Governo do Paraná faz publicidade com sustentabilidade enquanto ignora urgências ambientais do estado

Recurso de 1 bilhão de reais deve ir para conservação da Mata Atlântica, mas governo Ratinho Jr. opta por obras de infraestrutura e compra de veículos

Reportagem produzida pelo Observatório de Justiça e Conservação

A lista de 15 projetos do Instituto Água e Terra (IAT), aprovada pelo Conselho de Recuperação de Bens Ambientais Lesados (CRBAL) entre dezembro e janeiro deste ano, pretende usar ao menos 159 milhões de reais para compra exclusiva de veículos, como caminhões pipa e viaturas.

Este valor corresponde a quase 20% da indenização da Petrobras ao estado do Paraná, de 931 milhões de reais. Metade do valor já foi depositado ao Fundo Estadual de Meio Ambiente (FEMA) e o conselho responsável por gerir o dinheiro, em menos de dois meses de discussões, já tem destino para a verba.

Outro projeto, chamado “Rio Vivo – Estradas Rurais Integradas aos Princípios e Sistemas Conservacionistas”, está justificado pelo governo do estado como obra ambiental. Segundo o governo, as obras seriam feitas na região da bacia do Alto Iguaçu conforme critérios de elegibilidade, que não estão definidos no projeto. 

O governo Ratinho Jr. tem dado ênfase a pequenos projetos de sustentabilidade, como ocorreu em janeiro deste ano ao anunciar a polinização de parques urbanos com abelhas sem ferrão.

A propaganda governamental ainda utiliza a imagem da harpia, ave em extinção por causa da diminuição de florestas, para dizer que o Paraná é sustentável.

Várias organizações afirmam que o governo está longe de atuar de forma adequada, estratégica e baseada em dados científicos para conter a crise hídrica e as mudanças climáticas no estado. Ao todo, 22 entidades paranaenses e brasileiras, entre elas a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Instituto Brasileiro de Conservação da Natureza e o Centro Cultural Brasil EUA Interamericano, pediram em carta publicada na nesta quarta-feira a revisão dos projetos aprovados com o recurso da Petrobras, já que esta é uma oportunidade única de avançar na pauta ambiental do estado.

Pelo acordo celebrado entre o Ministério Público e a Petrobras, em decorrência do desastre ambiental no município de Araucária em 2000, a indenização deve ser destinada à conservação, proteção, restauração e monitoramento ambiental de áreas do patrimônio natural do estado. Entre as áreas naturais estão unidades de conservação, áreas de proteção permanente e a Bacia Hidrográfica do Alto Iguaçu, principal região afetada pelo desastre.

Governo do Paraná quer usar 11,6 milhões de reais do recurso para conservação ambiental na abertura e manutenção de estradas rurais. Foto: Balsa Nova/OJC.

MP se manifesta mais uma vez sobre ações “apressadas” do governo

Entre os projetos do governo aprovados pelo conselho, nenhum direciona os recursos com justificativa detalhada para a conservação ou recuperação de unidades de conservação, tampouco para recuperação de áreas degradadas na bacia hidrográfica do Alto Iguaçu.

As aprovações foram em torno da compra de 53 caminhões para a patrulha ambiental, outros 71 caminhões para coleta de lixo reciclável, a compra de coletes salva-vidas e equipamentos meteorológicos. Ainda foram aprovados projetos de construção de 557 poços artesianos, abertura de estradas e obras de drenagem, entre outros.

Sobre os poços artesianos, o conselheiro do Comitê da Bacia Litorânea, Paulo Marques, pontua: “isso é paliativo, não produz mais água, além de que poços têm limite. Essa obra não vai fazer chover mais”.

Marques critica essa e outras destinações do recurso. “Existe uma crença comum de que tudo pode ser resolvido com obra. No caso dos recursos hídricos não é assim. Nós temos que mudar a nossa forma de gestão dos recursos, mudar a forma como fazemos uso do solo”.

