“Vou ter que dormir na rua de novo?” Omissão da FAS prorroga drama de indígenas em Curitiba

Diálogo mediado pelo Observatório de Direitos Humanos do TJPR teve que ser encerrado por falta de posicionamento da FAS

A reunião convocada nesta quinta-feira (16) pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) para debater a situação de vulnerabilidade das famílias indígenas que vêm a Curitiba vender artesanato terminou sem solução. Após cinco horas de discussão, o encontro foi encerrado pela ausência de resposta da Fundação de Ação Social (FAS), responsável pela gestão da Casa de Passagem Indígena (CAPAI), e as famílias continuarão desabrigadas.

“Uma das crianças que estava lá olhou para mim e falou: ‘tia, então eu vou ter que dormir na rua de novo hoje?’ Confesso que aquilo acabou comigo”, relata a juíza Fabiane Pieruccini, que intermediou a reunião junto ao Observatório de Direitos Humanos, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR). “Foi bastante frustrante. Os indígenas deram várias alternativas de solução e a equipe da FAS, que estava online, não tinha autonomia para prosseguir.”

De acordo com a magistrada, o encontro, apesar de ter ocorrido no TJPR, não tinha caráter processual. Isso significa que o Tribunal tinha o objetivo de mediar um diálogo na tentativa de solucionar o conflito antes de recorrer a medidas judiciais, o que no entanto se transformou em uma ação árdua. 

Após a fala das lideranças indígenas, que fizeram pedidos bastante singelos na opinião da juíza – como um local com chuveiro que fosse relativamente próximo ao centro de Curitiba (por conta da venda de artesanato) e a não segregação dos núcleos familiares – foi aberto o momento para as considerações da FAS. “Eram duas representantes, porque o presidente não compareceu. Como não teve esse retorno da FAS que compareceu sem ter uma pessoa com qualquer tipo de autonomia na deliberação, eu precisei encerrar a mesa. A gente não teve o prosseguimento por falta de diálogo”, pontua Fabiane.

Para Jovina Renh-Ga, liderança Kaingang e vice-presidente do Conselho Nacional de Mulheres Indígenas (CONAMI), a reunião foi mais uma “enrolação” por parte do governo municipal, que nada faz para tentar solucionar a questão. “Foi muito triste, não tivemos resposta de ninguém. Agora a gente vai mostrar para eles [governos municipal e estadual] que a gente é capaz, sim. Vamos mostrar a nossa sabedoria, que também somos trabalhadoras e trabalhadores. Somos povos originários e a gente está sempre sofrendo preconceito pelos próprios governantes. O Paraná é indígena, Curitiba é indígena e nós sempre vamos estar aqui.”

Foto: Mandato Deputado Goura

Frustração e desrespeito

Além das entidades e lideranças indígenas, representantes políticos do Paraná também estiveram presentes na reunião. O deputado Goura (PDT) explica que o objetivo do encontro era mobilizar uma ação emergencial às famílias indígenas que se encontram em situação de rua na capital. “O que a gente queria agora não era discutir uma perspectiva definitiva. É agora, as pessoas estão aqui, as crianças estão com fome, não tem um banheiro para usar. Isso no meio do Natal de Luz do prefeito”, afirma.

“Foi um tremendo desrespeito da prefeitura, um absurdo. Todo mundo saiu com sentimento de revolta, de frustração, porque está clara uma postura da prefeitura de lavar as mãos e que não pode fazer nada, o que é uma mentira.”

Segundo o parlamentar, a ideia da FAS era separar em dois abrigos mulheres com crianças dos homens. O problema é que, além de segregar as famílias, a casa que abrigaria as mães e os filhos só teria espaço para 20 pessoas.

Uma das propostas sugeridas na reunião, acatada por todos os presentes, foi a de abrigar as famílias em um hotel social exclusivo para elas. Lá, os indígenas permaneceriam pelos próximos três meses e durante esse tempo, seriam discutidas soluções permanentes para a situação. “A reunião ficou inconclusiva, na expectativa desse retorno da prefeitura. A gente precisa disso com urgência”, diz Goura.

Assim como outras autoridades, a vereadora Carol Dartora (PT) também manifestou sua indignação pelas redes sociais. “Isso é um descaso, é um absurdo. Mais uma vez a prefeitura de Curitiba demonstrando o quanto é higienista, o quanto não está nem aí para a vida das pessoas. Prefeito Rafael Greca, tem crianças e mulheres grávidas na chuva, no frio, sem comida, sem banheiro. O que a sua gestão está fazendo com os povos indígenas é desumano, é cruel.”

Procurada pelo Plural, a FAS informou que o atendimento acontecerá apenas neste formato: mulheres com crianças serão atendidas na unidade Capão da Imbuia, enquanto os homens serão acolhidos no Hotel Social Tabaj, no Jardim Botânico.

Também participaram da reunião representantes do Poder Judiciário do Paraná, como juízes, desembargadores e promotores de Justiça, representantes do Ministério Público do Paraná (MPPR), da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), da Defensoria Pública, do Conselho Permanente dos Direitos Humanos do Estado do Paraná (COPED), da Superintendência de Diálogo e Interação Social do Paraná (Sudis-PR) e da Secretaria Estadual da Justiça, Família e Trabalho (SEFUJ). De forma remota, também estavam presentes representantes do Ministério Público Federal (MPF).

Cobrança antiga

A chegada de famílias indígenas a Curitiba não é novidade. Tanto é que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em uma publicação que repudia a ação da prefeitura de Curitiba, ressalta que a transição periódica das famílias, além de ser uma fonte de renda, faz parte da cosmologia dos povos originários.

Sendo assim, as cobranças para reabertura da Casa de Passagem Indígena são antigas e constantes. Em agosto deste ano, uma reunião com a Sudis-PR e representantes políticos do estado já havia sido convocada para discutir a reativação da Casa. Na época, a prefeitura de Curitiba informou que não conseguiria manter a instalação, sendo necessária uma ação por parte do estado. A ideia, naquele momento, era discutir uma solução definitiva: ter esse espaço cultural e de acolhimento para os povos, mas nada foi feito até o momento.

Doações

Sem uma posição efetiva da FAS e enquanto não há um local adequado para as famílias indígenas permanecerem, elas continuam dependendo da ação de voluntários e entidades que vêm se mobilizando para ajudar com a doação de alimentos, água e outros itens.

Àqueles que puderem ajudar, Jovina Renh-Ga faz um pedido: leve mantimentos, compre os artesanatos e cobre o governo municipal para que reativem a Casa de Passagem o quanto antes.  

Reportagem sob orientação de João Frey

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4 comentários em ““Vou ter que dormir na rua de novo?” Omissão da FAS prorroga drama de indígenas em Curitiba”

  1. Roseles de S. Barbalho

    Será q o prefeito consegue ajudar tds brasileiros vulneráveis q vêm trabalhar aqui? Dando casa, moradia, alimentos? Se ajudar um terá q fazer ajudar outros; será q impostos d trabalhadores curitibanos da pra tds? Certo é pedir pra ONGS e pessoas voluntárias desta causa.

  2. Maria Cecília, obrigada pela reportagem. Você tem alguma informação sobre quais entidades se organizaram para ajudar? Ou é melhor irmos diretamente até os grupos, pela cidade?

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