Quem é pai ou mãe de criança em idade escolar já deve ter ouvido a pergunta: “Mas ele/ela tem laudo?” O laudo, no caso, é um documento elaborado por médico/a ou psicólogo que atribui à criança um diagnóstico: altas habilidades, transtorno opositor, transtorno do espectro autista, déficit de atenção ou qualquer uma da infinidade de diagnósticos do campo dos transtornos comportamentais e/ou cognitivos ou neurodivergências.
Ainda, se você é pai ou mãe de criança em idade escolar sabe que é provável que pouca ou nenhuma iniciativa em relação a dificuldades escolares de um estudante acontece sem o tal laudo. A exigência do laudo em escolas públicas e privadas é compreensível, uma vez que muitos dos distúrbios que são observados e reconhecidos hoje são de difícil diagnóstico – muitos notadamente por testes e análise de indicadores já que não há marcador genético ou outra forma de diagnóstico mais precisa – e precisam de atenção especializada.
Mas como muita coisa no campo da educação – e das relações humanas – a “guerra dos laudos”, assim como a maioria das guerras, acontece sem os envolvidos entenderem muito bem porque, contra quem e com qual objetivo estão lutando. Na teoria, por exemplo, pais e professores estão do mesmo lado – o da criança – mas frequentemente se vêem lutando uns contra os outros. Enquanto os pais muitas vezes acham que seus filhos não estão recebendo a atenção e atendimento adequados e podem (e nisso muitos pais têm razão) estar sendo empurrados para fora da escola, professores se vêem cada vez mais sobrecarregados e incapazes de dar conta de turmas de alunos extremamente diversas e desafiadoras sem saber muito bem a quem pedir ajuda.
Nessa terra arrasada de interesses diversos, as crianças circulam cada vez mais marcadas pelos rótulos que recebem. Mas será que laudos, exames e diagnósticos estão ajudando elas a serem melhor atendidas no ambiente escolar?
Para responder a essa relevante pergunta – talvez a pergunta mais importante no meio disso tudo – é preciso dar um passo atrás. Para que precisamos de laudos? É possível que você aí, leitor/a, tenha respondido mentalmente: “para saber o que a criança tem”. E a sua resposta está certa. Quero dizer, parcialmente.
Sim, nós queremos saber o que a criança “tem”. E isso inclui diagnósticos como o transtorno do espectro autista. Mas, na realidade, é mais do que isso. O objetivo do laudo – e antes dele – das avaliações neurológicas, comportamentais etc é identificar os déficits (e também aquelas áreas em que ela está à frente da média) da criança. E partir daí poder trabalhar para ajudar a criança a lidar com essas dificuldades.
Nesse sentido, o diagnóstico não é o principal. E sim a identificação daquilo no que a criança realmente vai precisar de intervenção. E a partir daí definir um plano dessa intervenção, o que pode – ou não – incluir a necessidade de um apoio escolar. Mas também muitas vezes implica em atendimento psicológico, acompanhamento médico, intervenção medicamentosa, terapias etc.
O laudo deveria ser um primeiro momento de estabelecimento de um plano que, de fato, ajude a criança a ser melhor integrada à escola e, no longo prazo, à sociedade da melhor forma possível. A partir daí as intervenções precisam fornecer à criança e à família ferramentas para lidar com os déficits com o objetivo de, se possível, superá-los ou conviver com eles.
Mas infelizmente o que vemos hoje é o laudo ser parte de um processo de batalha para os pais. Batalha para garantir o apoio escolar, para garantir atendimento e terapias. As famílias aí estão justamente na ponta mais fraca de uma corda frágil e tensionada tanto na educação quanto na saúde.
Sim, é importante diagnosticar crianças. Mas o diagnóstico em si não é o fim, mas sim o começo de um processo de inclusão, de oferecer a criança ferramentas para que ela conviva e supere eventuais dificuldades. Não um momento de colar um rótulo e condená-la a ser um problema. É essa percepção que deveria guiar as políticas públicas na área e o trabalho das famílias e profissionais da saúde e educação.
Oi. Li seu texto porque estamos vivendo no colégio um sistema de educação delivery, em que cada família quer um tipo de atendimento especial e vários profissionais se prestam a emitir laudos em troca de dinheiro. O assunto precisaria de mais atenção e exigir no mínimo que cada criança laudada presente o acompanhamento multidisciplinar que lhe cabe. O laudo virou muleta. Espero que ninguém se importe mais tarde dos médicos que irão se formar a partir de laudos falsos, forjados para promover um grupo de alunos que não se comprometem e não sabem lidar com frustração
É evidente que o diagnóstico não é um fim em si mesmo. Mas, o texto não é claro quanto ao que pretende ao afirmar o óbvio. O sistema escolar brasileiro, que tem, essencialmente, as mesmas características, desde as suas origens, baseia-se em uma violenta padronização das crianças. É esse sistema escolar que – com ou sem diagnóstico – vai rotular e condenar a ser um problema. As pessoas (no caso, as crianças) tem particularidades e estas precisam ser consideradas.
Lincoln, a questão levantada aí (e que merece ser ampliada) é que enquanto se discute se a escola precisa ou não colocar um apoio para auxiliar a criança, outras iniciativas importantes e necessárias são simplesmente ignoradas. Por exemplo: os CMAEEs não têm fonoaudiólogas, psicólogas, só pedagogas. Nem todas as crianças são encaminhadas para atendimento lá (que atendem só as crianças da rede municipal, portanto as crianças da rede privada são mantidas na rede privada inclusive nisso). Se há a necessidade de terapias específicas, elas devem ser prescritas e atendidas na rede de saúde, em um processo totalmente desconectado do processo educacional no qual ela está inserida. Sem falar no fato de que mesmo as crianças do ensino integral na prefeitura precisam ser retiradas da escola durante horário de aula para serem levadas até o CMAEE quando o ideal (e a lei) é que elas fossem atendidas no ambiente escolar.
Rosiane