Na terça-feira (8), o IAT convocou reunião para explicar como irá proceder no primeiro edital de chamamento público aberto para uso do recurso. O IAT definiu, sem que isso estivesse no acordo, que vai destinar 120 milhões de reais para projetos de organizações não-governamentais, universidades e municípios.

Cerca de 100 pessoas participaram da reunião. Houve questionamentos sobre a composição da banca que irá definir quais projetos serão escolhidos para receber o aporte, além do teto de valores por projeto.

Diretor-presidente do IAT, Everton Souza, reúne entidades e municípios para expor regras do primeiro edital de chamamento público da Repar. Foto: OJC.

A advogada da Sedest, Ednéia Alkamin, respondeu que haverá uma comissão de seleção que irá selecionar os projetos e depois os encaminhará para aprovação do CRBAL. “Essa comissão pode ter participantes de outro setor, ainda está sendo estudado como vai ser isso, eu acho importantíssimo que essa comissão de seleção tenha elementos técnicos, trazer universidades e terceiro setor para participar”. Ou seja, o edital está sendo publicado e ainda não há metodologia definida para seleção.

Segundo o Ministério Público, a reunião convocada pelo IAT desrespeita a autoridade judicial, já que o órgão do governo não esperou a decisão da Justiça sobre a validade da composição do conselho e a aprovação “apressada”, segundo o MP, dos 15 projetos do governo.

Em manifestação protocolada na última sexta-feira (4), os promotores afirmam que “a convocação para a mencionada reunião pressupõe a consolidação de todas as indevidas destinações das verbas com desvio de finalidade e da arbitrária definição de que apenas aproximadamente 12% da verba dirigida ao FEMA seria acessada com projetos submetidos a um edital de chamamento público”.

Ainda é aguardada a decisão do juiz Flavio Antonio da Cruz, da 11ª Vara Federal de Curitiba, sobre o pedido liminar de cumprimento de sentença para anulação das decisões tomadas até agora pelo CRBAL e obediência aos termos do acordo.

Entenda discussão sobre compensação ambiental pelo desastre da Repar já dura 21 anos. Arte: João Marcelo/OJC.

Prejuízos no Paraná mostram urgência ambiental

Pesquisas realizadas com dados abertos apontam que o Paraná está longe de ser o estado mais sustentável do Brasil. Segundo o último Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, o Paraná está entre os três estados que mais desmatam o bioma no país. Outro levantamento aponta que o Paraná destruiu 5.710 hectares de floresta só em 2020, o que corresponde a 59% do desmatamento na região sul do país. Os dados foram os últimos levantados pelo MapBiomas.

Do Comitê de Bacias Litorâneas, Paulo Marques conta que o Paraná já vive problemas sérios por causa da diminuição da cobertura vegetal. “O problema da crise hídrica não é a falta de chuvas, mas sim a falta da capacidade de retenção da água das chuvas nas bacias hidrográficas, que está diretamente ligada ao uso do solo”.

Marques explica que a maior capacidade de retenção da água é nas florestas. “Ali a água cai, demora um tempo para escorrer pelas árvores, penetrar no solo e chegar ao lençol freático, que vai chegar ao rio. O modelo de represas para retenção de água tem limite”. O biólogo lembra um exemplo paranaense: “pela primeira vez nós passamos dois anos de racionamento de água na região de Curitiba porque as represas não deram conta de reservar toda a água necessária. Isso acontece porque nós modificamos o entorno, retiramos as florestas”.

Publicidade do governo do Paraná na BR-116 (Rio Negro-PR), em janeiro deste ano, mostra harpia no centro do slogan “o estado mais sustentável do Brasil”. Ave de rapina em extinção precisa de florestas em bom estado de conservação para sobreviver. Foto: OJC.

Ficar sem água é um problema que afeta a população duas vezes: há escassez na torneira e também alta do preço dos alimentos. Com a estiagem provocada pela destruição de florestas no sul e na Amazônia, a produção agrícola tem menor rendimento. Menor oferta e igual demanda resulta em subida de preço de vários produtos, entre eles a carne, que depende da soja e do milho para sua produção.

