Erudição, generosidade e fina ironia: as marcas de Ana Maria de Oliveira Burmerster

Professora do Departamento de História da UFPR que marcou gerações de alunos faleceu neste primeiro de janeiro

A plaquinha com o nome de Ana Maria de Oliveira Burmerster na porta do gabinete poderia ser intimidadora para quem acabava de chegar ao sexto andar do D. Pedro I. A salinha, no complexo da Reitoria da UFPR, era o local de trabalho de uma das mais respeitadas historiadoras do estado, com uma bela carreira internacional e tempo de carreira suficiente para já ser professora dos atuais professores do Departamento de História da universidade. E, no entanto, os alunos logo descobriam que nada havia de intimidador. Em pouco tempo, a maior parte dos alunos já estava chamando a professora de Aninha.

“Foram muitas as vezes que ao final da aula buscávamos Ana Maria em seu gabinete para continuar a conversa da aula”, conta Patrícia Martins, aluna dela nos anos 1990. Segundo Patrícia, que hoje é professora de História no IFPR, Ana Maria se mostrava sempre “generosa, acolhedora e efusiva”. “Nunca vou esquecer que depois de uma aula sobre o maio de 68 francês (uma das aulas mais marcantes que a Ana ministrava) fui até ela em seu gabinete e saí de lá com um livro de Charles Fourier, passei dias degustando a obra e me encantando com aquele pensamento utópico”, conta Patrícia.

Talvez não fosse por acaso que Ana Maria desse tão bem a aula sobre maio de 1968: ela própria se formou em História na UFPR em 1968 e certamente viveu a ebulição estudantil que naquele momento tomou conta não só da França, mas de boa parte do Ocidente. Na Reitoria, onde ela passaria toda a sua vida acadêmica, alunos derrubavam estátuas e enfrentavam a cavalaria da ditadura militar. O pensamento utópico de Fourier, em certa medida, estava presente no cotidiano – ainda não era História.

Três anos depois, Ana Maria passou no concurso e começou a dar aulas na UFPR, ainda muito jovem. De início, seu trabalho se voltava para a demografia histórica, mas com o tempo ela passou a multiplicar seus interesses e se tornou pioneira em áreas onde o Brasil ainda tinha poucos estudiosos.

“A partir da década seguinte, passou a pesquisar, lecionar e orientar dissertações e teses nas áreas de historiografia e teoria e filosofia da história. Foi nesse campo, principalmente, que deu as contribuições mais relevantes e originais|, conta Clóvis Gruner, professor de História da UFPR que foi aluno de Ana Maria e que hoje é colunista do Plural.

“Em uma época, anos 1980-1990, em que, ao menos no Brasil, poucos profissionais investiam suas carreiras em campos ainda pouco explorados, caso da historiografia e da teoria da história, Aninha foi pioneira, tendo defendido, em 1995, sua tese de titularidade em Teoria da História no Departamento de História da UFPR, tese depois publicada em livro e ainda hoje referência nos estudos sobre a escrita da história do Brasil na virada dos anos 60 para a década de 1970”, diz ele.

Isso, conta Gruner, incluía descobrir autores que hoje são vistos como fundamentais. “Era uma leitura apaixonada de autores também ainda pouco explorados naquele contexto, tais como Norbert Elias, Hannah Arendt, Michel Foucault e, seu preferido, o alemão Walter Benjamin. São, todos, autores hoje amplamente lidos, mas que Aninha ajudou a difundir nos anos de 80 e 90, principalmente em suas aulas”, diz ele.

Patrícia Martins conta que Ana Maria também foi fundamental na acolhida de uma nova geração de alunos que passou a frequentar a universidade. “Fui aluna da professora Ana Maria em meados da década de 1990, num momento onde a universidade era um lugar marcadamente masculino, branco e heteronormativo. Eu, uma jovem negra da periferia de Curitiba, por vezes me sentia completamente fora de lugar. Frequentar as aulas da Ana desde o início da graduação, foi fundamental para perceber que a academia poderia e deveria ser espaço de evidenciamento das diferenças”, diz ela.

As aulas de Ana Maria eram, além de acolhedoras e densas, conhecidas como verdadeiras performances. Quem viu diz que as explicações sobre a história e a historiografia se transformavam em genuínos espetáculos, marcados por um lado pela erudição e por outro lado pela mordacidade, por uma fina ironia que era vista como uma das principais marcas da professora.

Sua morte, neste primeiro de janeiro, foi lamentada oficialmente pela UFPR e também em uma nota pessoal do Reitor Ricardo Marcelo Fonseca, que foi aluno dela. “Aquela geração de alunos do curso de História da qual fiz parte foi imensamente impactada por ela. Espírito crítico, com uma pitada de mordacidade e ironia, uma fala clara e erudita e uma didática envolvente eram suas receitas. (…) Ela vai fazer falta”, escreveu ele.

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