o técnico tava descendo do poste quando cheguei.
– dia
– dia
– e daí, tem internet?
– deu sorte. é pra baixo do trilho que não tem
pelo google maps diz Cajuru mas, andando dentro do bairro, o que tem perto do terminal de ônibus a gente chama de Centenário. assim por cima tem mais casa do que prédio, mais árvore do que outdoor, mais mecânica do que concessionária e de noite menos, bem menos galera de rolê na rua. onde a gente tava morando ali no Centro, lá por terça quarta-feira começa o bololô: mesinha na calçada, sonzinho, tipo um carnaval onde ninguém se liga que a marcha é fúnebre. ou se liga e não tá nem aí, o que que eu sei. sei que bem cedinho levo a Dora passear e rola aquela sinfonia da cachorrada em portão. pessoal das casas sai nas janelas pra ver qual é, a gente se dá bom dia. agora pouco ela pegou a bola e veio pra cima: ameaçava pra esquerda, cortava pra direita e me driblava no quintal. deita no sofá lá pela meia-noite e, dormindo, mexe as patinhas como se tivesse correndo. enquanto penso de quem, pra onde, o trem passa cortando lá pros lados da Vila Trindade.
mudar faz bem mas manobrando geladeira em escada caracol fica difícil. o cara do frete tinha uns 40 e tantos, o ajudante uns 60. a gente precisou descer e subir o livreiro três vezes até sacar que a manha era sair com ele já de ponta-cabeça. pausa pra tomar água, o ajudante chegou na miúda:
– lá. pra onde. vocês tão indo. é o quê?
– casa dos. fundos. só descer do. caminhão. e já era
–
–
– semana passada piazão, achei que eu ia pra fita
– ?
– travou esse meu braço esquerdo tudo aqui ó, deu tremedeira, deu agora de novo
– respira aí pô, pega mais uma água
–
– tava pensando aqui parceiro
– hum
– deixa que eu faço a tua. ajuda a Fernanda aqui em cima que dois palito nóis fecha
– não isso aí não tem problema não tô bem já
nos últimos degraus das últimas viagens, ele se puxava pelo corrimão.
uma fita do fusca que sei lá se é bem como dizem é a de que geral curte. geral olha quando passa um? sim. mas às vezes é tipo uns olhar cabuloso em cima de umas boca nervosa que “falam” TIRA ESSA LATA VELHA DA RUA antes de ramparem as lombadas. com o que podia quebrar no caminhão, trouxe uns cinco fuscas de caixa e vaso de planta: o limoeiro em menos de uma semana já deu flor, as tristinhas curtiram a água da chuva. cuidar de planta é tipo amizade se pa. nem água de mais, nem atenção de menos.
os vinis pedi pra Bi cuidar porque pra vitrola tenho que achar conserto: a música vai girando, girando, mas aí do nada a rotação cai e parece a Xuxa falando ao contrário. Sérgio Sampaio, Elis Regina, Paulinho da Viola. guardando um por um na caixa, lembrei de quando colava em sebo mais barateza e ficava uma cara garimpando, espirrando, pensando que disco é tipo poema já que precisa alguém pra fazer funcionar. conheço a Bi tem papo de quinze anos e, assim por cima, lembro que já morou no Fazendinha, em Rio Branco do Sul, no Tingui, no Centro, no Alto da XV e num bairro chamado Vale dos Sonhos, no Pará. deixei com a Bi os vinis porque, de perto ou de longe, a gente sempre cuidou das histórias um do outro.
e é isso. agora tem a vistoria do ap antigo e brasil. imobiliária é osso. a sorte é que não tô sozinho.