Curitiba caminha para pior onda de Covid sem se recuperar de colapso anterior

Nova onda deverá ser mais forte no Sul e mais perigosa para as faixas etárias mais jovens

Curitiba e o restante do Paraná estão incluídos nos alertas sobre a configuração de um cenário ainda pior de Covid-19 nas próximas semanas. Indicadores sugerem que a dinâmica do vírus na capital caminha em direção a uma nova onda, a pior onda da pandemia até agora, e o fato de o município ainda não ter se recuperado do colapso provocado pelo pico anterior tende, na visão de especialistas, a agravar a situação. Com o esquema de imunização de idosos praticamente completo e a circulação de novas e mais agressivas variantes do corononavírus, a fase pode ser uma das mais complicadas para grupos de faixas etárias mais jovens – ainda não contempladas pela vacinação.

“Vai ser a pior onda de todas e isso é certo. E mais importante é que isso era sabido de um mês para cá. No começo eram indícios, mas a cada dia que se passava esses indícios iam se confirmando e hoje não há mais dúvida”, afirma o infectologista do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR), Bernardo Almeida Montesanti.

Os prognósticos estão, sobretudo, nos números. Praticamente todos os parâmetros de acompanhamento da Covid-19 em Curitiba têm avançado, o que levou a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) a cogitar a possibilidade de retorno ao mais alto nível de restrição de atividades, a bandeira vermelha. Apesar da ameaça, decreto publicado nesta terça-feira (18) pela prefeitura manteve o patamar laranja, com pequenas mudanças em horários de funcionamento de alguns serviços não essenciais e ampliando em uma hora o toque de recolher na cidade.

Sob pressão do comércio – esta semana shoppings de Curitiba fizeram uma campanha contra medidas mais restritivas – , o novo decreto mantém o perfil brando das medidas anunciadas nesta segunda (17) pelo governo estadual, embora o sistema de saúde do Paraná tenha colapsado já na sexta-feira (15), quando 300 pacientes contaminados pelo coronavírus aguardavam vaga de internação. No mesmo dia, a capital atingia um acumulado de casos 21% maior em comparação há 14 dias, reforçando a volta da curva ascendente.

A ressalva de Montesanti é que evidências ainda mais precoces já indicavam o retorno da alta da contaminação ao Paraná, a começar pelo aumento da circulação de pessoas com o relaxamento de medidas de isolamento social. A elevação na taxa de resultados positivos para testes de coronavírus foi outro sinal de alerta.

Dados extraídos dos boletins diários da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) revelam que na primeira semana de abril foram 12.945 novas confirmações somente de exames tipo PCR feitos na rede pública e em laboratórios credenciados. Na última semana do mês, os registros de novos casos, dentro do mesmo sistema, chegaram a 21.886. Como consequência, a taxa de transmissibilidade do Sars-Cov-2 – a Rt, que indica para quantas pessoas um contaminado é capaz de transmitir o vírus – também cresceu. A plataforma Loft, já usada como fonte pelo governo do Paraná, constata elevação da métrica de 0,94 em 30 de abril até atingir a segunda maior taxa nacional nesta terça (18), de 1,12, atrás apenas do Rio Grande do Norte.

“A gente já tem indicadores tardios demonstrando o movimento epidemiológico que vai acontecer, agora o próximo passo é colapso pleno do sistema de saúde e aumento de óbitos. Isso vai acontecer, é fato. Essa onda é tida como certa em Curitiba, no Paraná e no Brasil”, reitera o infectologista.

A situação dos hospitais corrobora a cautela. Nos últimos 15 dias, a espera de pacientes com coronavírus por internação no sistema público de saúde explodiu em todo o Estado, saltando de 277 em 2 de maio para 689 nesta segunda, conforme última atualização da Sesa. O crescimento de quase 150% no déficit de vagas exige ainda mais atenção porque, desta vez, o breve recuo foi ainda mais insuficiente e a demanda por leitos Covid-19 se estabilizou em um patamar maior do que o observado no intervalo das ondas anteriores.

