Nunca achei que a UFPR era pra mim, menina preta da periferia

Para mim, alguns lugares, mesmo públicos, pareciam pertencer só aos brancos e aos privilegiados

É engraçado pensar que existem tantos lugares que são meus, ou melhor, tantos lugares que posso conquistar, que posso ter acesso, mas que parecem tão distantes. Passei a vida achando que alguns lugares eram apenas para pessoas merecedoras – e eu não era uma delas. Só prodígios, privilegiados podiam entrar. Talvez eu achasse que não era merecedora de estar lá porque não vi ninguém alguém da minha realidade que tivesse entrado ali ou que pensasse que seria capaz.  

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Uma indicação, para me inscrever em um cursinho popular que preparava para o Enem e para vestibular da UFPR mudou tudo isso. Eu tinha várias frustrações por não conseguir estudar para o Enem e tinha o sentimento de estar perdida e de ser incapaz de entrar em qualquer universidade, pela mera falta de dinheiro.

Eu mal sabia que o cursinho seria surpreendente desde a matrícula – feita por coincidência num lugar em que eu não sabia que era possível entrar, a Mitra da Arquidiocese de Curitiba. Pode parecer uma coisa muito simples, mas para as pessoas que sempre estiveram perto de mim, ir num lugar desses era coisa para brancos. Primeiro porque eles, sim, tinham tempo para ir e fácil acesso. Para mim, espaços públicos não pareciam públicos nem de fácil acesso.

Desde a matrícula fiquei maravilhada pela presença e pelo protagonismo de mulheres pretas, com poderes fortes, professoras, mestrandas, líderes. Para uma menina preta isso é mais que incrível. Foi uma das poucas vezes em que, mesmo numa simples matrícula, eu me senti confortável como pessoa – elas estavam ali dando voz e poder para ‘quem tem o que falar e fazer’. Foi algo admirável. 

Durante minha ainda pequena vida acadêmica, eu não tive professoras que me representassem ou que trouxessem representatividade em sala de aula; e em minutos de apresentação eu me encantei, e aprendi e aquilo ressignificou coisas como a coletividade: saber que não estamos sozinhos e que podemos e devemos crescer juntos como pessoas, como seres humanos.

As nomenclaturas das turmas têm representatividade, têm história, como Marielle Franco e Carolina de Jesus. Nomes que têm uma história que poucos conhecem. A simples escolha de nomes com grandes significados, no contexto do Ubuntu, ganha um peso enorme para mim, já que se trata de inclusão de todos, e isso necessita de representações fortes, relevantes. 

A oportunidade de ver mulheres professoras, pretas, com mestrados e procurando ajudar os outros, além de evoluir, é super importante. Sentir isso de verdade é necessário, quebra o estereótipo de professores/educadores, muda a ideia criada por materiais com poucas mulheres.

Num momento bem decisivo, cansativo e estressante da vida, encontrar esse tipo de experiência dá para a jovem mulher (que teve sempre  que viver num padrão feito por pessoas que nem sequer tentam enxergar nossa vivência e ditam o que é certo e errado) é um ar que permite respirar leve de novo.

O cursinho pré vestibular UBUNTU tem como “lema” o próprio significado de Ubuntu: “Eu sou porque nós somos”. E é isso. Eles abriram as portas que estavam se fechando na minha vida, como enxergar que a UFPR deve ser uma opção, sim; que você não precisa necessariamente se matar de trabalhar para pagar uma particular. Temos constantemente o pensamento de “não tenho dinheiro e a pública é a única opção”, mas a partir disso vem o pensamento de incapacidade. Porque embora a universidade privada aparente ser mais acessível, não é bem assim; é preciso trabalhar muito para pagar uma particular, e isso pode ser mais difícil do que tentar a Federal. 

O Ubuntu dá duas aulas presenciais por mês na UFPR do Rebouças, e pela primeira vez pisei numa Universidade Federal. Talvez poucos tenham esse privilégio e por conta da coletividade e da esperança de algumas pessoas, vivenciei a sensação de pertencimento, pude pensar que o lugar também pode ser meu, que eu posso conquistar. que a UFPR pode ser sim a opção principal, que eu posso entrar lá. O estímulo de pisar na UFPR, junto com pessoas com quem você se identifica, e trocar ideias de uma forma boa e natural, não apenas falando o que os outros querem ouvir, trouxe a sensação de mais possibilidades de vida que é possível atingir.

Isso é tentar dar acesso a todos. Uma menina preta, que não acreditava que aquele lugar fosse para ela, mesmo sendo público, que estava desacreditando da sociedade como algo humanista e coletivo. 

A esperança de crer nas pessoas, nas ações, se tornaram relevantes de novo, e as possibilidades em que eu já nem acreditava renasceram da forma mais leve e boa possível.

Este texto é parte do projeto Periferias Plurais, que convida seis jovens de Curitiba e região a falarem sobre suas vidas e suas comunidades.

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