Gigante Campana – A sinfonia se agita na profundeza

A poeta Marianna Camargo se despede de Fabio Campana, morto pela Covid-19

Ainda sob a paralisia do acontecimento, tentarei escrever um pouco sobre Fabio Campana, uma pessoa que representou tantas coisas, e na minha vida, muito.

Conheci Fabio Campana quando estava em busca de trabalho, havia me formado em Jornalismo, em 2006, e bati, literalmente, em sua porta, com a audácia que nos é inerente na profissão, na redação da Revista Ideias.

Para minha surpresa ele me recebeu, conversamos, falei sobre minha vontade trabalhar ali e ele me incumbiu de uma missão: “Proponha uma pauta e depois disso veremos, menina”. Ali saiu uma reportagem de seis páginas na revista, sobre a cultura invisível, não mostrada na imprensa e produzida na periferia de Curitiba chamada “A novidade são os outros”. Fui contratada como repórter, fiquei por dois anos. Depois saí e fui fazer outras coisas. Passados três anos, ele me chamou para ser chefe de redação da Revista Ideias, onde fiquei por quatro anos.

Posso dizer que a convivência com o Fabio foi uma das experiências mais fantásticas na minha vida. Aprendi com sua exigência na escrita, com suas análises, reflexões e provocações que estimulavam meu modo de pensar, afiar o senso crítico. Com a liberdade de pensamento, com sua ousadia, de ir sempre além na visão de mundo.

Nos tornamos muito amigos. Ele descobriu que eu escrevia, me pediu para que enviasse a ele minhas poesias, algo que demorei muito a fazer. Quando tomei a decisão, ele me ligou e disse: “Precisamos publicar isso”. O projeto do livro “Irreversível” está pronto, ele coordenou tudo, fez o prefácio e íamos lançar este ano. Me disse um dia: “Um tigre identifica e conhece o outro tigre”. Nos identificamos, nos sabíamos, nos “lemos”.

Irreversível, meu amigo Fabio, será não poder mais conversar contigo quase todos os dias, ler o que você escreve, trocar livros e falar sobre literatura, poesia, música, dança, arte, política, assuntos que não terminavam nunca. Irreversível será o abandono, a certeza que estaria protegida de tudo enquanto você estivesse ao meu lado, porque este é o verdadeiro sentido de estar no mesmo front da batalha. Impossível pensar que os nossos planos ficaram suspensos.

Irreversível Fabio, será como escrevi em um trecho do prefácio de seu livro “A Árvore de Isaías”: “Essa é a minha maneira de reverenciá-lo por sua entrega, por seu amor pela palavra, pela sua honradez e respeito com as pessoas e com sua história.

Fábio escreve seus dramas, pesadelos, devaneios, amores, medos, suspiros, sabores, prazeres. Seus textos revelam mais que a mestria com as palavras, a perspicácia, o senso crítico, a inteligência. Fábio faz o que parece impossível, nos entrega com todo o afeto e toda a coragem outras possibilidades de ver, sentir, ser, ter. Fábio vai além.

Ler Fábio e tudo que o rodeia, que o cerca, acrescenta, questiona, faz rir, faz chorar, faz pensar. Suas crônicas são como tudo aquilo que desejamos saber e ainda não sabemos, são como sonhos dentro dos seus sonhos, são palavras que nunca foram ditas, são tempestades e delicadezas.

Ler Fábio é ouvir jazz, dançar tango, reger uma orquestra, ouvir a chuva, abrir a primavera. Ler Fábio em “A Arvore de Isaías” é o que Rimbaud previu visceralmente — como há de ser — “a sinfonia se agita na profundeza”.  E estamos salvos.”

Muito obrigada meu amigo.

Com carinho, amor e afeto.

Marianna Camargo

Sobre o/a autor/a

5 comentários em “Gigante Campana – A sinfonia se agita na profundeza”

  1. Geraldo Serathiuk

    Geraldo Serathiuk: Meu irmão Vitório estava no exílio, quando conheci Fabio Campana em Curitiba, lutando pelo seu retorno e por muitos de sua geração no movimento pela Anistia. Eram grandes amigos. Juntos lutamos pela volta do Vitório e de muitos exilados, e mantivemos uma longa amizade. Ontem juntos, Vitório e eu, fomos ao seu enterro para homenagear esta amizade e agradecer pelo que fez pelo nosso reencontro, mesmo depois de ter sido vítima de brutais seções de tortura. Um momento muito triste e de forte emoção para nós. Ao assistir o depoimento de Fabio para o DHPAZ, talvez se encontrem fortes ligações das sequelas físicas da tortura com a fatalidade. https://www.youtube.com/watch?v=8qDEXF2r6xg

  2. Maria Helena Silveira Maciel Malala

    Lindo Marianna. Vocês todos ” crias” do Fabio (se me permite) não podem parar. O coração está denso, mas vai amenizar e nós, leitores, precisamos de vocês. Meu abraço carinhoso nesta hora de dor.

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