Meu corpo, minhas regras: cai autorização do cônjuge para esterilização

Texto que altera Lei do Planejamento Familiar foi sancionado e entrará em vigor em março de 2023

Para a advogada Yara Dias Christófolli, 44 anos, a ideia de família sempre foi a de ter dois filhos. Ela teve o primeiro aos 35 e a segunda filha aos 37 anos, quando, em comum acordo com o pai das crianças, realizou a laqueadura.

“Com o meu obstetra foi muito tranquilo porque quando minha caçula nasceu eu já estava com 37 anos. Como no primeiro eu não consegui ter por parto normal e já havia decidido só ter dois filhos, aproveitei a segunda cesárea e fiz a laqueadura. Não me arrependo de jeito nenhum porque eu acho que dois está ótimo e sei que foi simples também por ter sido um procedimento particular”, contou.
Após 13 anos de relação, 11 deles de casamento, veio a separação, mas Yara ressaltou que, como foi uma decisão consciente, nada mudou.

“Hoje eu estou separada, mas ainda não oficializamos no papel. Tenho uma excelente relação com o meu ex-marido e ele decidiu que também não quer ter mais filhos e me pediu a autorização para fazer a vasectomia, pedido que prontamente atendi”, disse Yara.

Mas a experiência positiva e sem entraves para a advogada curitibana não reflete a realidade de muitas mulheres que não conseguiram ter acesso à esterilização definitiva, devido às restrições impostas pela lei.

Nova lei

O método contraceptivo mais definitivo, laqueadura para mulheres e vasectomia no caso dos homens, sempre foi algo cercado de tabus e regras, muitas regras e dificuldades para quem optasse por não ter mais filhos, ou nunca tê-los, conseguisse realizar o procedimento no Brasil. Mas agora o cenário tende a mudar, uma vez que foi sancionada, e publicada no Diário Oficial da União na segunda-feira (5), a Lei Federal 14.443/22 que altera a idade mínima para a esterilização voluntária; exclui o critério de idade mínima, caso a pessoa já tenha dois filhos, e muda uma das normas mais polêmicas, a necessidade de consentimento expresso de ambos os cônjuges para a esterilização.

Antes da alteração a idade mínima para esterilização voluntária era de 25 anos, com a nova lei passa a ser de 21 anos. O critério da idade mínima não conta para quem já tiver, pelo menos, dois filhos vivos. Também permite que, na mulher, o procedimento seja feito logo após o parto, o que antes, teoricamente, não poderia ser realizado (na portaria em vigor, até então, proíbe a laqueadura durante períodos de parto, aborto ou até o 42º dia do pós-parto ou aborto, exceto nos casos de necessidade comprovada pelo médico responsável). No entanto, a lei mantém o prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o procedimento cirúrgico de esterilização.

Mães solo

Segundo a advogada, especialista em Direito à Saúde, Renata Farah, o fato de não precisar mais de autorização valoriza a liberdade e também atualiza a lei à realidade, em que muitas mulheres são “mães solo”.

“O impacto que a lei traz é muito grande, pois reforça a autonomia das pessoas, o direito à escolha de como será a sua vida, o planejamento da sua família e deixa de existir aquele conceito antigo da autorização do outro. Essa decisão é pessoal. Então, é muito importante assegurar esse direito que só fomenta a liberdade das pessoas. A lei anterior tinha conceitos um pouco mais conservadores, a necessidade de o cônjuge autorizar essa decisão mais primava pela questão da família, da decisão em conjunto de como seria a questão de aumentar família ou não. É um grande avanço e reforça sim a autonomia do cidadão, preza pelos direitos humanos. Individuais e da sociedade”, disse ao Plural.

Público e privado

As mudanças valem tanto para os procedimentos realizados na rede pública de saúde, como na privada. “A regra do acesso ao SUS é sempre a mesma. O homem ou a mulher devem fazer parte do cadastro do SUS, em que a porta de entrada é sempre a Unidade Básica de Saúde. É feito o encaminhamento para os especialistas e, atendendo os requisitos, vai ser agendado o procedimento dessa contracepção permanente que é a vasectomia e a laqueadura. Da mesma forma com os planos de saúde, o médico o urologista ou o ginecologista vai fazer a solicitação ao plano, cumpridos os requisitos, o procedimento vai ser agendado. Essa lei é nacional e vale para o planejamento familiar, na rede pública e na rede privada”, explicou a especialista.

A lei 14.443/22 entrará em vigor 180 dias após a publicação no Diário Oficial da União, o que ocorreu na última segunda-feira (5).
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