Refugiados lutam por inclusão no Paraná

Não há casas específicas para acolhida nem integração para políticas públicas eficazes

Desde abril de 2017, a Lei Brasileira de Migração garante novos direitos às pessoas que se transferem de seu lugar habitual, os migrantes. Alguns vêm de muito longe; fogem de suas pátrias por temor, perseguição ou violação de direitos humanos – são os refugiados.

Ainda vistos como ameaças em alguns países, no Brasil, eles têm acesso livre e apoio de ONGs, universidades e voluntários. No entanto, a luta por sua inclusão no país ainda esbarra na falta de integração de políticas públicas eficazes e na ausência de informações sobre a real situação dos refugiados depois de chegarem aqui. No Paraná, governo e sociedade civil buscam renovar o plano de ações para inclusão desta população, que teve os dados mais recentes sobre sua realidade divulgados nesta segunda-feira (1/7) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com o Perfil Socioeconômico dos Refugiados no Brasil.

A pesquisa faz uma análise de 487 entrevistados, em 14 cidades de oito estados, onde se concentram o maior número de refugiados no país. Contudo, o número exato deles no Brasil, não se sabe. No último levantamento Refúgio em Números, do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), em 2017, eram 10 mil oficializados pelo Ministério da Justiça. Porém, 86 mil aguardavam o reconhecimento de sua condição pela Polícia Federal. Neste ano, de janeiro a abril, apenas 250 pedidos foram deferidos pelo Conare. A espera pode levar anos e a dificuldade é só uma entre tantas que precisam superar. Elas vão da regularização de documentos à exploração no trabalho; do idioma à acolhida; do preconceito aos traumas e saudades da família e da pátria que precisaram deixar.

Como são livres para transitar em solo brasileiro, e muitos se mudam da cidade onde protocolaram o pedido de refúgio, o governo federal não sabe onde vivem estas pessoas, nem se formaram comunidades ou novas famílias com brasileiros; se tiveram outros filhos, conseguiram retomar suas vidas ou quantos voltaram para seus países de origem. Não há dados estatísticos sobre isto.

O que se tem são números ligados a solicitações de refúgio feitas ao Conare. De janeiro a abril deste ano, o órgão recebeu o pedido de 490 pessoas no Paraná, a maioria vinda da Venezuela, Síria, Haiti, Cuba e Marrocos. Destes, apenas 29 foram concedidos.

A disparidade alerta para a falta de integração entre governos e a ausência de políticas públicas efetivas para acompanhar o desenvolvimento desta população no país.

Foto: Giorgia Prates/Plural

A lei não basta

Primeira experiência do gênero no Brasil, o Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas do Paraná (Cerma) tem representantes do governo e da sociedade civil. Sua atual presidente, a assistente social Marcia Ponce – que coordena projetos em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) – conta que existe um Plano Estadual de Políticas Públicas para Migrantes, mas ele está em renovação.

“Uma legislação por si só não garante direitos básicos. Precisamos do retorno na base. Então, a orientação precisa ser permanente. É necessário qualificação do servidor para que ele entenda e aceite o protocolo de solicitação de refúgio, uma luta que travamos para melhorar este documento, que hoje é quase um papel sulfite impresso, parece um xerox, não um documento válido. Mas é um documento válido, que dá ao refugiado acesso a todos os seus direitos”, observa a presidente do Conselho.

Para eles, a barreira ao desenvolvimento educacional é o idioma; e o limitador ao trabalho é a regularização dos diplomas. “Também há muitas ondas de preconceito, como a xenofobia, que acontece dentro dos próprios locais de trabalho, com humilhações e explorações”, alerta Marcia Ponce.

Mas o grande desafio para as ações públicas, avalia ela, é o acolhimento. “Hoje não temos abrigos voltados a eles. Os acolhimentos institucionais a estes grupos acontecem junto com a população de rua e são públicos diferentes, o que pode gerar conflitos.”

“Ser expulso do seu próprio país, como se sua terra não fosse mais sua casa. Sem dinheiro; sem falar outra língua. Isso não é nada fácil. Há muitas questões envolvidas”, resume o sírio Amr Houdaifa, hoje mestrando em Direito na UFPR. “Quando você precisa deixar seu país, você sente que não é nada seu. Parece que nem o ar é seu.”

Amr traduzido no painel do evento ‘A Arte como Refúgio’, na UFPR, onde é mestrando. Foto: Giorgia/Prates

Acolhida

Em Curitiba, de acordo a Fundação de Ação Social (FAS), estima-se que haja hoje 2,6 mil pessoas em mobilidade geográfica (migrantes e refugiados). Destes, a maioria (2.010) tem entre 18 e 59 anos; 390 são crianças e adolescentes até 17 anos e 268 são idosos. Os principais países de origem são: Haiti, Venezuela, Paraguai e Síria.

