Como funciona o Tribunal Penal Internacional e a sua relação com a pandemia no Brasil

As penas previstas são prisão por no máximo 30 anos, ou perpétua, caso a gravidade dos crimes a justifique, sem prejuízo da aplicação de penas previstas no direito interno dos países signatários por outros crimes

O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado, que investigou as ações e omissões do governo no combate à pandemia de Covid-19, sugeriu o indiciamento do presidente da República e de outras 79 pessoas físicas e jurídicas pelo possível cometimento de diversos crimes. Um dos delitos imputados a algumas dessas pessoas é o crime contra a humanidade, que possui fundamento legal no Direito Internacional.

Esse crime é previsto no Estatuto de Roma, documento que instituiu o Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado na cidade da Haia, nos Países Baixos. O tratado internacional, datado de 1998, assinado e reconhecido por mais de 120 países (dentre os quais o Afeganistão, mas não os EUA e a China), foi internalizado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 4.388/2002 e é de observância obrigatória por parte da República Federativa do Brasil; noutras palavras, o país se submete à jurisdição do Estatuto, inclusive quando se tratar de um nacional ou de chefe de Estado, mesmo em exercício.

Aplica-se o Estatuto de Roma aos crimes contra a humanidade, genocídio, de guerra e de agressão, cada qual sendo minuciosamente descrito no texto do tratado. Para que o Tribunal processe uma denúncia contra uma pessoa ou contra um Estado, é necessário que a procuradora do TPI, atualmente a jurista gambiana Fatou Bensouda, dê início às investigações por meio de denúncia de um Estado, do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou por iniciativa de ofício, após consultas iniciais a partes interessadas ou a vítimas.

No caso brasileiro, já há várias denúncias de organizações não-governamentais e de defesa dos direitos humanos, como a Comissão Arns, contra o atual presidente da República pela condução do país na pandemia de Covid-19. Entretanto, a sugestão de indiciamento para que a Polícia Federal e o MPF deem início à persecução penal traz elemento de maior gravidade à questão, uma vez que o art. 14 do Estatuto de Roma não especifica qual órgão estatal tem a titularidade da denúncia dos eventuais crimes contra a humanidade à Procuradora do TPI. Parece-nos razoável que o MPF tenha essa titularidade, sobretudo em relação ao PR, ainda mais quando as instâncias diplomáticas nacionais respondam política e hierarquicamente ao investigado.

Os crimes atribuídos ao presidente são os de extermínio (“a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população”), perseguição (“a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa”) e outros atos desumanos, conforme o art. 7º, 1. B, H e K e 2. B e G do Estatuto).

Caso a procuradora dê início ao processo, seja por meio de denúncia do MPF, seja de ofício, o processo é julgado pelos 18 juízes que compõem o tribunal, representativos dos principais sistemas jurídicos do mundo. Os princípios que regem o processo penal do TPI são basicamente os mesmos do Direito Penal Ocidental, tais como o da presunção de inocência, da não autoincriminação e da não retroatividade, da legalidade e do juiz natural, da proibição de tortura ou qualquer outro tipo de coação e de prisão arbitrária, da inquirição com auxílio de intérprete e de silêncio perante o Juízo, entre outros.

É possível a detenção do réu durante a fase instrutória do processo a fim de garantir o seu comparecimento ao tribunal ou de evitar obstrução ou risco ao inquérito ou à ação do tribunal, o que ocorre por meio de mandado expedido pelo juiz responsável pela instrução. Nesse caso e nos casos de decretação de prisão preventiva ou condenação, o país do qual o réu é nacional tem de entregá-lo obrigatoriamente: não se trata de uma extradição a outro país, mas de entrega ao TPI – o que exclui a proibição do art. 5º, LI, da Constituição Federal –, sob pena de ilícito internacional.

As penas previstas são prisão por no máximo 30 anos, ou perpétua, caso a gravidade dos crimes a justifique, sem prejuízo da aplicação de penas previstas no direito interno dos países signatários por outros crimes. Da decisão cabe recurso; o interesse processual é do réu/condenado e de seus filhos em caso de falecimento e do procurador.

A existência do Estatuto de Roma é um imenso avanço civilizatório. A humanidade assistiu às barbáries do século XX sem um tratado-quadro que pudesse dar a oportunidade de julgar os perpetradores desses atos: apenas tribunais ad-hoc o fizeram, como o Tribunal de Nuremberg, o Especial para a ex-Iugoslávia e o do genocídio de Ruanda. Atualmente, o TPI julga casos como o do ex-Presidente do Sudão, Omar al-Bashir (já preso) e o do ex-líder da guerrilha terrorista ugandense Joseph Kony, conhecido por recrutar crianças para guerra e de manter escravas sexuais em suas hostes. Caso Jair Bolsonaro seja indiciado pelo procurador do TPI, seria o primeiro caso das Américas a ser processado.

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2 comentários em “Como funciona o Tribunal Penal Internacional e a sua relação com a pandemia no Brasil”

  1. Que ótimo ter mencionado o Tribunal Penal Internacional.

    Aproveitem e mencionem também que três sobreviventes do Holocausto (Vera Sharav, Moshe Brown e Hillel Handler) escreveram uma carta aberta ao Tribunal Penal Internacional, em apoio a advogados europeus que abriram ações contra os governos de seus países por genocídio e crimes contra a humanidade por causa das MEDIDAS de “controle da pandemia” e da VACINAÇÃO.

    Faz poucos meses, um grupo de sobreviventes do Holocausto também mandou carta aberta às agências reguladoras de medicamentos da UE e do Reino Unido exigindo a CESSAÇÃO IMEDIATA do programa de vacinação e a divulgação transparente dos números de vítimas das vacinas.

    Mas esse tipo de coisa eu sei que vocês não vão mencionar, então menciono eu.

    Para provar que não estou inventando isso:

    https://theexpose.uk/2021/09/26/holocaust-survivors-dr-fleming-prof-motagnier-icc-genocide-crimes-against-humanity/
    https://theexpose.uk/2021/08/26/holocaust-survivors-send-open-letter-to-the-mhra-demanding-an-end-to-the-covid-19-vaccine-roll-out-because-they-are-seeing-another-holocaust-unfold-before-their-eyes/

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