Na comunidade Barrocas crianças andam uma hora para ir à aula. E cadê o transporte?

Crianças e adolescentes enfrentam longas caminhadas para ir e voltar da escola, além do movimento de veículos e da falta de segurança

Este texto faz parte do projeto Periferias Plurais, em que o Plural convida jovens de Curitiba a falarem de suas vidas e de suas comunidades. O projeto tem apoio do escritório de advocacia Gasam

A comunidade Barrocas, no bairro Santa Cândida, precisa urgente de um sistema de transporte escolar gratuito para que crianças e adolescentes possam ir e voltar da escola. Estudantes caminham cerca de uma hora para se descolar até a escola mais próxima, além de terem que enfrentar o alto fluxo de veículos e a falta de segurança da região.

As pessoas que moram no local reivindicam o transporte escolar gratuito porque está previsto na legislação por meio de programas suplementares ao acesso à educação, e estão organizando as primeiras ações para que esse direito garantido realmente seja colocado em prática na comunidade.

As pessoas que residem na comunidade informam que o problema do transporte ocorre com estudantes da rede municipal e estadual, sendo que para a escola estadual o percurso é ainda mais longo. O problema se agrava com a falta de segurança, pois adolescentes retornam da escola quando já está anoitecendo. Também há o alto tráfego da região e aos arredores que, segundo informações, já resultou em acidentes com crianças.

Alice Mariano, doméstica e líder comunitária, reside há um ano na comunidade e destaca o perigo que meninas e meninos passam, pois precisam ir sozinhos até a escola, tendo que enfrentar ruas movimentadas, como a Fernando de Noronha, que é uma via rápida. Ela afirma que desde que começou a morar na região paga uma van para o deslocamento de seu neto, um valor de R$ 260 por mês, para não deixar uma criança de 9 anos passar por ruas de alto tráfego. “E agora vai ter outro, então vai para quinhentos e pouco porque o colégio é muito longe. Ele tem 9 anos, eu não posso mandar sozinho. E como eu trabalho também, o horário não bate para ir levar, ele estuda à tarde, aí a gente tem que pagar porque não tem um ônibus, não tem como conduzir”, diz.

A moradora informa que está organizando os primeiros trâmites para conseguir um ônibus que faça o transporte escolar. Ela afirma que vai enviar um ofício à Câmara de Vereadores e elaborar um abaixo-assinado com os moradores, para ver se consegue algum retorno. Sobre sua visão do dia a dia das crianças e adolescentes, Alice afirma que considera ser bem cansativo, pois a caminhada é longa, com subida e ruas ruins. “É uma hora andando, eu não sei falar por quilômetro, mas para eles andando é uma hora para ir e outra para voltar. Aí quem consegue, paga a van que na base mínima é uns RS 260. Ou o pai que está indo trabalhar leva, daí já é uma gasolina a mais, ou quem está em casa ou vai de bicicleta ou vai andando. Para eles terem que fazer esse sacrifício para estar indo estudar.”

O transporte particular compromete a renda familiar. Foto: Letícia Godoy

Essa carência de apoio suplementar para que as crianças possam ser transportadas com segurança às escolas já vem de anos na região. É o que confirma a dona de casa Andrieli Gasparin, residente na comunidade há décadas e que, quando era criança, enfrentava o mesmo problema. Ela informa que voltava do colégio quando já estava noite e que já foi assaltada por essa razão. Agora continua esse mesmo enfrentamento com os filhos, que vão e voltam da escola caminhando. “Eu tenho uma menininha de seis anos, eu levo de bicicleta para escola e vou buscar de bicicleta, e dá também esse tempo, mais ou menos 1 hora para ir”, conta Andrieli.

A moradora tem ainda uma filha e um filho, de 13 e 12 anos, respectivamente. Eles retornam juntos da escola e, nos dias em que a menina tem seis aulas, chegam em casa por volta das 19h, quando já está escuro. Percebe-se um problema que vem ocorrendo de geração a geração, o qual, não sendo resolvido, pode atingir seus netos e os de outras mães da comunidade.

Andrieli enfatiza que não tem como pagar uma van para os três filhos, sendo que também tem um menino de colo. “Não consigo pagar e não tem apoio da Prefeitura, por isso é bom um ônibus e uma lombada aqui na rua (Izidoro Wosch) pois já tive dois primos que foram atropelados”.

