A nova cara da Lei Rouanet: o Brasil fazendo as pazes com a cultura

Ao possibilitar amplo acesso e controle transparente sobre o uso dos recursos, a Lei Rouanet beneficia projetos culturais de diversos tamanhos, tipos e regiões, contribuindo diretamente para o desenvolvimento social e econômico do país e fortalecendo a democracia

A Lei Rouanet é um instrumento fundamental para garantir o direito constitucional à cultura, como previsto no artigo 215 da Constituição brasileira – como uma decorrência normativa dos direitos e garantias fundamentais. Ela é um mecanismo legislativo crucial que permite a integração entre a administração pública e a iniciativa privada para fomentar a produção cultural, garantindo emprego e renda aos profissionais do setor e acesso a bens e experiências culturais à população.

Criada em 1991, durante o período de redemocratização do país, a Lei Rouanet permite que pessoas físicas e jurídicas patrocinem projetos culturais por meio de dedução fiscal. Aprimorada constantemente, a Lei representa uma política pública fundamental para a economia criativa brasileira desde a sua criação, gerando milhares de empregos e movimentando bilhões de reais no setor cultural.

Segundo dados do Ministério da Cultura e da Fundação Getúlio Vargas, entre 1993 e 2018, foram captados mais de R$ 30 bilhões em recursos privados para projetos culturais aprovados pela Lei Rouanet, representando uma renúncia fiscal de R$ 17,7 bilhões pelo Estado brasileiro. Os projetos patrocinados geraram um retorno de R$ 49 bilhões à economia do país, indicando um importante superávit entre o gasto governamental indireto (por meio de renúncia fiscal) e os benefícios econômicos do mecanismo de incentivo promovido pela Lei. Além disso, mais de 60 mil projetos culturais foram realizados em todo o país, movimentando econômica e culturalmente as comunidades impactadas pelos projetos.

É importante destacar que a Lei Rouanet foi alvo de ataques injustificados e uma redução significativa de recursos e projetos durante os anos de 2019 e 2022 pelo Governo Federal. De acordo com dados do Portal da Transparência e do Sistema de Acesso às Leis de Incentivo à Cultura, durante esse período houve uma diminuição de 2/3 dos recursos destinados às produções culturais e um aumento significativo no tempo médio para análise dos projetos, passando de 39 para 116 dias em comparação com a gestão anterior. Houve também cortes em áreas estratégicas, como audiovisual e teatro.

É necessário ressaltar que os profissionais da cultura sofreram um forte impacto em suas atividades em razão da pandemia de COVID-19. A política adotada pelo Governo Federal, especialmente nos anos de 2021 e 2022, que restringiu as verbas destinadas à cultura, agravou ainda mais a situação, gerando uma demanda reprimida que requer atenção imediata. O momento exige um incentivo financeiro e fiscal para a cultura, em vez de arrocho nas verbas como se estabeleceu como política de governo na gestão Federal anterior.

Como forma de garantir o acesso à cultura, reconhecendo-a como um direito constitucional intimamente relacionado à educação e ao desenvolvimento humano, a instrumentalização adequada da Lei Rouanet é fundamental. Assim, com o intuito de aprimorar esse mecanismo, o atual Ministério da Cultura editou a Instrução Normativa MINC Nº 1 em 10/04/2023, que traz uma série de mudanças significativas para a execução de projetos culturais aprovados pela Lei.

Entre as principais alterações estão a inclusão de novas linguagens artísticas, o aumento de valores dos projetos, a descentralização dos recursos, a simplificação dos processos de análise e aprovação de projetos, a desburocratização e transparência na prestação de contas, a criação de um sistema de monitoramento e avaliação de resultados e um plano de acessibilidade e democratização.

É importante destacar que a regulamentação busca também enfrentar as críticas acerca da concentração dos recursos na região sudeste do país e a destinação a grandes produtoras e projetos milionários, incentivando especificamente projetos em regiões menos favorecidas e que atendam grupos vulneráveis.

Com efeito, a democratização do acesso à cultura é um compromisso do Estado e da sociedade, como preconiza a Constituição. No entanto, dados do IBGE apontam que apenas 18% dos brasileiros frequentam regularmente atividades culturais, o que revela a necessidade de se buscar formas de ampliar o acesso. Embora essa seja uma tarefa complexa que envolve mudanças culturais e políticas públicas mais amplas, a Instrução Normativa representa um passo importante na melhoria do mecanismo de incentivo cultural promovido pela Lei Rouanet.

A preocupação em realizar ações afirmativas para grupos vulneráveis, como mulheres, pessoas negras, povos indígenas, comunidades tradicionais, pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência, também é uma importante e essencial parte da Instrução Normativa. O objetivo é garantir que esses grupos tenham maior acesso aos recursos culturais do país e que suas histórias e culturas sejam valorizadas.

Além disso, a Instrução Normativa reafirma o conteúdo da Lei Rouanet ao estabelecer que os projetos financiados cumpram regras de acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida, idosos e pessoas com deficiência. Também é prevista uma destinação mínima de ingressos gratuitos e ingressos com preços reduzidos, sempre com o objetivo de democratizar o acesso à cultura.

Como dito, um sentido relevante destas mudanças é mitigar os impactos negativos da pandemia e da política governamental anterior, refratária à economia criativa. Para um setor que foi fortemente afetado pela redução na oferta de empregos e na arrecadação de recursos nos últimos anos, trata-se de medida essencial, ao mesmo tempo que impulsiona a valorização e democratização da cultura, atendendo às necessidades da classe artística e produtora cultural, bem como às necessidades de toda a sociedade.

A publicação da Instrução Normativa e o compromisso renovado com a finalidade da Lei Rouanet são de extrema importância para garantir o direito constitucional à cultura no Brasil. Ao possibilitar amplo acesso e controle transparente sobre o uso dos recursos, a Lei Rouanet beneficia projetos culturais de diversos tamanhos, tipos e regiões, contribuindo diretamente para o desenvolvimento social e econômico do país e fortalecendo a democracia.

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