), em agosto de 2009. Apesar do trágico final, a família encontrou respostas.

Caso resolvido 11 anos depois

Em Curitiba, um dos casos de crime sexual contra vulnerável mais brutais de sua história é o da menina Raquel. Seu assassino foi encontrado por meio do Banco de Perfis Genéticos 11 anos após o crime.

Em 2008, Raquel Genofre foi encontrada morta dentro de uma mala deixada na rodoferroviária de Curitiba. Havia sinais de abuso sexual no corpo da criança e não foi possível identificar o autor pois as câmeras do local, naquele momento, não estavam funcionando.

O autor do crime, Carlos Eduardo dos Santos, de 54 anos, cumpre a pena de 22 anos desde 2017, em um presídio em Sorocaba (SP).  Com o perfil genético incluído no banco de dados, o DNA de Carlos Eduardo foi correspondente ao material genético colhido em 2008 durante a investigação da morte de Raquel.

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