Gostou da bicicleta amarela? Que tal um buggy verde?

Startup curitibana vai produzir veículos para serem compartilhados na cidade

A startup curitibana eiON tem planos de fabricar já no ano que vem e colocar nas ruas da capital do Paraná modelos de carros compartilhados. Os veículos, que serão fabricados em solo brasileiro, não apenas poderão seguir o estilo ‘free floating’ das bicicletas amarelas que circulam hoje pela cidade como serão elétricos, reacendendo um tema que desperta atenção mundial: a mobilidade sustentável.

Cidade inspiradora no quesito Meio Ambiente, Curitiba deixou de falar de transporte elétrico em 2016, quando acabou o contrato de comodato com a Renault e a Itaipu Binacional. Na época, dez carros e três miniônibus elétricos integraram, por dois anos, a frota oficial da prefeitura. Atualmente, de acordo com o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), não há projetos públicos nem licitações previstas neste sentido.

Ainda assim, um grupo de empresários da cidade decidiu criar a startup eiON (Elétrica, Inteligente e Conectada) e investir milhões em uma ideia que, segundo seu criador, tem plano de negócios, qualidade e interessados suficientes para fazer da mobilidade elétrica realidade em vários estados brasileiros, inclusive com padrão exportação.

“Escolhemos o buggy por ser um veículo de custo menor e já utilizado em cidades litorâneas. Nosso projeto piloto foi montado para Curitiba, totalmente adaptado ao clima paranaense, com capota de lona”, explica Milton dos Santos Júnior, engenheiro eletricista, advogado e fundador da eiON. “Comecei o projeto sozinho, nas horas de folga, em agosto de 2017, por uma motivação pessoal. Ao ter meu filho diagnosticado com autismo, soube da possível relação da doença com a poluição atmosférica e busquei algo que pudesse contribuir, não só com o Meio Ambiente, mas também com a redução de doenças ligadas e este mal. Sem falar da poluição sonora, causada pelos veículos à combustão, que incomoda muito as crianças autistas.”

Depois de um ano de trabalho, com o primeiro protótipo quase pronto, o engenheiro buscou parceiros. “Encontrei amigos que já fabricavam buggys e adaptamos a mecânica, a elétrica e principalmente os nichos de mercado, para não bater de frente com as grandes montadoras.”

A fabricação será em série e incluirá outros quatro modelos, além dos buggys. “Temos um já pronto e outros dois em produção. Estamos em tratativas com fornecedores da indústria automobilística, adaptando estes modelos para autopeças tradicionais, de mercado, com segurança adequada e custo reduzido para, assim, conseguir estruturar a produção em série e a quantidade mínima adequada para atender ao mercado e deixar a linha de produção pronta”, assegura.

Os modelos da eiON.

O empreendedor adianta que o nicho de mercado inicial dos buggys serão as cidades litorâneas do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul e Nordeste. “São lugares que já têm um grande mercado de buggys, voltado ao Ecoturismo, como hotéis, resorts e receptivos turísticos, por exemplo, além de trilheiros, associações e clubes de lazer que utilizam o veículo. Seremos uma opção para a mobilidade sustentável nestes locais cercados pela natureza.”

Dos parceiros da eiON vieram os subsídios para o projeto. Por enquanto, não houve aporte externo nem participação em programas de aceleração de startups. Segundo Santos, mais de 20 engenheiros e empresários estão envolvidos no trabalho, “a maioria de forma voluntária, devido a um alinhamento de princípios e valores”.

Da esquerda para direita, Elton Caron, Maurício Ruthes, Leandro Pirajao e Jorge Badotti.

Padrão exportação

Mesmo assim, os investidores já aparecem na chamada ‘janela de oportunidades’. “Desde o início, estava ciente de que seria um grande desafio, mas sabia que se ele fosse vencido teríamos uma boa oportunidade de fazer a diferença no Brasil, pois temos todos os elementos para criar uma grande montadora nacional de veículos elétricos. Estamos num dos maiores polos automobilísticos do país, que é a Região Metropolitana de Curitiba. Temos a estrutura, a mão de obra especializada e a existência de uma cadeia de autopeças de qualidade, com a segurança necessária para um padrão exportação”, avalia Santos.

Com um buggy já pronto e dois em produção, a eiON aposta nma “avalanche” de mudanças, prevista para 2025. “A tendência mundial é que, em dez anos, haja a troca total dos carros à combustão pelos elétricos e queremos estar bem estruturados para conseguir surfar esta onda, que começou lá na China, passou pelos EUA e já chegou na Europa, como na Alemanha e na Holanda”, aponta ele, destacando o início de negociações internacionais. “Quando maturamos o projeto também nos deparamos com outras oportunidades de negócios. Nossa passagem pelo Salão do Automóvel 2018 e pelo lançamento do Centro de Tecnologia de Veículos Híbridos e Elétricos da Fiep chamou a atenção de investidores do Havaí, Canadá, América Central e África, fazendo com que o mercado de exportação se abrisse a nossos planos.”

