País põe na cadeia jovens pegos com quantidade ínfima de drogas

Pegos com umas poucas pedras de crack ou gramas de maconha, réus primários são colocados na cadeia; rapaz passou 11 meses preso por "erro de controle" após ser pego com 14 gramas de maconha

Quando foi abordado pela polícia, na Travessa Júlio Mesquita, no Centro de Curitiba, o rapaz de 18 anos tinha apenas duas pedras de crack com ele. Além disso, estava com uma quantia significativa de dinheiro: R$ 394. Pela lei brasileira, o mais razoável, caso o policial suspeitasse de tráfico, levar o garoto até uma delegacia e fazer um termo circunstanciado. Afinal, a quantidade de droga era insignificante. Mas não foi o que aconteceu.

Da região da Praça Tiradentes, o rapaz foi levado para a delegacia e trancado lá. Mesmo sendo réu primário, foi preso no dia 3 de novembro de 2021 e ficou no xadrez da delegacia por duas semanas. Só depois de um pedido de alvará de soltura da Defensoria Pública acabou saindo da prisão. Agora, responde ao processo em liberdade, como deveria ter acontecido desde o começo.

Apesar de o sistema carcerário brasileiro estar lotado e de a lei ter vários instrumentos para evitar que pessoas seriam presas por crimes de menor potencial ofensivo, continua sendo comum em todo o país a prisão de pessoas com quantidades ínfimas de drogas ilícitas. Independente de nunca terem cometido crimes antes, jovens são levados para a cadeia e dividem celas em condições insalubres por terem em mãos algumas pedras de crack ou um pouco de maconha.

Drogas em pequena quantidade

Foi o caso, por exemplo, de um outro réu primário preso em Curitiba com 9 gramas de crack – um total de 27 pedras. Aos 24 anos, o rapaz estava no estacionamento do mercado Santa Helena com R$ 54,50 em dinheiro. Em 2022, quatro anos depois, saiu um mandado de prisão e ele foi levado para a cadeia em julho. Ao contrário do garoto da Praça Tiradentes, porém, aqui o confinamento não durou apenas duas semanas: foram mais de seis meses de cárcere.

A Defensoria Pública novamente entrou com um pedido de liberdade, mas o juiz nem mesmo reconheceu a prerrogativa dos defensores de atuar no caso, porque o réu tinha um advogado dativo. Mesmo assim, o juiz mandou soltar o rapaz em março de 2023 – e sabe-se lá se não continuaria preso, não fosse a atuação da Defensoria.

“Erro de controle”

Um caso ainda mais grave aconteceu com um rapaz que cumpria pena na Casa de Custódia de São José dos Pinhais. WSRJ foi condenado a 1 ano e 8 meses de reclusão por tráfico privilegiado (o crime criado para punir os chamados “aviõezinhos do tráfico”, ou seja, aqueles pequenos traficantes de baixo poder econômico). A prisão foi substituída por prestação de serviços a comunidade e limitação de fim de semana.

O réu, nesse caso, estava com 19 buchas de maconha, num total de 14,3 gramas. Preso preventivamente em agosto de 2021, o réu foi transferido para São José dos Pinhais em março do ano seguinte 2022. Em abril, o tribunal mineiro decidiu que não era o caso de manter o réu preso, e trocou a pena de prisão por penas alternativas. O alvará de soltura foi expedido, mas, por alguma razão, se perdeu no meio do caminho.

Ninguém sabe em que ponto a comunicação entre os estados falhou, mas o fato é que WSRJ acabou sendo solto só dez meses depois disso, em fevereiro de 2023, quando a Defensoria foi alertada que ele continuava na cadeia e entrou com um habeas corpus. O caso é classificado como um “erro de controle” da execução penal.

Quem estamos prendendo?

Para o defensor público Henrique Camargo, o problema está na definição de quais tipos de crimes o país quer combater. “Antes da questão da descriminalização, que é algo mais complexo e estrutural, temos que analisar o mais simples: quem são os alvos dos órgãos de persecução penal na questão do tráfico de drogas? São, de fato, os pequenos varejistas, que representam mais da metade da população prisional total do Brasil”, afirma ele.

“A prioridade de atuação e investimento na polícia repressiva em detrimento da polícia investigativa faz com que a quase totalidade dos casos de tráfico decorram de flagrantes a esses pequenos varejistas, que lotam nossas cadeias. Não são raro casos de pequena quantidade, com poucos trocados, em que por alguns elementos circunstanciais ou unicamente a palavra da PM, o Poder Judiciário classifica a situação como tráfico e não porte para uso”, diz.

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1 comentário em “País põe na cadeia jovens pegos com quantidade ínfima de drogas”

  1. Rogério, esse é um ótimo tema para debate. Até porque ele constitui um dos mais importantes nós que impedem um verdadeiro e eficaz combate à violência e criminalidade, no Brasil. Há inúmeros intelectuais – Luiz Eduardo Soares sendo o mais destacado – que levantam essa temática e propõem soluções. Mas nunca são ouvidos por quem importa. Ótima matéria. Vale repercuti-la

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