“Antes os ataques eram ao Sleeping Giants. Agora são à Mayara e ao Leonardo”

Casal por trás do Sleeping Giants Brasil fala sobre o fim do anonimato e sobre o caso Rodrigo Constantino

Mayara Stelle e Leonardo Carvalho de Leal tiveram de mudar tudo em suas vidas às pressas nos últimos dias. Os dois, que são alunos de Direito da UEPG, viram que suas identidades iam vazar e que gente perigosa ficaria sabendo que eles são os responsáveis pelo Sleeping Giants Brasil. Além de preparar a saída de Ponta Grossa, o casal teve que se preocupar com questões jurídicas e ainda lidar com um turbilhão de pedidos de entrevista, confusões na Internet, difamações e, claro, ameaças.

Nesta entrevista por e-mail ao Plural eles falam sobre seu trabalho, sobre o fim do anonimato e sobre o caso Rodrigo Constantino, que foi demitido de quase todos os veículos em que trabalhava depois de dizer que daria uma bronca em sua filha se ela chegasse em casa dizendo que tinha sido estuprada depois de beber.

Sair do anonimato expôs vocês a riscos. Era uma opção continuar anônimos? Vocês acham que a identidade de vocês ia vazar de qualquer forma?

Mayara – Fomos praticamente obrigados a vir a público. Os dados que permitiriam nos identificar foram entregues ao JCO (Jornal da Cidade Online) pelo Twitter a partir de uma decisão na Justiça, mesmo esta decisão tendo reconhecido que não há ilegalidade no que fazemos. Não tivemos outra escolha a não ser nos antecipar. O trabalho do Sleeping Giants é feito de forma anônima no mundo justamente por contrariar interesses poderosos. É assim nos Estados Unidos, onde surgiu, é assim nos outros países onde já foi replicado. Foi uma recomendação expressa do Matt Rivitz, co-fundador do perfil americano, quando nos descobriu nos primeiros dias. O que aconteceu aqui é inédito.

Leonardo – E é importante ressaltar que, embora o Brasil tenha essa peculiaridade de a Constituição vedar o anonimato, a pseudonímia é um direito protegido. Justamente para incentivar as pessoas a falar sem medo, como um mecanismo de proteção à vida mesmo. Se antes os ataques e ameaças — inclusive de morte — eram feitos ao Sleeping Giants Brasil, agora são feitos diretamente ao Leonardo e à Mayara, entende?

Aqui no Paraná, vocês tiveram uma campanha de desmonetização da Gazeta do Povo, em função do caso Rodrigo Constantino. Vocês sabem dizer os resultados da campanha?

Mayara – Não sabemos porque não são dados públicos, que possam ser consultados. Mas, antes de mais nada, não fizemos uma campanha contra a Gazeta do Povo. Talvez justamente por reconhecer sua história, o que tentamos expor ali foi se o discurso direcionado às mulheres de um de seus colunistas, o Rodrigo Constantino, no caso Mari Ferrer, estava de acordo com os valores do jornal. Como mulher, eu penso que nenhum veículo deveria estar de acordo. A Gazeta não pensou assim. E tudo bem, mas as empresas têm o direito de saber o posicionamento do colunista e do veículo assim como discordar e retirar seus anúncios por esse posicionamento.

Leonardo – Sobre resultados, o que estimamos como um todo, desde maio, é que mais de R$ 1,5 milhão deixou de ir para quem propaga fake news e discurso de ódio na Internet. Isso pegando arrecadações mensais interrompidas pelas plataformas ou venda bloqueada de cursos com conteúdo fraudulento pelos meios de pagamento. Lembrando que a decisão é sempre das empresas, que, nestes casos, reconheceram ter seus próprios Termos de Uso descumpridos.

A Gazeta do Povo reagiu fortemente contra vocês, dizendo que se tratava de milícias digitais. E criticava acima de tudo o anonimato do Sleeping Giants. Isso teve peso na decisão de vocês de revelarem seus nomes?

