Júri começa a decidir sobre feminicídio em Curitiba motivado por lesbofobia

Ana Paula Campestrini foi morta a tiros em 2021 em situação que Ministério Público sustenta ter sido uma emboscada. Ex-marido é réu

Começaram a depor nesta quinta-feira (23), no Centro Judiciário do Ahú, em Curitiba, as primeiras testemunhas do júri dos acusados pelo assassinato de Ana Paula Campestrini, morta a tiros na manhã do dia 22 de junho de 2021 em frente à casa onde morava, no bairro Santa Cândida. O ex-marido, Wagner Organauskas, está no banco dos réus. Para o Ministério Público, ele arquitetou a execução da ex-companheira por não aceitar o relacionamento dela com outra mulher.

O caso chega ao Tribunal do Júri como homicídio triplamente qualificado. Entram como agravantes contra Organauskas e Marcos Antônio Ramon – que teria disparado os tiros contra a vítima – a configuração de um caso de feminicídio e o fato de o crime ter sido tramado com dissimulação e por motivo torpe. Ambos negam o teor da acusação.

À época dos fatos, Organauskas e Ramon eram, respectivamente, presidente e diretor da centenária Sociedade Morgenau, de Curitiba e, segundo as investigações, autorizaram a emissão de uma carteirinha do clube em nome da vítima para, depois da retirada do documento, segui-la e matá-la. Dias antes do assassinato, quase todas as câmeras da associação foram desativadas.

Lesbofobia

Na denúncia aceita pela Justiça, a 1ª Promotoria de Justiça de Crimes Dolosos contra a Vida afirmou que a morte de Campestrini, então com 39 anos, foi “friamente planejada” e motivada “pela lesbofobia demonstrada com o inconformismo perante o novo relacionamento” assumido pela vítima após a separação. Campestrini passou a viver com uma companheira em 2018, escolha que, de acordo com a denúncia do MPPR, a levou a enfrentar uma série de episódios conturbados com o ex-marido.

Ele teria agido para dificultar o acesso da ex-mulher aos bens comuns da família e ao convívio com três filhos do casal, uma adolescente e duas crianças. Antes do assassinato, a Justiça já havia sido mobilizada para decidir sobre a guarda dos filhos, e denúncias de prática de alienação parental por parte do pai estavam sendo acompanhadas pela Vara da Família.

Em depoimento, uma das testemunhas ouvidas ainda no curso das investigações falou da resistência do ex-marido em atender ligações e responder mensagens quando a vítima tentava agendar as visitas e que, algum tempo depois, as crianças também começaram a se afastar.

Outra testemunha ainda citou uma suposta iniciativa de Organauskas de procurar “um psicólogo cristão para acompanhar os filhos” porque não queria pregar a eles “que a homossexualidade fosse algo natural”.

Os depoimentos indicam também que a vítima já estava sobressaltada com o comportamento do ex-marido. Uma das ouvidas citou uma mensagem enviada a ela por Campestrini pedindo que, caso alguma coisa acontecesse, era para avisar aos filhos que Ana nunca havia desistido deles. Outro falou de ter ouvido o acusado dizer que a vítima “incomodava muito e afirmou que “essa daí só matando”.

Crime encomendado

Segundo as alegações da Promotoria, Organauskas teria pagado R$ 38 mil para que Marcos Antonio Ramon executasse a ex-companheira. Imagens de câmeras de segurança flagraram o autor do crime seguindo Campestrini de moto e, depois, atirando contra ela. As imagens do criminoso foram consideradas compatíveis com o então diretor da Sociedade Morgenau, que segundo depoimento de funcionários, teria determinado retirada das câmeras de segurança do clube dias antes do assassinato.

Por isso, não havia monitoramento por vídeo no local onde a moto que levou Ramon à cena do crime estava estacionada. E também não foi registrado o momento em que Campestrini deixou o clube de carro, minutos antes de ser morta no que o MPPR considerou uma emboscada.

Na trama sustentada pela acusação dos réus, Organauskas teria autorizado a emissão de uma carteirinha do clube em nome da ex-mulher permitindo a ela acesso às aulas esportivas dos filhos. O dia e o horário da retirada do documento foram planejados por Ramon, “para que ele, em seguida, pudesse segui-la em via pública” com uma moto sem placas e “e executar o crime sem ser reconhecido ou identificado”.

Provas

Em depoimento na condição de testemunha nesta quinta-feira, a delegada Tathiana Guzella, que conduziu o inquérito policial do caso, falou ter encontrado um “verdadeiro dossiê” de Campestrini e da companheira dela no celular do ex-diretor do clube. Perícia no aparelho de ambos constatou várias trocas de mensagens apagadas para obstruir as investigações. A destruição das provas teria sido feita por Felipe Wada, também réu no processo mas que não está sendo julgado neste momento.

Durante interrogatório, Ramon afirmou não saber onde a vítima morava e negou ser dele a moto registrada nas imagens coletadas pela polícia. Ele também negou ter arma de fogo.

Já Wagner Oganauskas rechaçou ter mandado matar a vítima. Alegou que a ex-mulher “não se dedicava às necessidades das crianças e que era ele quem auxiliava nas tarefas da escola e acompanhava os filhos no médico”, além de ter incentivado a “vítima a trabalhar e se qualificar”. Ele defendeu ter restringido as visitas da mãe às crianças porque “começaram a interferir na rotina” dos menores “e que inclusive contratou uma psicóloga para tentar melhorar a relação entre eles”.

Em nota divulgada em rede social, o escritório Elias Mattar Assad, que faz a defesa de Oganauskas, sustenta a inocência do cliente e afirma que a acusação contra ele “se baseia em narrativas forçadas e elementos circunstanciais, incapazes de sustentar uma condenação” dentro do direito processual.

A defesa de Marcos Antonio Ramon ainda não se posicionou à reportagem.

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