Os produtores agrícolas do Paraná estão vivendo os prejuízos da diminuição das florestas. Na primeira safra de soja 21/22, a expectativa de colheita de 21 milhões de toneladas no estado caiu para 12 milhões, uma perda de 57%.

As perdas não são pontuais. No ano passado a estiagem já afetou a produção de milho safrinha do estado, com perda de mais de 60%, a maior perda histórica. Segundo o analista de milho do Departamento de Economia Rural do estado, Edimar Gervásio, as mudanças climáticas são as responsáveis. “O principal fator é a estiagem. Tem outros também, como as temperaturas mais baixas no período noturno que o Paraná vem registrando”. 

Cobertura vegetal do Paraná precisa ser ampliada e protegida

Segundo a Rede Pró Unidades de Conservação, uma ação possível seria a estruturação e regularização de unidades de conservação (UCs). O item 4.2.1 do Termo de Acordo Judicial prevê ao menos 40% dos valores devem ser destinados às UCs para ações de implementação, ampliação, proteção, estruturação, fiscalização e regularização fundiária dessas áreas.

Sobre a regularização fundiária, o acordo permite que o recurso indenize proprietários de terra que tiveram seus imóveis demarcados como UCs. A não indenização dos proprietários e consequente permanência deles dentro das unidades impede a realização de ações de conservação.

Questionado sobre o uso do recurso para este fim em 26 de janeiro, o secretário da Sedest e presidente do conselho, Márcio Nunes, afirmou que “juridicamente isso não é possível, estas pessoas precisam ser pagas pelo Tesouro do Estado, então não existe possibilidade do acordo servir para indenização”.

Pelo acordo, no entanto, esta é uma possibilidade. Segundo a bióloga e diretora executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, Angela Kuczach, “o recurso pode e deve ser aplicado para regularização e outras ações dentro de uma lista de prioridades nas UCs”.

A Rede Pró UC pediu ao Instituto Água e Terra (IAT) dados do levantamento da área e da quantidade de proprietários que precisam ser indenizados no estado. “Perguntamos via Lei de Acesso à Informação. O IAT respondeu que não tem esse dado. É responsabilidade do estado fazer este diagnóstico”, afirma Kuczach.

Sobre outros diagnósticos das UCs, a reportagem do OJC perguntou ao IAT onde esta informação está disponível. O IAT informou que o levantamento é interno e ainda não fez a divulgação.

Segundo o diretor de relações institucionais da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (ANAMMA), Mário Mantovani, os projetos propostos pelo governo precisam ser realizados, mas não com o recurso para conservação ambiental. “Os recursos não eram para isso. A situação foi forçada para que os projetos se enquadrem no interesse eleitoral. A forma como o governo do Paraná está fazendo é eleitoreira, é uma competição com o governo federal para ver qual governo é mais nocivo ao meio ambiente”, afirma.

O que diz o governo

A reportagem do OJC perguntou ao IAT qual foi a metodologia utilizada para elaboração dos projetos. O IAT encaminhou nota afirmando que “os projetos e planos elaborados e apresentados ao CRBAL estão pautados na política estadual e no plano de governo, amparados na agenda ambiental 2030, Race to Zero e os compromissos da Declaração de Edimburgo”. Ainda disse que usou como referência as áreas estratégicas prioritárias para conservação e restauração do Estado do Paraná e seus corredores ecológicos, “como previsto na Lei Federal n.º 9.985/2000”.

Ainda perguntamos se o IAT fez um diagnóstico sobre as unidades de conservação do estado para propor os projetos. A resposta foi que “o IAT elaborou diagnóstico de suas 70 unidades de conservação no ano de 2020, documento interno que respalda todo o planejamento estratégico e as políticas ambientais voltadas ao patrimônio natural e executadas através de programas como o Paraná Mais Verde, Programa Estadual de Educação Ambiental, PREVINA, Parques Paraná, dentre outros estabelecidos e amplamente divulgados”. O IAT não informou se irá divulgar o “documento interno”.

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