Para garantir verba, artistas passam dias e noites em fila na Fundação Cultural

Artistas e produtores aprovados no edital do mecenato que conseguiram empresas como incentivadoras ainda enfrentam fila para realizar projetos

Para conseguir a verba de projetos aprovados no edital do Mecenato Subsidiado de Curitiba, artistas, produtores culturais e captadores de recursos enfrentam fila desde a última terça-feira (2), no pátio do Prédio da Lei de Incentivo. A espera, enfrentando até garoa durante à noite, é para garantir uma das senhas da Fundação Cultural de Curitiba (FCC) para protocolar a captação de recursos das propostas. Neste ano, o início da distribuição dos números foi marcado para às 9h desta quinta-feira (4).

A situação não é novidade, se repete há anos. Após longa espera, sai o resultado do edital com a lista dos aprovados, os melhores conforme julgamento de pareceristas da comissão do mecenato, depois ainda é preciso ganhar o voto de confiança de uma empresa privada que vai incentivar a proposta por renúncia fiscal de ISS ou IPTU. A via-sacra ainda passa pelo protocolo da captação de recursos, com número limitado à verba prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA) do município. A disputa pelo dinheiro aumenta porque projetos do edital anterior ainda podem ser captados neste ano. Ou seja, aprovar o projeto não garante a execução.

É ruim e já foi pior

Do ano passado para cá houve alguma melhora nesse cenário, conforme conta a artista e produtora Mara Fontoura, da Cântaro Arte e Cultura. Ela estava no local sob a garoa da noite de quarta-feira (3), mas o lugar na fila foi garantido por uma colega que chegou lá pela manhã, após descobrir que já haviam produtores ali desde o dia anterior. 

“Há três anos, ficamos na fila na rua com os portões fechados, sem banheiro, sem água e sem segurança; nós montamos barracas e foi bem caótico, íamos revezando para poder ir ao banheiro em casa. Do ano passado para cá, a Fundação montou uma estrutura com tenda, tem água e dá para usar os banheiros”, explica Mara e complementa: “É muito humilhante.”

A organização da fila é feita pela própria classe artística, segundo o produtor e captador de recursos Fernando de Meira. Os primeiros que chegam dão senhas informais para os próximos, para garantir a ordem no dia da distribuição oficial da FCC. Por volta das 8h desta quinta, eram mais de 30 pessoas na fila, cada um pode protocolar até três projetos. 

Sistema arcaico

O que a classe artística questiona é por que o sistema ainda é tão arcaico, com distribuição de senhas por ordem de chegada para referendar o incentivo. “Esse processo por fila é idiota, porque você tem muitas formas de comunicação, organização e equipamentos que podem ser utilizados para dinamizar o processo; é um modelo muito retrógrado”, diz Meira. Apesar de não ver sentido em ir para ali com dias de antecedência, a cada ano o produtor vai mais cedo esperar a senha, neste ano chegou às 10h30 de quarta-feira (2). A motivação é a responsabilidade assumida com os artistas, “em anos anteriores, todos os projetos na fila foram protocolados, mas não se pode correr risco quando você faz a captação de um projeto”.

Segundo o presidente do Sindicato de Artistas e Técnica em Espetáculos de Diversões do Paraná (SATED/PR), Adriano Esturilho, o sistema já foi pior. Por reivindicação dos artistas, hoje existe o limite de três protocolos por senha, anteriormente os recursos esgotavam quando os primeiros na fila chegavam com vários projetos, mas o problema persiste porque existem mais projetos aprovados do que verba disponível, chega a sobrar potencial de incentivo das empresas privadas. Essa diferença foi muito maior e vem diminuindo em resposta a pedido da entidade e do Conselho de Cultura, mas com uma metodologia polêmica: o número de projetos aprovados diminuiu significativamente. Contudo, explica Esturilho, ainda existe fila porque foram muitos anos de desequilíbrio grande nos números. 

“Na ‘cidade mais inteligente do mundo’, não é possível que a Fundação Cultural não consiga pensar algo melhor do que receber os pedidos para referendar o incentivo por ordem de chegada, como fazer esse cadastro eletronicamente ou com outro sistema”, afirma o presidente do sindicato. Empresas que estavam dispostas a incentivar projetos já desistiram de apoiar a cultura local quando representantes não conseguiram o protocolo.

Solução efetiva

Conforme avaliação do sindicato, a situação só será resolvida com o aumento do recurso direcionado no orçamento municipal para o mecenato, principalmente frente ao aumento da produção cultural da cidade. Para essa conclusão, a análise parte da realidade do último ano da gestão do prefeito Gustavo Fruet [2016], quando o recurso destinado para o mecenato era em torno de R$ 12,8 milhões. Aos poucos a cifra foi subindo para R$ 13,5 milhões, e na LOA 2024, está em R$ 14 milhões, o que não cobre nem a inflação desse período. 

“A gente não teve a reposição nem para continuar no mesmo patamar”, explica ele ao dizer que o teto de orçamento hoje é praticamente o dobro do de 2016, enquanto a verba total destinada ao edital não tem correção significativa, resultando em defasagem no sistema. Segundo estudos apresentados pela entidade à prefeitura há aproximadamente dois anos, hoje seriam necessários cerca de R$ 22 milhões para fazer a correção no mecenato e evitar a fila. O reajuste vem sendo solicitado pelo Sated/PR e outras entidades para o prefeito Rafael Greca (PSD), sem sucesso. Esturilho finaliza afirmando que: “Cidade inteligente é aquela que investe progressivamente em cultura”.

O que diz a Fundação Cultural de Curitiba

Como resposta ao questionamento sobre por que o sistema de protocolo de captação do mecenato ainda acontece por distribuição de senhas presenciais, a FCC enviou a seguinte nota ao Plural:

“A Fundação Cultural de Curitiba informa que, com a aprovação pela Câmara Municipal de Curitiba da revisão da Lei Complementar nº 57 (Lei Municipal de Incentivo à Cultura – Mecenato Subsidiado e Fundo Municipal da Cultura), sancionada pelo prefeito Rafael Greca no mês de dezembro, optou-se por não alterar este ano o formato de captação de recursos. 

Com a alteração da lei serão necessários ajustes e readequações no sistema Sisprofice para o exercício de 2025. Visando não dificultar os procedimentos para a classe artística, que depois teria que se adaptar a um novo formato devido à mudança na legislação, optou-se por manter as práticas adotadas no exercício de 2023.”

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