Sorteios do Nota Paraná beneficiam mais ricos

Regra do programa faz consumidores com maior renda ganharem prêmios de grande valor, enquanto mais pobres têm menores chances

Quem foi ver o resultado do sorteio de dezembro do Nota Paraná, esperando um presente de Natal, descobriu que os dois primeiros prêmios foram para uma funcionária pública (que levou R$ 200 mil) e para um vereador (que recebeu R$ 120 mil). O terceiro lugar (R$ 80 mil) ficou com uma instituição de caridade.

A funcionária pública, segundo o Portal da Transparência, tem um salário de pouco mais de R$ 6,5 mil – quatro vezes a renda domiciliar média do Paraná, que é de R$ 1,6 mil, segundo o IBGE. O vereador que ficou com o segundo prêmio recebe pouco menos (R$ 5,7 mil por mês), segundo a Câmara Municipal. Mas Rogério Luís Kuhn tinha comprado um carro, e recebeu muitos bilhetes.

Desde o primeiro sorteio, em 2015, a tendência de sortear pessoas de maior renda ficou clara. Já de cara, o presidente do Grupo Positivo, Hélio Rotenberg, foi sorteado e recebeu R$ 120 mil. O salário dele como executivo não é público, mas sabe-se que CEOs de grandes corporações estão definitivamente fora da média salarial do brasileiro.

Na época, Rotenberg explicou que estava construindo uma casa, e fez questão de pedir as notas. Ou seja: ele fez tudo certo. Quem talvez tenha cometido um erro foi o sujeito que escreveu as regras do programa: a cada R$ 50 que gastou na casa, Rotenberg ganhou um bilhete para concorrer no sorteio.

Pelas regras do programa, desenhado para diminuir a sonegação no estado, nos moldes de outros do gênero, como o Nota Paulista, quem ganha mais tem mais chances de ser sorteado. Uma pessoa, que pode fazer R$ 10 mil mensais em gastos, tem dez vezes mais chances do que alguém que pode gastar R$ 1 mil.

Isso fez com que ao longo dos 49 sorteios já feitos, o programa beneficiasse seguidamente pessoas de renda mais alta. Na lista de vencedores há dentista, arquiteto, advogados, gerente de banco, médicos, um delegado de polícia, um promotor de justiça e um juiz.

O caso do juiz Alexandre Gomes Gonçalves dá um exemplo de como funciona o sistema. Sorteado em novembro de 2016, ele recebeu R$ 50 mil – uma bolada que ajudaria qualquer um a passar o fim de ano na fartura. No caso dele, porém, é possível que o dinheiro não tenha feito tanta diferença: no mês seguinte, dezembro, com o acréscimo de décimo terceiro e outros benefícios, Gonçalves teve direito a R$ 66 mil (depois dos descontos, recebeu R$ 44,1 mil).

O promotor Nivaldo Bazotti, sorteado em junho de 2018, ficou com R$ 120 mil. Seu salário no mesmo mês foi de R$ 30,1 mil – além disso, ele recebeu ainda em junho R$ 4,8 mil em licenças não usufruídas e R$ 6,1 mil em verbas indenizatórias.

O delegado Rodrigo Cruz Santos, da Polícia Civil, que recebeu R$ 50 mil com o primeiro prêmio de março de 2018, tem vencimento mensal, segundo o Portal da Transparência do governo, de R$ 17 mil. A cada três meses, acumula valor igual ao que fez jus com o sorteio.

É verdade que a lista de vencedores também conta com profissões mais simples. Há motoristas, aposentados, donas de casa e estudantes. Mas a proporção de pessoas com renda alta é completamente destoante do que acontece na vida real brasileira. No programa do governo, os mais pobres acabam sendo preteridos pelos mais ricos.

Segundo a coordenadora do Nota Paraná, Marta Gambini, o governo está tentando reduzir essa falha, que foi percebida. Segundo ela, a desigualdade não é tão grande, já que pessoas com poucos bilhetes (isso é, que tiveram pouco gasto) frequentemente são sorteadas. Mas mesmo assim a ideia é mudar um pouco a regra.

Na reformulação que o governo está fazendo do programa, uma das novidades é o estabelecimento de um limite de bilhetes gerado pela mesma nota fiscal. O limite estabelecido, porém, é bastante generoso: o sujeito precisa ultrapassar R$ 10 mil numa mesma nota para que ela entre no teto.

Com a nova regra, que deve valer a partir de março, quem comprar um carro de R$ 50 mil, por exemplo, poderá usar apenas R$ 10 mil daquela nota no sorteio. Como cada bilhete do sorteio será atribuído para R$ 200 em compras (e não mais R$ 50, como é hoje), o consumidor terá direito a 50 chances no sorteio daquele mês.

Marta Gambini diz que isso ajudará a nivelar um pouco as oportunidades, mas admite que um sorteio igualitário é impossível.

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