Compilação sistemática feita pelo Plural com base nos números compartilhados pelas secretarias de saúde mostram que 24 de abril foi o dia de menor demanda por ocupação nas últimas semanas, tanto em Curitiba quanto no Paraná, com taxas de internação de, respectivamente, 90,09% e 93,80%.

Na avaliação de Montesanti, trata-se de um contexto alarmante pois indica uma aceleração de casos com ponto de partida em um sistema praticamente colapsado. O sanitarista Gilberto Martin Berguio, professor da Escola de Medicina da Universidade Católica do Paraná (PUCPR), concorda. Para ele, assim como a circulação de novas e mais perigosas variantes, a sobrecarga do sistema é um fator que certamente agravará a nova onda de Covid da qual Curitiba está se aproximando.

“Voltamos a ter aumento da ocorrência de casos, aumento da demanda por internações, por internações em leitos de UTI, ou seja, a gente começa a sentir de novo a pressão por demanda dentro do sistema de saúde, só que já partimos de um patamar com taxa de ocupação alta. Com a tendência de que comece a aumentar a demanda, em se confirmando essa tendência, a perspectiva que temos é bastante preocupante, de chegar ao ponto darmos conta”, considera o sanitarista.

Superonda no Paraná

Análises do Observatório Covid-19, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), referentes à última semana epidemiológica com dados fechados no país reforçam a possibilidade de um novo pico nacional da pandemia.

Apesar de ligeira redução nas taxas de mortalidade, o Brasil se mantém no maior patamar de óbitos desde que o coronavírus começou a circular por aqui – cerca de 2,1 mil por dia. A proporção em alta “exige que sejam mantidos todos os cuidados, pois uma terceira onda agora, com taxas ainda tão elevadas, pode representar uma crise sanitária ainda mais grave”, afirma o documento.

O alerta deve ser encarado com ainda mais precaução no Paraná e nos demais estados do Sul, onde esta nova onda tende a chegar mais inflexível, analisa o infectologista da UFPR.

“É o que as projeções demonstram. O Sul foi uma região em que se iniciou ciclo forte mais tardiamente se comparado ao resto do país, então isso faz com que a gente tenha uma população que ainda não contraiu a doença maior e com que estejamos em uma situação de maior vulnerabilidade em relação a novas ondas”, salienta. Para Montesanti, diferentemente do restante do país, o Paraná está entrando não na terceira, mas na quarta onda da pandemia. “Podemos dizer que temos aqui uma onda a mais comparada ao Brasil, que acabou emendando duas ondas entre o fim do ano e a de março e abril”.

A mudança no perfil de pacientes também deverá ser outro aspecto a ser considerado neste novo pico de registros. Na avaliação dos especialistas, a população mais jovem – de fora dos grupos prioritários da campanha de vacinação contra o coronavírus – deve agora reconfigurar de vez o perfil de internados nos leitos de Covid-19.

“Um tanto por conta das variantes e outro tanto por conta que a gente conseguiu pelo menos vacinar a população mais idosa e uma parte da população de risco, está mudando o perfil dos pacientes que estão chegando. Está mudando a gravidade desses pacientes, mudando o tempo em que eles ficam no leito de UTI, pois são mais jovens. O tempo está sendo maior do que era nas ondas anteriores, o que também é um indicador de preocupação”, acrescenta o sanitarista da PUCPR.   

Segundo Berguio, a falta de um planejamento nacional e unificado de combate à pandemia dificulta a adesão da população às medidas orientativas essenciais ao enfrentamento do coronavírus – o que tem tornado cada vez mais difícil a reversão da realidade mortal da crise.

