A velocidade de transmissão da Covid-19 em Curitiba está numa trajetória de queda desde 16 de novembro. O índice, que mede quantas pessoas são infectadas a partir de um único caso, ajuda prever se haverá aumento ou redução no número de casos nas próximas semanas. A queda nesse indicador é uma boa notícia, mas os especialistas ouvidos pelo Plural dizem que o alívio da situação da cidade ainda deve demorar.
O índice, normalmente chamado de R0 – R zero – ou número básico de reprodução, é estipulado a partir do estudo de quantas pessoas são contaminadas a partir de um único caso. “É um indice que busca medir qual é o grau de infecção por uma doença”, explica Wagner Hugo Bonat, diretor do Programa de Data Science e Big Data e membro do Laboratório de Estatística e Geoinformação da UFPR (LEG).
É o LEG que calcula para o Governo do Paraná os índices de R para todo estado. Segundos os cálculos do núcleo, entre 11 e 19 de novembro a cidade chegou a um pico com o R em 1,25. A partir daí o valor do indicador só caiu. Em 17 de dezembro o índice chegou a 0,83, abaixo, portanto, de 1, indicando uma retração na contaminação.
Mas não é tão simples assim. “É preciso esperar ao menos duas semanas com valores de Rt consistentemente abaixo de 1 (valor e seu intervalo de credibilidade). Essas duas semanas tem a ver com o tempo que em geral leva para que um infectado hoje para de infectar outros”, explica Flavia Darcy Marquitti, do Observatório Covid-19 BR.
Ocorre que, considerando o intervalo de confiança, o R curitibano está há menos de 14 dias com o intervalo de confiança abaixo de 1. E ele deve atingir esse marco justamente no Natal, quando – tudo indica – os índices de mobilidade e aglomerações deverão aumentar, arrastando o R de volta para cima.
Se compararmos a trajetória de R na cidade com os índices de mobilidade (segundo o Google), é possível observar uma relação. Os dados relativos ao transporte coletivo mostram uma retração na concentração de pessoas nesses locais.
Ou seja, se a redução na concentração de pessoas se mantivesse, talvez o R continuasse a trajetória de queda e a cidade poderia pensar em ter um respiro. Mas como se pode ver pelo número de leitos exclusivos Covid-19 ocupados na capital, a pressão sobre o sistema de saúde continua.
Cálculos diferentes
Idealmente, o valor de R0 de qualquer doença seria calculado a partir do rastreamento de todos os casos com origem em um transmissor. Dessa forma o índice seria calculado pela razão entre o número de casos atuais no período considerado (últimos sete dias, por exemplo) e o número de casos do período anterior (sete dias anteriores).
“Se o número de casos hoje for o dobro do de ontem, este número reprodutivo será 2. Se o número de casos hoje for metade do de ontem, o valor do número reprodutivo será 0,5. E se o número de novas infecções hoje é exatamente o mesmo número de ontem, então o valor de R será 1”, explica Marquitti.
A metodologia de cálculo varia. O que justifica a diferença de valores para um mesmo indicador. Para o Observatório Covid-19 BR, por exemplo, o R0 de Curitiba em 13 de dezembro é 0,935, acima do valor calculado pelo LEG/UFPR para mesma data: 0,85.
Além disso, para o Observatório, o valor atual de R0 está entre 0,78 e 1,1, o que ainda o mantém na faixa acima de 1, ou seja, sem estabilização ou redução da velocidade de contaminação.
Mas o que afeta o valor de R0? Segundo o professor Wagner Bonat, são quatro fatores principais: Durabilidade, Oportunidade, Probabilidade de transmissão e Susceptibilidade. O primeiro fator, durabilidade, se refere ao tempo em que a pessoa infectada transmite o vírus, o que para a Covid-19 é estimado em cinco dias.
O segundo é a Oportunidade. Ou seja, o número de interações da pessoa infectada com outras. “Se você diminuir o número de interações o Rt tem que cair. Basta pensar no caso extremo em que o infectado não tem acesso a ninguém, daí não transmite para ninguém”.
O terceiro é a probabilidade, a chance de uma contaminação acontecer quando alguém entra em contato com uma pessoa infectada. “Não se sabe exatamente quanto que é para Covid, mas estima-se algo entre 0,05 e 0,10, o que é uma probabilidade baixa comparada com outras doenças”, diz Bonat.
Por fim temos a susceptibilidade, que é quantas pessoas na população ainda podem contrair o vírus.
“Destes quatro fatores o que temos maior controle é o O de Oportunidade”, aponta.
Marquitti destaca também que os dados existentes também afetam o cálculo. “Existe sim muita sensibilidade quanto à falta de exames (ou detecções de novos casos), no cálculo do R. Se uma população só faz 100 exames por dia, a partir do momento que a epidemia estiver tão descontrolada a ponto de todos os 100 exames voltarem positivos, então teremos um número de novos casos que é 100 no dia t-1 e 100 no dia t. Isso resulta numa estabilidade no valor de R (R=1)”, diz a bióloga e matemática.
Outro fator é como o dado é considerado. “É necessário que ao se calcular o valor de R, você faça isso utilizando a data de 1o sintoma ao invés da data do resultado do exame (a data do 1o sintoma de uma pessoa não muda conforme os laboratórios ficam sobrecarregados nas analises). E também se faz necessário que se faça uma correção dos atrasos, sejam eles devido à sobrecarga de laboratórios, sejam eles por demora em se fazer o exame ou por até mesmo atraso em subir os resultados no banco de dados”.
Como o Plural noticiou, os dados da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) tem um déficit em relação aos de Curitiba. Depois da reportagem, a Sesa começou a corrigir isso gradualmente, o que acabou deixando o cálculo do LEG momentaneamente deturpado (o que já foi corrigido).
Já em Curitiba, a Secretaria Municipal de Saúde, a pedido do Plural, informou que houve uma queda de 27% no total de exames realizados na última semana em relação a última semana de novembro.
Comportamento passado
Segundo os cálculos do grupo com base nos dados da Secretaria de Estado da Saúde e de outras fontes, Curitiba teve um primeiro pico do valor de R0 entre 15 e 22 de junho, com 1,51. O índice só foi cair abaixo de 1 um mês depois, por volta de 15 de julho, mas como o gráfico abaixo mostra, o número de casos confirmados permaneceu alto
Os dados do LEG/UFPR também apontam que houve um momento de estabilização na situação da pandemia em Curitiba, mas ele foi muito menor que o noticiado. Como se observa no gráfico abaixo, a cidade teve um R0 efetivamente abaixo de 1 (considerando o intervalo de confiança) na última semana de julho e a primeira de agosto e as duas últimas semanas de setembro e a primeira de outubro.
“Agora com tanto tempo passado já, e com provável poucos casos faltantes para entrar entre meio de julho e começo de setembro, há alguma segurança para se dizer que ali havia um certo controle da pandemia”, avalia Flavia Marquitti.