Direito garantido por Leis

De acordo com a Constituição Federal de 1988 (CF/88), a educação é um elemento essencial para a construção da cidadania. Dessa forma, segundo o Art. 205, é assegurado o direito de todas e todos à educação, sendo dever do Estado e da família promover a implementação. Além da Constituição, há outros documentos legais que regulamentam esse direito, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394/1996) -, que apresenta garantias a serem prestadas pelo Estado, incluindo o ensino fundamental gratuito e o atendimento para estudantes por meio de programas suplementares, incluindo o transporte com segurança (Art. 4º).

Outro instrumento de garantia de direito à educação é o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90) – por meio do qual o público infanto-juvenil é visto como sujeito de direitos, sendo dever de todas e todos garantir os seus direitos fundamentais. Além de reforçar os direitos constitucionais, o ECA institui outros direitos educacionais às crianças e adolescentes, como o acesso à escola pública gratuita próxima à sua residência (Art. 53). Assim, se não for possível garantir a escola próxima à residência, os governos precisam ofertar transporte escolar público e de qualidade.

No Paraná, essa garantia é de responsabilidade do Programa Estadual de Transporte Escolar – PETE (Lei Estadual nº 14.584/2004 e Resolução nº 777/2013 – GS/SEED) -, sendo o público-alvo estudantes da educação básica, da zona rural e urbana, que estejam matriculados na Rede Estadual de Educação. De acordo com o Programa, “têm direito ao transporte escolar público os alunos da Educação Básica, da zona rural e urbana, matriculados na Rede Estadual e que residam a uma distância igual ou superior a 2.000m das escolas em que estão matriculados, exceto os alunos com justificativa de risco no trajeto, dificuldade de locomoção ou outro”. Dessa forma, se verifica normas que devem ser imediatamente aplicadas pelo poder público, mas que não estão sendo cumpridas na Barrocas.

Adriana da Cruz, balconista, é outra mãe que está indignada com esse descaso. Também moradora de muitos anos na região, afirma que ela e suas irmãs passaram pelo mesmo processo de ir e voltar da escola a pé. Ela relata que na comunidade há muita dificuldade para pagar um meio de transporte particular e ressalta sobre o perigo de caminhar nas ruas por causa de assaltos e violências. Adriana e outras mães têm conhecimento de seus direitos: “E está previsto, né? No Estatuto inclusive, então também é um direito”, diz.

A moradora afirma que observa muitas mães reclamando, preocupadas porque, devido aos desdobramentos da pandemia, foi imposto mais uma aula diária, mas não há a preocupação com a distância e a situação para se deslocar às escolas. Adriana reclamou na instituição, pois afirma que não foi realizada nenhuma reunião com as pessoas responsáveis pelas crianças a fim de saber sobre a situação de cada família, já que muitas não têm como buscar seus filhos, porque estão trabalhando ou têm criança pequena em casa. Mas a resposta que recebeu da pedagoga foi a de que a sexta aula é obrigatória. “O governo quer que as crianças estudem, mas não veem a lonjura que eles têm que andar. Quando eu fiquei sabendo desta aula que resolveram aumentar, achei um absurdo! E eles não mandaram nenhum papel, não teve reunião, nada. Já foi visto um cara sem camisa andando atrás das meninas. Como que você vai trabalhar sabendo que teu filho está fazendo a última aula e está vindo embora de noite? Aí depois eles colocam nas mídias: ‘criança foi estuprada’. Mas será que muitas das vezes o governo não está permitindo isso daí acontecer também? Falam tanto em estupro e feminicídio, mas será que o governo também está fazendo a parte, se tantas leis que têm que ser cumpridas e não são?”, fala Adriana, com indignação.

Estudantes voltando da escola à noite: alvos fáceis de assaltos e violências. Foto: Letícia Godoy

Comunidade Barrocas

Situada no Bairro Santa Cândida, norte de Curitiba, tendo como rua principal a Izidoro Wosch, poucas pessoas ouviram falar da comunidade Barrocas. Escondida atrás dos elogios que costumeiramente aparecem sobre o bairro, como “sensação de acordar com os passarinhos”, “boa infraestrutura para as famílias” e “vários locais para divertimento e lazer”, a Barrocas carece de muitos direitos e de garantias de bem viver.

Moradoras e moradores relatam que, além da falta de transporte escolar, o local apresenta sérios problemas de falta de segurança e de um sistema viário que faça com que as pessoas possam transitar com tranquilidade. O alto tráfego das ruas principais próximas à comunidade não permite o divertimento das famílias e nem mesmo as crianças podem brincar nas ruas.

Melhorias estão sendo reivindicadas para que as pessoas que residem em Barrocas tenham seus direitos como cidadãs garantidos. Como prevê a Constituição, garantia de direito social fundamental, educação, saúde, trabalho, segurança, lazer, entre outros.

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