Para a expansão, o empresário enxerga como vantagens a busca mundial por sustentabilidade e redução de custos, além da fabricação própria. “Estamos estruturando a escala de produção em série para conseguirmos diminuir o preço final dos carros. Isso implica no desenvolvimento de baterias mais baratas pois elas representam cerca de 45% do valor total dos carros elétricos.”

Santos com sua criação: ideia veio de caso de autismo na família

Produzido com baterias recarregáveis de íon-lítio – de três empresas distintas, ainda em teste de desempenho – e com motor da WEG, o buggy conta com um powertrain totalmente elétrico e deve concretizar a eiON como exclusiva fabricante nacional deste setor. Hoje, o único veículo totalmente elétrico vendido no Brasil é o BMWi3, da montadora alemã BMW. Com autonomia de 180 km, o carro importado custa R$200 mil.

Em quatro versões, o buggy power elétrico da eiON parte do modelo econômico – ao custo de R$99 mil e autonomia de 150 km – até o modelo luxo – com custo inicial de R$219 mil e autonomia de 500 km.

Sobre o carsharing, Santos diz que é uma tendência mundial e que a empresa já utiliza o primeiro modelo do buggy para o processo de homologação no Denatran. “Seguimos com ensaios e testes e até o fim de 2020 queremos estar comercializando e compartilhando os modelos em Curitiba”, confirma.

O grande desafio

O receio da eiON de não bater de frente com as grandes montadoras se mostrou acertado em novembro, durante o Salão do Automóvel 2018, em São Paulo. Foi quando as gigantes Chevrolet, Nissan e Renault lançaram, respectivamente, seus modelos elétricos: Bolt, Leaf e Zoe.

Concorrentes das grandes montadoras.

Com custos acima de R$140 mil, as barreiras para o mercado dos elétricos, no entanto, vão além das cifras. “Na maior parte das grandes cidades, a mobilidade urbana é o grande problema, por dois aspectos: pela emissão de poluentes atmosféricos e gases de efeito estufa e também pela acessibilidade”, destaca o diretor-presidente do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) André Luiz Ferreira, professor de gerenciamento ambiental da Universidade de São Paulo (USP).

Engenheiro mecânico e especialista em sistemas energéticos, Ferreira lembra que a legislação brasileira estabelece níveis máximos de poluentes atmosféricos mais flexíveis do que recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS). “O que mais contribui para a poluição do ar são os pontos industriais e a frota de veículos.”

André Luiz Ferreira, da USP: frota é desafio para cidades.

Curitiba tem uma das maiores frotas brasileiras de veículo por habitante (0,8%) e uma taxa anual de crescimento de frota de 4%. Só na Capital, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) registrou 1.551.463 milhão de veículos em dezembro de 2018. Em todo o Paraná, no mesmo mês, o número chegou a 7,5 milhões.

“Precisamos de tipos alternativos de mobilidade urbana e já há uma tendência mundial de substituição do carro à combustão pelo elétrico, assim como há um consenso entre especialistas e população de que a quantidade de carros, e como os usamos, é algo nocivo para as cidades e seus habitantes”, garante o urbanista e doutorando em Gestão Urbana, Marlos Hardt, professor de Arquitetura Sustentável e Gestão Racional de Recursos na PUCPR.

Marlos Hardt: modelo tem bons resultados na Europa.

Hardt vê com bons olhos o compartilhamento de veículos elétricos em Curitiba. “Muitas cidades da Europa, Estados Unidos, Rússia já usam deste modelo com resultados positivos, porém, tudo tem que ser bem regulamentado pois é preciso pensar também na gestão e uso do solo. O veículo elétrico reduz a poluição ambiental mas continua interferindo no trânsito e pode gerar impactos de geração de energia e descarte de baterias. A energia que os alimenta deve vir de fontes limpas e renováveis e o descarte precisa ser muito bem elaborado”, alerta o professor.

Já para o docente da USP, a melhor solução ainda está no coletivo. “A eletrificação veicular é uma boa aposta mas não se deve esquecer que existe uma disputa pelo uso das vias nas grandes cidades e priorizar o uso dos elétricos pode gerar o que chamamos de ‘ecocongestionamento’. Por isso, estimular apenas a eletromobilidade individual é controverso. O essencial é promovermos debates e investirmos em mobilidade sustentável, que exige soluções para o transporte público”, recomenda André Ferreira. “Compartilhar ajuda mas precisamos aumentar a oferta e a qualidade do serviço público, além de eletrificar o transporte coletivo”, conclui.


Frota ecológica de Curitiba é movida a biodiesel mas não possui nenhum veículo elétrico.

CARSHARING

O que é?

