Com o pânico promovido por boatos de ameaças a escolas e universidades em todo Brasil nos últimos dias, pedidos para que integrantes da Polícia Militar e Guarda Municipal passem a fazer parte da rotina das escolas tem sido frequentes. A presença do policial é a resposta mais concreta e rápida à situação. No entanto, é essa a melhor situação? O que o governo, as escolas e as famílias devem considerar antes de impor às instituições educacionais a presença das forças de segurança?
O assunto não é recente, nem ignorado pelos pesquisadores da educação. No Paraná, o programa Escola Segura foi implantado em 2019 e tem sido uma das principais apostas do governo do Estado na área. A iniciativa coloca policiais militares em escolas da rede estadual.
O problema aí é que a escola é ambiente educativo e os alunos são crianças e adolescentes em desenvolvimento, o que pressupõe a necessidade de um espaço que trata o erro e as condutas inadequadas como oportunidades de aprendizado, não de punição.
A iniciativa foi avaliada pelo doutor em Ciência Política pela USP, Cleber Lopes, em “Quando a Polícia Militar vai à escola: uma avaliação de impacto do programa Escola Segura”. A pesquisa de Lopes avaliou indicadores de segurança em escolas da rede pública e comunidades do entorno em Londrina em 2019. Lopes destaca que não é possível extrapolar os resultados da análise das escolas de Londrina para o programa como um todo.
Porém, “apesar dessas limitações, a revisão bibliográfica apresentada e os resultados relatados neste trabalho deveriam sugerir cautela ao governo do Paraná, que elegeu o programa como uma de suas prioridades na área de segurança pública e tem promovido a sua rápida expansão no estado. No final de 2019 o Escola Segura estava funcionando em 77 escolas estaduais que atendiam cerca de 82 mil estudantes. Em janeiro de 2020 o programa já havido alcançado 107 estabelecimentos de ensino e cerca de 100 mil alunos”.
A pesquisa “mostra que o Escola Segura não produziu nenhuma alteração na realidade estudada. Não há evidências de que o sentimento de insegurança, os casos de agressões verbais, agressões físicas, ofensas sexuais, furto/roubo e a percepção de pichação e uso de drogas ilícitas relatada pelos pesquisados tenham mudado por causa da presença dos policiais militares na escola tratamento. Como os sinais dos coeficientes Beta da variável “efeito” indicam, a única mudança que ocorreu na direção esperada foi em relação às ofensas sexuais, cuja probabilidade de ocorrência diminuiu. Entretanto, essa mudança não é estatisticamente significante”.
Os resultados obtidos por Lopes contrastam com o discurso do governo, que afirma ter conseguido reduzir os acionamentos do Batalhão de Patrulha Escolar Comunitária em Foz do Iguaçu em 57,1%, em 43,2% em Londrina e na Grande Curitiba em 25,4%. Os dados são de 2020, antes do início da pandemia, antes da expansão do programa ser pausada por conta da situação de emergência em saúde pública.
Mas mais do que analisar dados de ocorrências de crimes, a análise da efetividade de programas com a presença da polícia em escolas precisa também considerar o ambiente escolar e sua finalidade educativa. Nesse sentido, os especialistas em educação Edna Miranda Ugolini Santana e Cândido Alberto da Costa Gomes, da Universidade Católica de Brasil avaliaram as dinâmicas entre gestores escolares e policiais em quatro escolas do Distrito Federal em 2009.
Os dados estão no artigo Polícia e escola: aparando arestas, de 2010 e relatam os riscos implícitos nessa relação.
“Entre tais riscos, para os quais toda a atenção é necessária, está uma auto confissão explícita ou implícita de incapacidade dos educadores, que recuam em sua autoridade. Enquanto isso, os policiais passam a cumprir as tarefas menos “simpáticas” do estabelecimento e da manutenção da ordem. Essa neblina deve ser rigorosamente evitada, por esvaziar a autoridade escolar e conduzir o policial a exercer missões que não são tipicamente suas”, concluem.
Santana e Gomes entrevistaram educadores, gestores de escolas e policiais em quatro escolas do Distrito Federal para analisar a relação entre a comunidade escolar e os policiais. Eles encontraram policiais integrados ao ambiente escolar e envolvidos em funções pedagógicas. “Essas interferências de um “invadindo” e superpondo-se ao trabalho do outro poderão deixar de existir ou, pelo menos, diminuirão. Entretanto, os dados indicam que diretores, por contarem com a presença e os serviços do policial na sua escola, atribuíam a eles a responsabilidade de manter a ordem e também repreenderem os alunos, esquivando-se das suas reais funções e delegando-as aos agentes policiais”, relatam.
Respeito a autonomia escolar
Um dos principais problemas na implantação de iniciativas como o Escola Segura é que são projetos concebidos dentro do governo e apresentados às escolas, sem real envolvimento da comunidade escolar. Nesse tema, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta dois elementos importantes para o sucesso na implementação de propostas do gênero:
- Apoio e participação de todos os membros da comunidade escolar – direção e equipe técnica, funcionários, estudantes, professores, família e comunidade – na realização do diagnóstico dos problemas da escola, no planejamento, na execução e na avaliação das ações.
- Estratégias baseadas no diálogo, que levam em conta a valorização das respostas
coletivas e a divisão de responsabilidades entre todos os atores escolares.
No documento “Escolas seguras: novas abordagens sobre prevenção da violência entre jovens”, o FBSP recomenda que as regras de permanência e atuação dos policiais sejam construídas coletivamente, com a participação das instituições de representação da comunidade, como o Conselho de Escola. Também destaca que a escola possui e deve mapear outras instituições da rede de proteção social que têm papel na garantia da segurança escolar.
O documento do fórum sobre o assunto aponta uma necessidade de separação entre a ação que é educativa e a que é da alçada da polícia e lista dicas para disciplinar os papéis dentro da escola:
- Acionar a polícia apenas em casos de crime e atos qualificados no Código Penal (como extorsão, roubos, furtos, tráfico de drogas, porte de armas etc.) e não para resolver conflitos dentro dos muros da escola. A instituição educacional precisa criar estratégias pedagógicas para resolver problemas como brigas, agressões e insultos, uma vez que esses conflitos podem ter sido gerados pela ausência de limites mais claros entre os direitos e deveres dos atores da comunidade escolar.
- Aproximar policiais, guardas e comunidade escolar em discussões sobre temas pertinentes ao ambiente escolar, como cuidados com o espaço, atividades de lazer e cultura, uso de drogas, procurando desenvolver ações conjuntas com foco na prevenção da violência e na promoção da convivência.
- Contar com um policiamento preventivo e comunitário que iniba as violências nos arredores das escolas. (Fonte: “Escolas seguras: novas abordagens sobre prevenção da violência entre jovens”)
A polícia aí precisa atuar naquilo que é de sua alçada, inibindo crimes e episódios de violência, mas sem interferir em conflitos típicos do espaço escolar.
Por fim, o fórum recomenda que o gestor escolar tenha um papel de articulador dos diferentes protagonistas da comunidade escolar envolvidos na questão da segurança, ouvindo-os e envolvendo-os na elaboração de um plano de ação adaptado a realidade da unidade escolar.