“As aglomerações não param de acontecer, a circulação continua intensa, as pessoas, ou por cansaço ou por desinteresse ou por desinformação ou até por indução de informação equivocada, estão baixando a guarda em relação aos cuidados que têm que tomar para prevenir a transmissão do coronavirus. Nós temos autoridades públicas fazendo aglomerações, e quando a  gente tem orientações diversas, como agora, aí é que a população não vai aderir mesmo”.

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro provocou mais uma aglomeração depois de um passeio de moto em Brasília, e a inauguração do Memorial Paranista e do Jardim de Esculturas João Turin, no Parque São Lourenço, em Curitiba, também teve concentração considerável de pessoas. O prefeito Rafael Greca (DEM) estava entre os presentes e, apesar de vacinado, aparece cumprimento de perto outros convidados no evento, que contrariou decreto municipal. O evento foi denunciado ao Ministério Público do Paraná (MPPR).

“A população não está entendendo o nível e alerta porque a comunicação é falha nesse ponto, então qualquer medida feita hoje, seja de decreto ou de conscientização, agora já é tardia. O fato é que já poderiam ter sido tomadas outras medidas, não necessariamente restritivas, mas de comunicação, como vir à público mostrar os indicadores”, acrescenta Montesanti.

Considerando a atual dinâmica de transmissão do vírus no Paraná, e também a falta de uma interlocução mais direta e eficaz das autoridades políticas, o infectologista não descarta que o Estado tenha de enfrentar ainda mais uma onda nos próximos meses.

“Se continuar como a gente está fazendo em relação às medidas e às políticas relacionadas ao enfrentamento, vamos ter a quinta onda aqui no Paraná. Se na quarta gente não mudou a postura, por que esperar que vá mudar a partir de agora? Poderemos encarar, sim, uma quinta onda lá por agosto ou setembro”.

Nem a Sesa nem a prefeitura de Curitiba responderam às observações compartilhadas pela reportagem.

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7 comentários em “Curitiba caminha para pior onda de Covid sem se recuperar de colapso anterior”

  1. Relaxamento?….o comércio tá num abre fecha…. não tá aguentando….eu não visualizei nenhum relaxamento para o comércio…. estamos a mais de um ano, nesse fecha e abre…..se que não entenderam que isso não funcionou….está na hora de mudar a ideia e não mais continua insistindo no erro…. No início da pandemia até tudo bem , não saber o que fazer….mais ano depois, só demonstra que os governos são incompetentes, agora aparece especialista em toda esquina…

  2. Rina M Oliveira

    Se toda a população já estivesse vacinada estaríamos em uma situação bem melhor e não seria necessário o Fechamento.

  3. Maria de lourdes Rhinow

    Se cada um cuidasse de si, isto já teria acabado. Acontece que o próprio ser humano não tem amor próprio . Não sou a favor do fecha tudo, na minha família não tem nenhum funcionário público e nem político.

  4. Sim, é uma vergonha. Estamos sem Prefeito e Governador. Caminhamos para um cemitério sem fim na saúde e economia. Muita tristeza, familias dilaceradas e outras que ainda vão ficar, nesta campanha da vacina chegando de jegue. Tenho vergonha de fazer parte de uma cidade rebelde e sem liderança.

  5. Carlos Alberto de Carvalho

    É provável que isso aconteça embora dependa de muitas variáveis.
    Pergunto: O Dr. Montesanti tem um plano delineado e está disposto a colaborar com o Estado e o município para evitar essa onda?

    Se não, como diz o ditado: ” Muito ajuda, quem não atrapalha”.