Os dados são baseados em atendimentos da Casa da Acolhida e do Regresso, mantida pela FAS na Rodoviária da Capital, o principal local de desembarque destas pessoas no Paraná. “Atendemos a esse público que chega, realizamos desde o primeiro encaminhamento, com orientações gerais, até o acolhimento institucional, assistência social, atendimento de politicas públicas ou o retorno a seus países de origem”, conta a superintendente de gestão da FAS, Cláudia Estorillio.

“Ninguém fica na rua e ninguém fica sem comida”, garante. Porém, não há uma casa de acolhida específica para eles. O acolhimento é realizado junto com a população de rua.

A maioria vem em situação de vulnerabilidade absoluta, alguns só com roupa do corpo, e que, por questões políticas e sociais, não querem retornar. “São muitos homens sozinhos, que chegam em busca de uma oportunidade, para depois poder trazer a família.”

Todos recebem encaminhamento para os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) – onde podem se cadastrar em programas sociais do governo, como o bolsa-família – e também para capacitações profissionais, nos Liceus de Ofício. Em 2018, a casa realizou 378 atendimentos. De janeiro a abril deste ano já foram 230.

Centro de Informação

O governo estadual também oferece encaminhamento a serviços sociais e de apoio no Centro de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas do Estado do Paraná (CEIM), que atende de segunda a sexta, próximo à Praça Rui Barbosa.

De acordo com a Secretaria de Estado da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos (SEJU), de outubro de 2016 a maio de 2019, foram realizados no local 8.542 atendimentos para um total de 2.659 pessoas cadastradas. Entre janeiro e maio deste ano, os que mais procuraram atendimento foram os haitianos (538) e os venezuelanos (532), seguidos dos cubanos (48), colombianos (19) e marroquinos (11).

Foto: Giorgia Prates/Plural

Os principais motivos que levaram aos atendimentos foram: busca por vaga de trabalho (244), regularização de documentos (210), orientação jurídica (141), inserção no Cadastro Único (40), atendimento psicossocial (21), aulas de português (20), revalidação de diploma (8) e atendimento de saúde (1).

Os encaminhamentos envolveram pessoas vindas dos seguintes países: Afeganistão, Angola, Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Brasil, Cabo Verde, Camarões, Chile, Colômbia, Congo-Brazzaville, Costa do Marfim, Cuba, Egito, Espanha, El Salvador, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Haiti, Honduras, Iêmen, Itália, Japão, Jordânia, Líbano, Marrocos, Mauritânia, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Peru, Portugal, República Democrática do Congo, República Dominicana, Senegal, Serra Leoa, Síria, Tunísia,  Uruguai  e Venezuela.

Políticas Universitárias

Outro local em Curitiba muito procurado pelos que chegam de outro país é a ‘Sala 28’. Dentro do prédio histórico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), funciona (manhã, tarde e noite) o programa da Política Migratória e Universidade Brasileira (PMUB). “Atendemos o migrante humanitário e o refugiado, aquele que tem um temor de perseguição no seu país e não pode voltar porque tem risco à vida, por causa de sua raça ou religião, por exemplo”, explica a coordenadora do programa, Tatyana Friedrich.

Curso de Acolhimento Linguístico e Acadêmico. Foto: UFPR

Cursos de Português, Informática e atendimento jurídico e psicológico integram o PMUB e atendem cerca de duas mil pessoas por ano. “Com ele, avançamos também em políticas universitárias, como ocupação de vagas suplementares e remanescentes e revalidação de diplomas”, diz Tatyana, lembrando que, atualmente, 87 alunos migrantes ou refugiados estudam na UFPR, em diversos cursos, com destaque para Engenharia, Administração e Direito. Desde 2015, 11 diplomas foram revalidados pelo programa.

“Ninguém quer deixar o seu país. Não é uma escolha. É sempre um problema. Apesar de você trabalhar e fazer faculdade, você se sente limitado, porque a terra não é sua. Você luta todo dia mas você sobra. Há preconceito e ele precisa acabar”, percebe o haitiano Fabrice François, estudante de Ciências Biológicas na UFPR.

A inserção destes alunos encontra espaço em alguns projetos culturais. Como na exposição ‘A Arte como Refúgio’, que marcou o Dia Mundial do Refugiado (20/6), promovendo a integração de diferentes culturas no saguão da UFPR.