Sistema de compartilhamento, ou locação, de veículo que visa reduzir a frota e o fluxo de automóveis e, com isso, a liberação de dióxido de carbono (CO2) no Meio Ambiente. Recentemente, modelos elétricos vêm sendo compartilhados nos grandes Centros Urbanos da Europa, Ásia e Estados Unidos. A diferença com o modelo tradicional de locação é o tempo de uso. No carsharing o condutor pode alugar e usar o veículo apenas por algumas horas. Para o usuário, a economia, além do valor, está no tempo gasto no trânsito e na redução do estresse, já que os veículos são devolvidos em pontos próprios alternativos ou, como acontece em algumas cidades, deixados em vagas exclusivas para eles.

Modelos:

Round Trip – o veículo é retirado e devolvido no mesmo ponto de embarque. Geralmente utilizado por locadoras tradicionais.

One Way – o automóvel é retirado em um ponto, utilizado e deixado em qualquer um dos pontos de entrega espalhados pela cidade.

Free Floating – os carros estão espalhados por áreas específicas (home zones), dentro de um bairro. O usuário aluga o veículo no local mais próximo, libera via aplicativo e o devolve em qualquer local dentro da área estabelecida. É o modelo utilizado pelas yellow bikes.

Tipos de Frota:

Empresarial – o carro é de propriedade de uma empresa, que administra o serviço de compartilhamento do veículo a pessoas ou outras empresas.

Individual – o carro é particular e, por meio de uma empresa que administra o serviço de compartilhamento, é locado para terceiros por tempo determinado.

Usuários:

Segundo o World Resources Institute (WRI), ONG ambientalista americana, ao menos cinco milhões de pessoas no mundo já utilizam o sistema de carsharing, um mercado que – de acordo com pesquisas da consultoria inglesa PwC – deve movimentar U$ 335 bilhões em negócios até 2025.

No Brasil, estima-se que ao menos 100 mil pessoas já desfrutem dos benefícios do sistema. Ainda assim, a oferta e a demanda restritas, bem como, a ausência de uma legislação específica, a dificuldade de produção em série e a restrição na importação de carros elétricos são tidas como as principais barreiras para a expansão das empresas de carsharing no país.

Por aqui:

O início do carsharing no Brasil se deu em São Paulo, em 2009, com a Zazcar e toda frota movida à combustão. Os elétricos só chegaram por lá em 2017, fabricados pela BMW e administrados pelo LDS Group. Eles representam uma parte da frota da empresa, são isentos do rodízio e têm autonomia máxima de 160 km, custando ao usuário aproximadamente R$1,20 por minuto utilizado. O aluguel é via aplicativo e o modelo de compartilhamento utilizado é o ‘free floating’.

O destaque para os não poluentes, no entanto, fica no Ceará, onde a VAMO completou dois anos de atuação, em uma parceria público-privada com a prefeitura de Fortaleza. Há pontos de recarga espalhados pela cidade e vagas exclusivas para os veículos compartilhados. O sistema se integra aos demais modais de transportes. O custo é de R$15 para 30 minutos e R$20 para até uma hora de uso. O compartilhamento também se dá via aplicativo.

Em Curitiba, três empresas já tentaram criar raízes neste setor. Apenas uma ainda está no mercado, a startup moOibe. Vinda de SP em meados de 2018, chegou ao Paraná depois da falência das antecessoras (Fleety e Pegcar), já com o conceito de Economia Colaborativa. Sem frota própria, a empresa cadastra donos de veículos, que alugam seus automóveis para outros usuários, também cadastrados. As locações, no entanto, são diárias e nenhum veículo é elétrico. Tudo é realizado por aplicativo.

“Não deu certo ainda porque ninguém produzia o carro. Também havia inconsistência nos planos de negócio. Para compartilhar, o carro tem que ser barato e o modelo tem que ser privado, mas de acesso coletivo, de forma a não depender do poder público. Assim, o processo se torna escalável e replicável”, acredita Santos, o criador do buggy elétrico curitibano.

POLUIÇÃO X AUTISMO

Estudos da Universidade de Harvard, em Massachusetts (EUA), publicados na revista “Environmental Health Perspectives”, em 2014, concluíram que grávidas expostas a fumaça de veículos e chaminés podem aumentar (quase duplicar) o risco de ter uma criança com autismo. Em 2015, foi a vez da Universidade de Pittsburgh, na Pensilvânia (EUA), associar o desenvolvimento da doença à poluição atmosférica. “Os pesquisadores reforçam a teoria de que os poluentes ambientais, além do fator genético, desempenham um papel importante na evolução do autismo”, reforça a psicoterapeuta Kalini Boeing, da Clínica EloClin, especialista em Psicologia Sistêmica.

A profissional destaca ainda os males da poluição sonora em crianças autistas. “Elas processam o som de uma forma diferente e lugares muito barulhentos, como o trânsito, geram maiores dificuldades de atenção. Nestes ambientes, essas crianças experimentam uma confusão de estrondos e zumbidos, fazendo com que criem sua própria ‘concha’”, ressalta Kalini.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), sete milhões de pessoas morrem no mundo, todos os anos, vítimas de doenças ligadas às mudanças climáticas. As principais são: asma, câncer e acidente vascular cerebral (AVC).

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