Taxa de cesárea: só com informação uma decisão é livre

Criado em 2015, na Universidade Positivo, o projeto volta ao ar agora pelo Plural com informações de partos realizados em Curitiba de 2014 a 2017

O projeto Nascer Bem surgiu em 2015 com um único objetivo: promover o cumprimento da Resolução Normativa 368 da Agência Nacional de Saúde Suplementar. A resolução determinava a divulgação de taxas de cesária por hospitais, planos de saúde e médicos da saúde privada em todo país. A regra surgiu como forma de ajudar gestantes a ter melhor orientação durante o pré-natal sobre as vias de parto.

A premissa tanto do Nascer Bem quanto da ANS é que o acesso a informação é fundamental para que a paciente tome decisões embasadas. A ideia de divulgar números de partos realizados por médico, no entanto, encontrou na época bastante resistência da comunidade médica.

Em 2015, as informações do Nascer Bem foram obtidas por alunos de jornalismo da Universidade Positivo e davam conta de partos realizados em Curitiba em 2014 tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto na rede privada. Parte do banco de dados do projeto veio do próprio SUS, que forneceu uma lista de AIHs (Autorizações de Internação Hospitalar) emitidas na capital paranaense. É a partir das AIHs que os procedimentos médicos realizados o SUS são remunerados.

Muitos profissionais alegaram na época que os dados não representavam a realidade uma vez que há inúmeras razões para um profissional ter altas taxas de cesárea. Um ou uma obstetra pode atender preferencialmente gravidezes de alto risco que, nos disseram, têm mais chance de resultar em cesárea. A cesárea pode ser opção da própria paciente.

Na ocasião, assim como agora, é nosso entendimento que a divulgação dos dados em si não é deletéria para os profissionais de saúde (nem os planos e hospitais), mas parte importante do processo decisório das mulheres grávidas. Também entendemos que os dados não são a única informação usada nessa decisão. Mas ajuda a paciente a saber o que esperar de seu profissional.

O acesso a informações sobre a forma de nascer dos curitibanos é uma forma de melhorar a forma como as mulheres decidem a via de parto. Certamente toda mulher tem o direito de optar por uma cesárea, no entanto, como uma decisão pode ser livre sem ser informada? A liberdade está no quão bem informada é essa decisão, e as taxas de cesárea são parte fundamental da liberdade da mulher grávida.

O Ministério Público Federal de São Paulo, numa ação civil pública que exige que a ANS regulamente os serviços obstétricos ofertados por planos de saúde em todo país, indicou que uma das razões para as altas taxas de partos cesáreas no Brasil, especialmente na medicina privada, é que tanto o parto normal quanto as cesáreas eram (na ocasião do início da ação) remuneradas da mesma forma pelos planos. O parto, no entanto, demanda mais tempo do profissional, tornando a cesárea mais atraente.

A ação do MPF foi uma das ações que resultaram na resolução da ANS. Mas não só isso compõe o esforço para que o parto normal volte a protagonizar o nascimento dos brasileiros. Nos últimos anos houve movimentos que tentam melhorar a remuneração dos partos, bem como as opções das gestantes, o que inclui a possibilidade de ser auxiliada no parto por enfermeiras obstétricas.

Há também a necessidade de se reduzir os casos de violência obstétrica, quando a mulher grávida tem seus direitos violados num momento de extrema vulnerabilidade. Não há dados capazes de avaliar o quanto a possibilidade de uma agressão colocar mulheres no caminho de uma cesárea eletiva.

Ter acesso à informação torna a posição da mulher grávida mais assertiva em relação ao cuidado que recebe no pré-natal e no parto. Ter mulheres informadas no consultório, acreditamos, pode ajudar médicos a serem mais atentos e respeitosos aos desejos e anseios de suas pacientes.

De fato, profissionais com altas taxas de cesárea podem ter diversas razões para isto. Tais explicações podem ser exigidas dentro do consultório, na relação entre a mulher grávida e o profissional que a atende. Mas como a futura mãe poderá saber o que perguntar se há poucos dados públicos disponíveis sobre a atuação profissional do médico?

Os dados em si não dizem que um profissional ou estabelecimento é melhor que o outro. Mas indicam que, apesar da Organização Mundial de Saúde indicar que a taxa de cesária ideal deve ser, no máximo de 15%, em Curitiba os dados do Sistema de Informação de Nascidos Vivos (Sinasc) apontam que dos cerca de 35 mil nascimentos que aconteceram por ano na cidade, entre 2014 e 2017, em média 61,22% foram cesáreas.

Esse resultado considera tanto partos realizados pelo SUS quanto na medicina privada. Quando olhamos os dados das maternidades que atendem exclusivamente pacientes de planos privados, o índice passa dos 80%, muito mais do que preconiza a OMS.

Cinco anos após a primeira divulgação desses dados em Curitiba, o projeto Nascer Bem volta a funcionar, dessa vez dentro do Plural. Nas próximas quatro semanas o portal irá publicar um banco de dados completo, com informações sobre os partos realizados na capital, inclusive informações sobre números de partos feitos por cada médico da cidade.

Essa informações vão ajudar as mães a continuar a tomar decisões sobre seus corpos, seus filhos e sua via de parto. Mas principalmente esses dados vão garantir que se cumpra a lei e se respeite o direito de cada mulher de ter acesso a informações para exercer seu direito de livre escolha de verdade.

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