Leonardo – O que teve peso foi o Twitter entregar nossos dados, embora fosse triste ver a galera chamando a gente assim. Triste ver um jornal como a Gazeta do Povo abraçando essa bandeira, só porque a gente exerceu a nossa liberdade de expressão e o setor privado exerceu a liberdade econômica dele. Se pensar milícia como algo massivo, tem um número absurdo de robôs nas redes. E o Sleeping é feito por humanos, não robôs. São agora mais de 600 mil pessoas que apoiam (Twitter e Instagram), que tiram cinco minutos do dia, fazem print do que acham de anúncio, mandam para o perfil, cobram das empresas. É o contrário, a nossa luta é de Davi contra Golias.

A revelação dos nomes de vocês levou pessoas principalmente na direita a dizer que vocês não passariam de laranjas de alguém. Como vocês respondem a isso?

Mayara – Achamos ao mesmo tempo bem engraçado, pelas teorias que foram surgindo, e um pouco frustrante. Por que dois universitários de 22 anos do interior do Paraná não poderiam ser os administradores do perfil? Onde está escrito que não pode?… Não tínhamos a pretensão nem nunca imaginamos ser possível tomar a proporção que tomou, mas fomos nós que criamos. Inclusive, se tem alguém agora que sabe que fomos nós, é o JCO.

Leonardo – Desde o início, falaram que éramos o Felipe Neto, o Luciano Huck, o Amoedo… até o Alexandre de Moraes. E a história real é que eu e a May criamos o perfil às seis horas da manhã de 18 de maio, com um notebook quase sem bateria e um celular de tela trincada. Eu fazia Uber, estava com o carro batido, no conserto. A May vendia maquiagens e os salões de beleza estavam fechados. Queríamos fazer algo produtivo da quarentena. Vínhamos estudando sobre desinformação para o nosso TCC, cansados de ver as fake news invadindo nossas relações. Então, quando lemos naquela madrugada a matéria no El País, sobre as conquistas do Sleeping Giants, sentimos que era aquilo a se fazer. E fizemos.

Uma colunista da Gazeta, Madeleine Lacsko, acusa vocês de usarem os mesmos métodos da “milícia olavista”. E questiona se vocês já se perguntaram sobre os limites éticos do trabalho que fazem. O que vocês responderiam a ela?

Mayara – A gente se pergunta a todo momento. A Constituição garante a liberdade de expressão. E também diz que nenhuma pessoa pode ser discriminada por aquilo que é inerente a ela, como o seu gênero, a sua religião, a sua origem. O que pensamos é que a liberdade de expressão — que o Sleeping usa para marcar as empresas, por exemplo — não deveria ser usada como uma espécie de liberdade de ofensa. No caso em questão, tudo o que pensamos foi em ouvir mulheres colunistas do jornal sobre as falas do colega Rodrigo Constantino, assim como marcamos ela, marcamos também outras mulheres que trabalham na Gazeta. Não houve intenção de constrangimento, de ataque a ela. Se erramos nesses sete meses de Sleeping, e com certeza deve ter havido erros, pois somos humanos, este pode ter sido um.

Leonardo – Não defendemos boicote ou censura a pessoas, não incentivamos ou promovemos o cancelamento de pessoas. A gente é contra o financiamento das fake news e do discurso de ódio. Não de pessoas em si. Pelo simples fato de que fake news e ódio minam o diálogo, o bom jornalismo, a democracia em si. A publicidade relacionada a esses conteúdos, por meio da chamada mídia programática, é algo novo que precisa ser discutivo. Foi assim que surgiu o movimento nos Estados Unidos. Para acordar as empresas, gigantes, que estão adormecidas para isso.

No caso da Gazeta do Povo, eles estão usando as denúncias de vocês para construir uma narrativa nova, de que são perseguidos e não podem ser calados justamente por estarem enfrentando preconceitos e “discutindo o que não se discute”. O que vocês pensam disso?

Leonardo – Chegamos sempre com a proposta de dialogar. Não de acusar, não de calar. Mas não foi entendido dessa forma pela Gazeta. E é interessante dizer que recebemos uma carta de apoio assinada por 120 colaboradores do jornal. 

