De quem é a culpa da suspensão das obras do Sistema de Transmissão Gralha Azul?

É notória a incapacidade da empresa e do órgão ambiental licenciador de assumir os impactos socioambientais de grandes proporções que o empreendimento está causando e poderá causar ainda mais

Tem sido veiculado em jornais notícias que “grupos opositores isolados” são os culpados pela suspensão das obras do Sistema de Transmissão Gralha Azul. Contudo, é importante falar da Ação Civil Pública n.° 5050258-28.2020.404.7000, movida pelos ministérios públicos Estadual e Federal. Essa ação civil foi baseada em uma série de denúncias realizadas por pesquisadores e pesquisadoras vinculados a instituições públicas de ensino superior e instituições de pesquisa e proteção ambiental do Paraná.

Tais denúncias foram embasadas em extensas análises dos Estudos de Impactos Ambientais (EIAs) que a empresa apresentou ao Instituto Água e Terra (IAT). O resultado destas análises mostrou graves problemas nesses estudos, incluindo incompatibilidade com a legislação socioambiental, levantamentos incompletos, falta de estudos específicos, como é o caso dos estudos espeleológicos (sobre as cavernas da região), falta de atenção com áreas de campos nativos, incoerências na delimitação das áreas de influência do empreendimento, desatenção com as comunidades tradicionais, falta de atenção com as unidades de conservação e falta de cuidado com as propostas de traçados alternativos, por exemplo.

Mas mesmo com inúmeros e graves erros, o IAT aprovou os estudos ambientais apresentados pela empresa e liberou as licenças prévias e de instalação, e as obras começaram a ser realizadas. Após denúncias, a empresa chegou a apresentar estudos complementares, a exemplo dos levantamentos espeleológicos, mas de maneira incompleta, com pesquisas pontuais e desconsiderando orientações técnicas de órgãos competentes, como o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (ICMBio/Cecav), e descumprindo com o predisposto na legislação pertinente.

Trata-se de uma obra de mais de 2 bilhões de reais, centenas de quilômetros de linhas de transmissão, construção e ampliação de subestações de energia, que envolve dezenas de municípios do Paraná. Um empreendimento deste porte gera inúmeros impactos socioambientais, que devem ser analisados e tratados com muita atenção, tanto pela empresa como pelo órgão ambiental competente. Isso não aconteceu.

É notória a incapacidade da empresa e do órgão ambiental licenciador de assumir os impactos socioambientais de grandes proporções que o empreendimento está causando e poderá causar ainda mais. Questionamos a incapacidade do IAT de reconhecer os inúmeros erros crassos e lacunas presentes nos estudos ambientais e, mesmo assim, conceder as licenças ambientais. Questionamos, agora, o golpe baixo da empresa em ceifar os empregos de trabalhadores e trabalhadoras, durante uma pandemia, e ainda usá-los como meras ferramentas para pressionar a opinião pública e até mesmo o judiciário. Questionamos a empresa por jogar a responsabilidade sobre um grupo de pessoas interessadas no que é correto, no cumprimento da lei, no bom senso, no bem coletivo.

Mas então, de quem é a culpa da suspensão das obras do Sistema de Transmissão Gralha Azul? Esta é responsabilidade exclusiva do Instituto Água e Terra, por ter concedido licenças com base em estudos ambientais falhos, e da empresa, por não assumir sua responsabilidade socioambiental e acreditar que ações isoladas de filantropia ambiental irão reparar os danos causados por seu empreendimento ao meio ambiente e a toda a sociedade paranaense.

Recomendações do TC

O Tribunal de Contas do Paraná expediu 32 recomendações para que o Instituto Água e Terra (IAT), antigo IAP, aprimore seus procedimentos para instaurar autos de infração ambiental e emitir licenciamentos na área.

Agora, o IAT e a secretaria de Estado e Desenvolvimento Sustentável, pasta vinculada ao Instituto, devem apresentar, em até 60 dias, um plano de ação que contemple a implantação das medidas exigidas.

A recomendação foi expedida pelo TCE depois de uma auditoria feita entre os meses de abril e agosto deste ano. Na análise, os analistas de controle do Tribunal verificaram grande morosidade nos processos que envolvem a expedição e cobrança de multas ambientais e dúvidas relacionadas aos processos de concessão de licenças ambientais. O anúncio sobre as recomendações foi tornado público quarta-feira (16), no site do TCE.

Não é de hoje que o Paraná é destaque nacional em desrespeito com o patrimônio natural. Multas não aplicadas, não pagas e licenciamentos concedidos repletos de margens para dúvidas e questionamentos técnicos e legais são, infelizmente, uma constante nas gestões recentes do Estado. Além disso, o Paraná, por anos, figura como um dos campeões nacionais de desmatamento da Mata Atlântica e ecossistemas associados.

Nós alertamos isso todos os dias por qui. Em 60 dias, vamos procurar saber que tipo de atitudes o IAT tomou depois das recomendações para melhorias nos processos.

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