Direito desportivo não é suficiente para combater discriminação nos estádios

Casos de racismo e homofobia devem ser levados à delegacia, alertam advogados. Violência no futebol foi debatida na quarta-feira pela OAB-PR

O Direito Desportivo prevê punições para clubes cujas torcidas fazem manifestações racistas ou homofóbicas, mas não é suficiente para combater o preconceito no futebol, concluíram advogados, torcedores e desportistas que participaram de uma audiência pública realizada pela seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) na quarta-feira (29) para debater a violência no futebol. 

A audiência foi motivada pelos episódios recentes de violência registrados em estádios de Curitiba, como o confronto entre torcedores do Coritiba e do Palmeiras, no dia 12 deste mês, nos arredores do estádio Couto Pereira. Na última terça-feira, uma torcedora foi agredida com um tapa no rosto durante o jogo entre Athletico e Libertad, na Arena da Baixada, pela Copa Libertadores da América.

Participaram do debate representantes das torcidas organizadas dos três times de Curitiba, da Polícia Civil, da Polícia Militar, do Ministério Público do Paraná, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e de coletivos femininos e LGBTQ+ das torcidas do Coritiba e do Athletico, entre outros.

Além da violência física, foram discutidas possíveis ações contra manifestações homofóbicas e racistas, como as registradas durante o jogo entre Corinthians e Boca Juniors, na quarta-feira, quando torcedores argentinos foram flagrados em vídeo fazendo gestos racistas e de supremacia branca.

“A violência muitas vezes começa como violência psicológica, parte de outras dimensões, vem de um assédio moral, de outros universos. O Direito Desportivo não vai dar todas as respostas”, afirmou a advogada Nahomi Helena, da Comissão de Mulheres Advogadas da OAB-PR e especialista em grupos vulneráveis.

Ela citou o caso dos torcedores argentinos para dizer que a punição não deve ficar restrita ao clube. “Não haveria possibilidade jurídica para que essas pessoas saíssem da cadeia. Porque no Brasil o racismo é crime inafiançável e imprescritível. A denúncia deve ser feita não apenas pela Procuradoria, dentro do Direito Desportivo, ela deve ser levada à delegacia e deve ser feito boletim de ocorrência”, afirmou Nahomi Helena.

“Vai apanhar”

Segundo Peterson Pereira, integrante do coletivo Coxa LGBTQ+, desde 2021 o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) não vem aceitando denúncias feitas pelas organizações. “Fizemos várias notificações ao STJD de situações de cantos homofóbicos e xingamentos, até 2020 elas eram acolhidas e analisadas”, disse. “Em 2022 teve uma mudança de compreensão do STJD, de que apenas a Procuradoria era competente para fazer esse tipo de manifestação”.

Coletivos de torcedores LGBTQ+ de vários clubes começaram a se organizar em 2019. No ano passado, eles formaram uma organização nacional, a Canarinhos LGBTQ+. “Tem a violência física, mas explícita, que a gente vê, mas também tem a violência velada”, afirmou Peterson Pereira; “Fui avisado que não posso ir ao estádio com essa camisa (do coletivo), porque eu vou apanhar”.

Para Higor Juan Bernardino, do coletivo Furacão LGTBQ+, as autoridades precisam parar tratar os autores de violência como se eles não fossem torcedores.

“É preciso parar de tratar como casos isolados, como se não fossem torcedores, como se não fosse futebol. Fica fácil jogar o problema para os outros. Isso tem que ser resolvido o quanto antes”.

Higor Juan Bernardino, integrante do coletivo Furacão LGBTQ+

“Existem outras violências e outros grupos que tão também são suscetíveis e que estão à margem”, disse o presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-PR, Eduardo Vargas. “A sociedade não tem espaço para a intolerância, seja política, de gênero ou étnica. O importante é que cada um seja feliz à sua maneira”. Ele lembrou que a legislação determina que o árbitro interrompa a partida em caso de manifestações racistas ou homofóbicas e relate o episódio na súmula.

Torcidas organizadas

Integrantes de coletivos de torcidas se manifestaram contrariamente ao fim das torcidas organizadas e criticaram o modelo de torcida única, adotado em Curitiba depois da briga entre torcedores do Coritiba e do Palmeiras. “A violência não é um problema das torcidas, e sim da sociedade. A bomba já chega armada na nossa mão”, disse Giovana Pedroso, representante da Anatorg (Associação Nacional das Torcidas Organizadas).

Em relação aos jogos com apenas uma torcida, o delegado Luiz Carlos Oliveira, da Delegacia Móvel de Atendimento a Futebol e Eventos (Demafe), lembrou que a solcitação foi feita pelos próprios clubes de Curitiba. Segundo o delegado, a briga que resultou na agressão de uma torcedora na Arena na última terça-feira começou porque o cunhado dela estaria fumando na arquibancada. Outro torcedor teria ficado irritado e partido para a agressão. O agressor escapou dos seguranças, segundo o delegado, mas a Demafe já solicitou as imagens ao Athletico.

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