“É preciso enxergar além de suas necessidades físicas. Uma pessoa em situação de refúgio precisa, sim, de um abrigo, de atendimento de saúde, de alimento. Mas também precisa de apoio para continuar seu desenvolvimento positivo, para crescer individual e coletivamente”, constata o psicólogo Josafá da Cunha, professor do Laboratório Interagir da UFPR.

O haitiano Fabrice François na UFPR. Foto: Giorgia Prates/Plural

Voluntariado

Algumas ONGs também trabalham com projetos voltados a estas comunidades. É o caso da Cáritas – Ação Social do Paraná  (ASP), que recentemente auxiliou na chegada de um grupo de 90 venezuelanos a Curitiba. “Nós fizemos o acolhimento deles por três meses, cadastramos em todos os programas, matriculamos todas as crianças, encaminhamos para atividades laborais ou benefícios de renda para poderem dar continuidade a suas vidas”, destaca a gestora da unidade e psicóloga Maria Tereza Rosa. Ela conta que a maioria dos abrigados na casa era homem, está no Brasil sozinho e tem entre 18 e 65 anos. Crianças eram 15, todas acompanhadas de algum familiar.

“As pessoas não sabem o que passamos, não sabem como é difícil. E não são receptivas. Nós carregamos muitas coisas conosco, mas uma vida inteira não cabe numa mala”, ressalta a venezuelana Natasha Gotopo, que hoje cursa Medicina Veterinária na UFPR.

Perfil dos Refugiados

Os dados mais recentes sobre esta população foram oficialmente divulgados nesta segunda-feira (1/7) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). A pedido do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), a UFPR comandou uma pesquisa, com outras universidades federais do país, que resultou no Perfil Socioeconômico dos Refugiados no Brasil.

O relatório traz dados de 487 entrevistados em 14 cidades de oito estados, onde se concentram o maior número de refugiados no país: São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Distrito Federal e Amazonas.

A análise mostra que 83% deles entraram no Brasil após 2010 e que 71% chegaram em fuga de quatro países: Síria (31%), República Democrática do Congo (23%), Angola (8%) e Colômbia (7%). Vale lembrar que os venezuelanos não foram incluídos na amostragem, por não serem considerados refugiados pelas autoridades brasileiras.

Dos que declararam gênero, 48% são homens e 23% mulheres. Do total, 34% concluíram o Ensino Superior ou chegaram a cursar pós-graduação e 49% terminaram o Ensino Médio. Mais da metade trabalha (57%), porém, 25% estão fora do mercado de trabalho. O principal obstáculo na busca por um emprego é a falta de domínio do idioma e o preconceito do empregador.

Por esta razão, 79% dos entrevistados demonstrou vontade de ter seu próprio negócio. Os empecilhos para empreender, no entanto, esbarram na falta de recursos financeiros e no apoio técnico, assim como, na desinformação sobre melhores caminhos para abrir uma empresa no Brasil.

A renda familiar de 79% dos refugiados pesquisados é inferior a R$ 3 mil, sendo que 95 deles vivem com até R$ 1 mil. Metade dos entrevistados (49,9%) envia recursos a seus familiares ou, então, recebe deles para poder sobreviver.

Os serviços públicos de saúde são os mais utilizados por esta população (91% do total da amostra), seguidos dos serviços educacionais (41%) e de assistência social (19%). De todos os que responderam, 34% contribuem para a Previdência Social e, destes, 14% já precisaram de algum serviço, como seguro-saúde ou licença-maternidade.

Quase todos os refugiados que participaram da pesquisa (96%) disseram ter interesse em obter a nacionalidade brasileira.

No Paraná

O coordenador nacional da pesquisa, professor titular de sociologia da UFPR, Marcio de Oliveira, explica que não é possível fazer uma análise estatística dos refugiados no Paraná, pois os dados do estudo foram compilados nacionalmente. Porém, o que se pode verificar é que, em termos de etnia, Foz do Iguaçu e Curitiba concentram as maiores comunidades. Em Foz, sírios, libanês e palestinos se destacam, enquanto em Curitiba há uma maior diversidade étnica, especialmente de congoleses e angolanos.

“É um perfil que se verifica nas três cidades do sul do Brasil, escolhidas por oportunizarem salários mais altos, mais tranquilidade, acesso a cursos e ingresso para formação de ensino”, analisa o sociólogo.

Foto: UFPR

Leia mais:

https://www.plural.jor.br/cerca-de-35-dos-refugiados-tem-ensino-superior-revela-pesquisa/

 

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