Política nas escolas

O silêncio é o primeiro conteúdo escolar necessário, pois é no silêncio que a voz se propaga

Vejo com muitos bons olhos as manifestações dos jovens nas escolas, pois quebram vários paradigmas. O primeiro é o de que a escola deve ser neutra; o segundo é de que são os professores que doutrinam os alunos; o terceiro é a falácia de que não se deve debater Política na escola. Os jovens perceberam que precisam se expressar, precisam dizer no que acreditam ou acreditam acreditar e precisam fazer isso no espaço da escola e não do clube, do shopping ou no barzinho. Ninguém legitimou mais e melhor a necessidade de assumir o espaço escolar como um espaço de formação e expressão da cidadania como esses jovens com suas cores, bandeiras e gritos.

No entanto, como em todo ambiente democrático e formativo, cabe garantir que todas as vozes possam ser ouvidas. Os gregos já ensinaram isso, na primeira e ainda mais famosa experiência democrática da humanidade. O que caracterizou a democracia ateniense foi a isegoria, isto é, o direito a ser ouvido. E, como sabemos, essa é uma arte que exige formação, pois não é fácil ouvir o que não queremos ouvir ou ouvir algo diverso do que queremos dizer.

Sempre defendi que o silêncio é o primeiro conteúdo escolar necessário, desde os primeiros anos de escolarização, pois é no silêncio que a voz se propaga, e se todo mundo está falando, ou gritando, ninguém se ouve. O grito é o tom do autoritarismo, que só entende como resposta a obediência. E isso, é óbvio, não tem nada a ver com Democracia.

As escolas deveriam aproveitar esse momento tão propício e ampliar os espaços de ouvir, os tempos para ouvir, as oportunidades para ouvir. Ouvir a todos, todas as manifestações, todos os matizes de visão de mundo. E ouvir exaustivamente. Os conteúdos escolares precisam dividir, na grade curricular, espaço para essa nova conformação: os jovens querem falar. Por isso precisam aprender a ouvir.

Nós, adultos, precisamos colaborar com esse momento tão auspicioso, ensinando os jovens a ouvir, ensinando os jovens a perguntar, ensinando os jovens a debater, ensinando os jovens a respeitar a opinião contrária, ensinando os jovens a confrontar essas opiniões e ensinando os jovens a buscar convencer e quais os limites dessa busca. Assim completa-se o círculo capaz de tornar-se espiral de desenvolvimento de uma mentalidade democrática, o que, a julgar pelos gritos e manifestações recentes nas escolas, é o que todos os jovens desejam.

Lógico que posso estar equivocado e as manifestações não tenham tido esse tom nem essa intenção e que os jovens estejam apenas reproduzindo discursos autoritários de adultos próximos ou de lideranças admiradas. Mas, de qualquer forma, isso não importa. A oportunidade está criada. Como disse, não faz mais sentido dizer que os professores doutrinam nem de que escola não é lugar para discutir política. Os próprios jovens romperam essa barreira, superaram esse obstáculo e, como reza a pedagogia moderna, não podemos deixá-los frustrados na expectativa que criaram. Isso não é bom para a formação deles. Por isso, professores, gestores, demais alunos e alunas: é hora da Política na escola! É hora de discutir, apresentar propostas, analisar cenários, ler teóricos, ouvir, ouvir, ouvir, falar com respeito e cordialidade, aceitar as diferenças e repetir o jargão: nunca fora das quatro linhas.

Quem sabe assim nossas escolas tornem-se o que foram feitas para ser: um lugar de construção de conhecimento e cidadania, dentro do espírito do Estado Democrático de Direito, fundamentado no princípio da Dignidade humana, para todos os brasileiros e brasileiras. E quem sabe assim, no futuro, não vejamos mais tanta negação da Democracia, tantas manifestações autoritárias.

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