Vocês acreditam que existe uma conscientização dos anunciantes em relação à necessidade de repensar eticamente seus investimentos? E o que fazer com os mais renitentes?

Mayara – Nos surpreendeu a quantidade de respostas positivas das marcas logo no início. Mas conforme fomos vendo isso se repetir, com agradecimento e de forma frequente, entendemos a importância de apontar essa falha. Talvez as empresas nem soubessem que estavam, indiretamente, contribuindo para a indústria desinformativa. A maneira como a publicidade funciona no ambiente digital é difícil de compreender e de explicar. São algoritmos que decidem onde os milhões de anúncios vão parar. E estamos acordando para os problemas. É um debate novo, que precisa ser aprofundado. 

Leonardo – Para se ter uma ideia, temos uma taxa de 86% de respostas positivas das marcas com quem o perfil interagiu desde o início. São empresas, de pequenas a grandes, que nos responderam e prometeram tirar os anúncios dos sites apontados. Agora, com nossas identidades conhecidas, esperamos melhorar ainda mais o diálogo com as marcas e as plataformas.

Sobre o/a autor/a

5 comentários em ““Antes os ataques eram ao Sleeping Giants. Agora são à Mayara e ao Leonardo””

  1. Leonildo Andrade de Santana

    O compromisso com a verdade deveria ser um lema a ser seguido, a gazeta mostrou com esse episodio q de longe trata-se de um veiculo de comunicação comprometido com o bem comum.
    Alguns colunistas como o Alexandre Garcia, Constantino entre outros mostram seus valores nada ortodoxos com relação a suas ideologias alinhada a bolsonaro, mostrando assim a linha editorial deste jornal q se tornou um veículo podre e desagregante para a sociedade.
    Parabéns aos jovens Mayara e Luciano, que mostram q caráter é uma questão de escolha.

    1. Esse lixo, que eu me recuso a usar até para secar o xixi do meu cachorro, só pode existir em um lugar onde as pessoas não acreditam na ciência, onde não leem e sobretudo onde querem escolas militares pra fazer as crianças aprenderem respeito à ‘autoridade’ e disciplina ao invés de humanidades e ciência.

  2. Acredito fielmente na liberdade de expressão. Mas vejo com certa preocupação a postura que se toma ao atecar e ao ser atacado. Ao atacar, é exercido o direito de opinar, sem medir palavra ou prever consequências. Ao ser atacado, torna-se vítima de empresas ou indivíduos inescrupulosos. Quem ataca deveria saber que algum dia seria revidado. É assim que o ser humano vive. Seja isso bom ou ruii, é um fato. Mas o grande problema é quando quem ataca se sente cheio de direitos ilimitados, no entanto, quando é revidado, se posiciona como uma vítima injustiçada.
    Este nosso mundo moderno é realmente curioso.

    1. Atacar e defender são comportamentos regidos por regiões distintas do cérebro, e até os hormônios envolvidos são diferentes, então é óbvio que quem avança tem uma postura e visão de mundo diferente daquela de quem recua.
      Mas não é isso de que se trata aqui.
      Temos uma diferença enorme em relação às situações de conflito usuais. Trata-se da enorme desproporcionalidade entre os beligerantes.
      E essa assimetria é a marca registrada dos corajosos (e dos covardes).
      Só criaturas desprovidas de sistema límbico não percebem isso.
      É muito fácil atacar covardemente (e se defender) quando se tem muito mais poder do que o adversário.
      E sempre foi assim que as grandes corporações de mídia viveram, destruindo reputações e fabricando Mitos.
      Quando em um lado temos uma empresa multimilionária com uma matilha de advogados, e do outro um casal de de jovens idealista, podemos dispensar Nietzsche para identificar quem são os heróis nesta previsível tragédia.

  3. Li a reportagem do El País na época e fiquei pensando que deveríamos ter algo como o sleeping giant no Brasil. Nunca me passou pela cabeça iniciar um.
    Os dois estão de parabéns pela iniciativa, coragem e compromisso.
    Queria ser como eles!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima