Quem é de Curitiba e não gosta de ir almoçar domingo em Santa Felicidade… bem, não é curitibano, certo? Em casa, a gente fala “vamos lá comer frangada e polentada” pelo menos uma vez por ano. Todo mundo conhece o esquema: é sentar e ter a mesa imediatamente invadida por pratos de polenta frita, maionese, salada com bacon e vinagre, frango de tudo que é jeito e massas, muitas massas.
Gostando ou não dos Madalossos da vida, tem um restaurante em Santa que é diferente dos vizinhos. Serve comida italiana, sim. Mas o Fellini tem um ingrediente que nenhum dos concorrentes têm: amor.
Muito amor. Em família.
O Fellini abriu as portas há 10 anos. Desde então, pai, mãe e dois filhos preparam uns pratos que são de comer rezando. Mesmo.
É comida caseira. Feita pelas mãos dos quatro – principalmente, as da dona Felicitá e do seu Claudinei. Os dois têm mais de 50 anos de casados e mais de 100 anos de cozinha somadas.
Ele é alemão do Alto da Glória. Em 1966, foi dançar um baile na “colónia” e conheceu a Princesa da Uva, que já vinha com Felicidade no nome. “Trabalhou em tudo que você possa imaginar, gandula de pino de boliche em 1956 até dono de box no antigo e primeiro Mercado Municipal”, conta Mariane Trog, a filha que cursou Comunicação, mas sempre trabalhou junto aos pais.
Dona Felicitá Trevizan Trog nasceu no dia da Santa e sempre cozinhou. E Marco Aurélio Trog “é o cara que smicia a polenta como eu nunca vi na vida, e olha que eu fui criada dentro da cozinha do Cascatinha, restaurante do meu nono Piero e do meu tio Neno”, comenta Mariane.
(Tradução 1: smicia é mexer com a mescola. Tradução 2: mescola é aquele fuê grandão da polenta. Tradução 3: fuê é… vocês sabem, né).
A comida
O Fellini tem dois cardápios. Um para o almoço durante a semana (esse eu nunca provei). O outro, para sábados e domingos. Minhas senhoras, meus senhores, e todo mundo: é para se esbaldar, pedir o quanto quiser – e, literalmente, lamber os dedos depois de comer a polenta frita e o frango à passarinho com folhas de sálvia fritinhas junto.
(Ainda tem: salada de escarola com bacon e vinagre de vinho caseiro, caldo de frango com arroz, macarrão com molho pesto, lasanha de queijo e presunto, lasanha de abobrinha com queijo da Serra da Canastra e uma sobremesa).
Ambos os cardápios são de autoria do casal; Mariane só mudou pouquinhas coisas, “mas sempre em consenso, porque a dona Felicitá e o seu Claudinei têm uma vontade infinita e incansável de aprender, uma coisa linda de se ver: a humildade de quem não parou no tempo”.
Esses tempos, um senhor achou caríssimo o italianinho. “39 reais? Muito caro, paguei porque já estava aqui mesmo”. Um menu degustação de 9 opções para comer à vontade: Oi?!
Mas têm os reclamões e tem – ainda bem – a freguesia fiel, que curte tudo e elogia. “E dá conselhos bacanas, e a conversa vai longe, gerando mais e melhores ideias. Mas não se engane! A gente vai sim lembrar, 6 horas depois, da água com limão espremido e gelo da mesa 4 que se perdeu na linha do Equador, porque realmente tava apurado aquela hora”, ri Mariane.
Risada na cozinha
De resto… é carinho, risada e causo na cozinha. “Desde 7 da manhã, quando estamos só nós quatro. E assim a comida tem esse tempero de boas energias que aparece na mordida da primeira polenta. Todo mundo aqui cozinha.”
Os temperos base e molhos clássicos são do pai, assim como a manipulação de toda proteína. A mãe faz os risotos (o caldinho de frango inigualável) e os pestos invejáveis. A filha faz as sobremesas, molhos “mais metidinhos”, algumas receitas novas e o ajuste final dos temperos. E Marco, como vocês já sabem, é quem cozinha a polenta.
“Se tem alguma receita secreta? O segredo do Fellini é resistência. Mas esse é o segredo de todo pequeno negócio familiar. Persistir com ternura e muita paciência. E todo dia tem algo fresco, novo e onírico: uma gravação de receita pra um canal de vídeos, um projeto de cooperativa com produtores locais que vão poder, finalmente, mostrar o seu produto aqui no Fellini ao menor custo possível, ou simplesmente uma pimenta que o pai está testando”, finaliza Mariane.
Ah – ela também é responsável pela decoração com folhas e plantas, que cata “por ali mesmo”, e pelos encontros culturais, toda segunda-feira à noite (ver no Facebook do Fellini).
“Daqui a vinte anos eu quero estar fazendo o que eu aprendi aqui mesmo na beira do Rio Uvu, onde eu nasci e fui criada: servir as pessoas e não ter nada além do meu nome; quando as ninfas do Ulisses já não te seduzem mais, porque a nossa cozinha, entre panelas e muita música, tem um universo inteiro, é porque você achou teu lugar no mundo, qualquer que seja ele.”
Para ir além
Restaurante Fellini – Avenida Manoel Ribas, 4.227. Tel (41) 3026 7300. De segunda a sexta-feira, aberto das 11h30 às 15h; sábado e domingo, das 11h30 às 16h. Abre para jantares em datas especiais. E às segundas-feiras para Fellinianos Encontros (reuniões sobre arte e cultura).
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Sobre o/a autor/a
Bia Moraes
Bia Moraes é jornalista desde 1990. Entre redações, assessorias de imprensa e incontáveis frilas, foi redatora, repórter, pauteira, colunista e editora, mas prefere ser conhecida como repórter fuçadora de lugares e pessoas.