Favorito nas urnas, reitor da UFPR quer compromisso de renúncia de segundo lugar

Ricardo Marcelo tem apoio de quase todos os setores contra candidato de perfil bolsonarista

Ricardo Marcelo Fonseca disputa sua eleição para reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) como favorito nas urnas. Um manifesto em favor de sua candidatura mostra que as chefias de quase todos os setores e departamentos o apoiam – situação muito mais confortável do que na disputada eleição de 2016 contra Marcos Sunye.

Dessa vez, o oponente é Horácio Tertuliano Filho, diretor do Setor de Tecnologia, e um raro espécime da direita mais radical na universidade. O maior risco para um novo mandato do atual reitor, aparentemente, é vencer a eleição mas não levar: seu adversário poderia ser favorecido pela proximidade ideológica com Jair Bolsonaro, que em última instância é quem nomeia o reitor.

Por isso mesmo, Ricardo Marcelo vem cobrando desde já do opositor um compromisso com uma tradição de mais de três décadas na UFPR: que o derrotado nas urnas retire seu nome da lista tríplice enviada ao presidente. Até aqui, no entanto, sem êxito. Leia mais na entrevista abaixo.

O cenário político do país mudou tremendamente desde sua eleição em 2016. Como isso influi na disputa interna?

A Universidade é uma instituição pensante por definição, e obviamente o que acontece em nosso entorno afeta as suas percepções. Temos sempre que responder aos desafios que o nosso tempo nos apresenta e os tempos atuais nos colocam tarefas gigantes. A pandemia mostrou como a universidade pública, a ciência e os cientistas devem ter um papel de protagonismo crescente na nossa sociedade, para nosso próprio bem, nossa saúde e para nosso desenvolvimento. E o que importa é enfrentarmos os imensos desafios que se apresentam agora, ligados a modernizar o ensino, a extensão e a pesquisa, além de sermos mais eficientes no diálogo com a sociedade e na captação de recursos externos. Devemos olhar pra frente, sem vacilações e oportunismos. O resto é distração.

O sr. cobrou de seu adversário na eleição um compromisso de que retiraria o nome da lista em caso de derrota nas urnas. Por que isso é importante?

Basicamente por dois motivos. Primeiro, porque é assim que a UFPR faz há 35 anos. Em todas as eleições para reitor desde a redemocratização brasileira foi assim que se fez. No meio desse caminho, em 1988, a Constituição brasileira transformou essa demanda em preceito constitucional e instituiu a regra da autonomia universitária, inclusive no âmbito administrativo. E isso não é trivial, há valores implicados nesses compromissos, muitas lutas históricas empenhadas nessa tradição. E o mínimo que se espera de quem quer ser reitor da UFPR é respeito à UFPR e sua história.

O segundo motivo tem a ver com algo que todos perseguem e que está inclusive na própria retórica do governo: a necessidade de eficiência e funcionamento adequado das nossas universidades federais. Universidades são instituições complexas e plurais que pulsam liberdade e inteligência. É um desafio geri-las ainda que com a legitimidade da comunidade interna; é impossível geri-las sem essa legitimidade. Aqui lideranças ilegítimas teriam imensa dificuldade em conduzir conselhos superiores, reuniões, diálogos internos e externos. Teriam menos reconhecimento e respeitabilidade. Tenho dificuldade em entender quem desejaria algo assim para sua biografia e para a sua universidade, que certamente entraria em estagnação ou até andaria para trás – e ficaria mais fraca.

Por essa razão que eu digo desde a largada: se não formos legitimados pelo voto da maioria de nossa comunidade, não prosseguiremos e nos retiraremos do processo perante o MEC. Entrar desse jeito na reitoria seria uma vitória de Pirro, além de uma desonra.

Seu opositor fala que a universidade é um antro de doutrinação ideológica. Como o sr. vê essa acusação?

Tenho até dificuldade de enfrentar uma questão absurda como essa. Parece que voltamos ao embate com aqueles “haters” e detratores da universidade que vimos nas redes sociais nos últimos anos, que, via de regra, ou nunca tinham botado os pés numa universidade pública ou tinham outros interesses não revelados ao circularem “fake news” como essas. Mas debater este tema quando ele é levantado por alguém que é de dentro da UFPR e que diz conhecer bem nossa instituição me soa surreal. Os integrantes dos nossos conselhos superiores (nossos adversários fazem ou fizeram parte por vários anos) jamais levantaram a existência desse problema ou propuseram qualquer encaminhamento a respeito. Considero estranho demais que esse debate apareça agora no momento eleitoral.