  6. Obrigado Plural. Vocês continuam alertando e registrando, documentando o nosso tempo.

    O colapso do sistema de saúde em Curitiba e no Paraná emula o colapso em nosso sistema representativo. No lugar de políticos, estamos sendo governados por “homens de negócios”. O paroxismo da transformação da vida em objeto negociável: enquanto a ocupação de leitos recorrentemente tangencia 100%, enquanto os ônibus seguem lotados, enquanto as aglomerações ocorrem quase sem controle, esses homens de negócio negociam cinicamente nossas vidas. A lei, que deveria nos proteger a todos e todas, mais que letra morta, vai se transformando em letra de morte. Vide os recentes decretos de Greca e de Ratinho Jr (peço perdão pela digressão: estamos todos conscientes, mesmo, de que a história registrará – para sempre – este nome de governador de estado? Vocês, por acaso, acreditam que será apagada da memória histórica a Nau Capitânia versão 2000?).

    A tragédia anunciada, agora com o sofrimento e o apagamento das pessoas mais jovens, desperta uma curiosidade ansiosa e que causa horror: assistiremos a mais pessoas desesperadas em filas, morrendo sem assistência? Em Curitiba? No Paraná? Porque nossos governantes optaram por só ouvir seus iguais (outros homens de negócio guiados pela avareza, pelo negacionismo, pela visão míope que os aprisiona na avidez dos lucros a curto prazo e que lhes anestesia o coração, roubando-lhes a alma). Sim, há vacinas. Sim, seria perfeitamente possível traçar políticas públicas portadoras de futuro, assegurando a proteção das pessoas por meio de estímulo ao distanciamento físico, enquanto a vacinação avança. Sim, é possível agir com paciência e agir de modo conservador, particularmente quando se trata de conservar e proteger a vida. Mas eles: abrem Shopping e academia, promovem campanha publicitária de aglomeração no dia das mães, aparecem em público sem usar máscaras…

    Greca e Ratinho Jr são exemplos do fosso que acolhe e alimenta bufões e marionetes criadas em laboratórios de marketing, depois transformadas em governantes. Não há mais nem verniz de civilidade. Enquanto assistimos a países que decretam lockdown por conta de alguns poucos casos, ainda que tenham zerado óbitos (vide os exemplos de Singapura e da China), enquanto observamos esses países que, agindo com base na ciência e na promoção da vida comum, comprovam que é possível conciliar cuidado com a saúde e planejamento econômico, aqui em terras do sul brasileiro, testemunhamos a barbárie (ou alguém se atreveria a chamar as 5 mil mortes em Curitiba por outro nome?).

    Em Curitiba e no Paraná, ciência e cientistas funcionam como enfeite. Prefeito e governador acham melhor ouvir a Associação Comercial, não é mesmo?

    O que não percebem é que essas mortes nos assombrarão para sempre. Nossa memória coletiva. Esta chaga de sofrimento e destruição (alguém teria outra palavra para se referir ao impacto dessas 5 mil mortes?). A destruição da cidade. Do Estado. Curitiba e o Paraná se transformando num imenso cemitério. E vem mais!

    Resta continuar alertando e documentando. Resta continuar defendendo o que é certo: intensificar a vacinação, reforçar as medidas de distanciamento físico, realizar campanhas de conscientização, criar condições de acolhimento e apoio aos mais pobres. Levantar a bandeira da vida mais alto que qualquer outra bandeira. Porque é o certo a se fazer.

    Ao final da matéria, a jornalista Angieli Maros registra:

    “Nem a Sesa nem a prefeitura de Curitiba responderam às observações compartilhadas pela reportagem”.

    Nem a Sesa nem a prefeitura se importam de responder a um dos mais importantes veículos de informação do Paraná e de Curitiba. Por isso que os acuso de cínicos. Mas é mais que isso.

    O presidente do Brasil agiu deliberadamente para que o vírus se espalhasse sem controle em território nacional. Ainda que de maneira mais branda e sutil, ainda que em alguns momentos tenham agido de forma mais cuidadosa, o prefeito de Curitiba e o governador do Paraná seguiram e seguem caminho semelhante ao do presidente. Isso tem nome: necropolítica, genocídio. Por isso, devem ser responsabilizados. Não nos esqueçamos. Não permitamos que isso tudo caia em esquecimento.

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