Sobre o mérito desta questão nossa posição é e sempre será a seguinte: a universidade é um ambiente de liberdade, com espaço e abertura para todas as formas de pensamento dentro de um arco democrático e civilizado, e assim deve continuar sendo. Se não respeitar a pluralidade nas ideias e nas ações, a universidade torna-se menor e mais fraca. E creio que o que fizemos nos últimos anos à frente da gestão da universidade comprova isso que defendemos.

Quais seriam suas principais propostas para o segundo mandato na área do ensino?

Embora a vocação do nosso ensino na UFPR seja presencial, devemos incrementar o uso das novas tecnologias como aliadas do aprendizado – e o atual contexto de ensino remoto tem nos ensinado algo sobre isso. Prosseguir o processo de curricularização da extensão nos nossos cursos, buscando interlocução mais eficaz com a sociedade. Dar suporte e apoio às licenciaturas, inclusive mantendo programas de formação de professores com recursos próprios, para valorizar a nossa relação com outros níveis de ensino. Ter um olhar carinhoso para a educação profissional e tecnológica. Aproximar os eixos da graduação e da pós-graduação, sempre buscando incrementar a qualidade da formação intelectual e profissional dos nossos alunos. E fazer tudo isso sempre levando em conta o suporte necessário para a inclusão (inclusive digital) dos estudantes que tiverem vulnerabilidade sócio-econômica. Mas isso é só um resumo: em nosso site de campanha tudo sobre o ensino e sobre os demais eixos está mais bem exposto.

Lembro que ao ser eleito o sr. disse que a universidade, dentre outras funções, deveria ser a voz do bom senso na sociedade. Como fica essa função no atual momento político do país? A UFPR, na sua avaliação, tem conseguido fazer isso?

Essa função é inerente ao que fazemos, deve ser parte de nossa inserção na sociedade e sempre se renova a cada momento. Neste contexto de pandemia, em particular, vejo um crescimento notável do protagonismo da universidade: as atenções dadas à ciência e aos cientistas (e lembremos que, ao menos no Brasil, eles estão principalmente na universidade pública) são maiores a cada dia. Quando a crise sanitária chega ao ponto dramático em que está agora, nota-se de maneira muito mais clara como a mera opinião não pode ser mais forte que a ciência. Se algum nosso ente querido ficar doente agora, vamos querer que ele seja diagnosticado e tratado por alguém muito bem formado nos melhores e mais sólidos protocolos acadêmicos. Agora “caiu a ficha” de que cultivar a ciência de modo consistente e permanente é importante para nossa soberania e também para a nossa própria sobrevivência. E acho, sim, que a nossa a UFPR tem sido uma voz cada vez mais ouvida e respeitada para fora dos nossos muros. E vamos trabalhar para que seja cada vez mais assim.

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10 comentários em “Favorito nas urnas, reitor da UFPR quer compromisso de renúncia de segundo lugar”

  1. E quem é que vota com chefia? A consulta é paritária, caro jornalista. Que papelão este site vem fazendo… A eleição é desse.jeito porque o reitor abusou do seu poder e atropelou todo o processo, começou a fazer campanha antes do tempo, com profissionais arriscando a vida no hospital universitário. Criou editais com dinheiro que “surgiu do nada” depois de dizer que a universidade iria fechar. Parte desse comentário foi editado por conter acusações sem provas e pelo comentarista não se identificar adequadamente. A eleição é a que o reitor pediu pra que fosse, porque tinha medo da real concorrência.

      1. São fatos, professora e ex-vice do Ricardo. Estão na mídia. Se seu colega se importasse com democracia teria se afastado. Teria proposto resoluções em que o reitor não fosse presidente de todos os conselhos, chefe da unidade de processos administrativos. Teria sido transparente sobre o papel que quer pra universidade de puxadinho da Funpar. A Universidade abre a boca pra pedir democracia mas ela mesma está muito longe de ser democrática.

  2. Ofende o candidato chamando-o de “rara espécime” e exige renúncia? Kkkkkkk que piada! Mais piada é ver o nome do site “plural” que de nada é plural, apenas mais um gueto esquerdista!

    1. Desde a redemocratização e da criação das eleições paritárias para o cargo de Reitor da UFPR, há acordo para que o segundo colocado renunicie e assim venha a prevalecer a decisão da maioria da comunidade universitária, não dando ao presidente ou à presidenta, seja lá quem for, ter outro nome para homologar que não o do vencedor da eleição.
      É isso que está sendo cobrado: que o acordo seja respeitado pelos dois candidatos nesse pleito.
      Caro Jorge, não tenta aqui esse joguinho de ódio, tá? Isso fica bem no facebook, fica bem no insta, mas aqui não.
      Argumenta, por favor, mas ataque ao veículo não.

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