O Plano Municipal da Primeira Infância lançado na véspera do Natal pelo prefeito Rafael Greca (PSD) deveria estabelecer as metas da cidade para o público de 0 a seis anos nos próximos dez anos e ser fruto de uma construção coletiva entre governo, pais e alunos e profissionais da saúde, educação e ação social. Mas o texto apresentado e que será enviado à Câmara Municipal de Curitiba em 2023 eliminou itens importantes defendidos por profissionais e a comunidade.
Entre os objetivos limados do texto final está a o incentivo a “processos democráticos de nomeação de diretores para os CMEIs, de acordo com o Programa de Gestão da Educação Infantil da SME de Curitiba”, a implementação de “um plano de carreira que valorize e incentive a carreira docente e a qualificação profissional” e o “aporte financeiro de 5% do valor de cada parcela do fundo rotativo para as unidades participantes do Programa” Leia+ que visa “mitigar desigualdades” na Rede Municipal de Ensino (RME), segundo apresentação da própria Secretaria Municipal da Educação (SME) sobre a iniciativa.
O Plural identificou as exclusões ao comparar a minuta prévia do Plano com a versão definitiva publicada no site da SME dias após o lançamento (faça o download dos documentos abaixo). O texto final também registrou mudanças sutis em alguns itens, como a inclusão de Centros de Educação Infantil em metas como a de “ampliar a oferta de vagas no Ensino Público.
Democracia nas escolas
Um dos itens mais importantes entre os objetivos do plano que foram tirados do texto final se refere a implantação da escolha democrática de diretores e diretoras de Centros Municipais de Educação Infantil. Atualmente os CMEIs ficam de fora das eleições diretas para direção. Mas a minuta do Plano indicava como objetivo:
Investir em processos democráticos de nomeação de diretores para os CMEIs, de acordo com o Programa de Gestão da Educação Infantil da SME de Curitiba – Garantir processos democráticos de nomeação de diretores que atuam nos CMEIs, de acordo com o Programa de Gestão da Educação Infantil da RME que prevê autoindicação de intenção profissional docente e a análise de conhecimentos que ocorre via formulário digital específico, organizado pelo Departamento de Educação Infantil. No tocante à iniciativa, o servidor interessado a autoindicação deverá atender à requisitos para a função de gestor na Educação Infantil, de acordo com o Caderno de Programa de Gestão.
Atualmente a rede municipal tem 230 centros municipais de educação infantil. Se implantada, a escolha permitiria que professores, funcionários e pais de alunos pudessem votar para escolher os diretores(as) e vice-diretores(as) dessas instituições. O item incluía a estipulação de avaliação semestral dos resultados e o prazo de um ano para implantação.
A escolha, pela comunidade escolar, dos gestores de escolas e centros de educação infantil é estipulada pela legislação nacional relativa a educação, que considera isso parte da autonomia escolar e da construção de instituições mais adequadas a realidade em que estão inseridas.
Plano de carreira para profissionais da educação
O tema “progressão de carreira” é visto com temeridade dentro do governo de Greca. Isso porque o prefeito mantém os planos de carreira dos servidores municipais congelados desde 2017. Também em dezembro desse ano, o mandatário curitibano conseguiu que a Câmara aprovasse uma prorrogação no congelamento dos planos de mais seis meses, período no qual a prefeitura promete apresentar novos planos.
As propostas apresentadas até o momento por Greca, porém, fazem menos pela promoção de servidores por resultados e qualificação e mais por implantar limitadores em ambas as possibilidades. Um dos textos, que está tramitando na Câmara, prevê a limitação de vagas para promoções e um “congelamento” do servidor que for promovido pelos próximos processos.
O problema é que sem a promoção na carreira corta-se o principal incentivo para que profissionais invistam tempo e recursos próprios em formação profissional. Além disso há má vontade da prefeitura em conceder licenças para que seus servidores possam fazer cursos de Mestrado e Doutorado, um dos principais diferenciais do setor público em relação ao privado.
No Plano Municipal pela Primeira Infância, o texto excluído previa:
1. Estimular a articulação entre pós-graduação, núcleos de pesquisa e cursos de formação para profissionais da educação, de modo a garantir a elaboração de currículos e propostas pedagógicas que incorporem os avanços de pesquisas ligadas ao processo de ensino-aprendizagem e às teorias educacionais no atendimento da população de 0 a 5 anos.
2. Implementar um plano de carreira que valorize e incentive a carreira docente e a qualificação profissional.
Fonte: Minuta prévia do Plano Municipal pela Primeira Infância de Curitiba
Mitigação de desigualdades na escola
Lançado em 2021, o programa Leia+, Liga pela Equidade, Igualdade e Alfabetizações da SME prometia ajudar a mitigar desigualdades na rede municipal de ensino. “Buscamos sempre possibilidades de trazer a nossas crianças e estudantes mais autonomia e a lógica da superação. Para isso, nos debruçamos sobre as questões dos direitos humanos, para garantir justiça social”, declarou a secretária municipal da Educação, Maria Sílvia Bacila ao portal de notícias da Prefeitura na época do lançamento.
O Leia+ constava na minuta do Plano da Primeira Infância em quatro objetivos:
- Assessoramentos in loco com o objetivo de incorporar e fortalecer ações equânimes no interior nas unidades, valorizando a diversidade, o conhecimento de mundo das crianças, de suas famílias e da comunidade.
- Formação continuada – Reflexão sobre os direitos das Crianças e princípio da Equidade.
- Elaboração de materiais de apoio aos professores(as) e sugestões de atividades que promovam as diversas linguagens das crianças na Educação Infantil
- Aporte financeiro de 5% do valor de cada parcela do fundo rotativo para as unidades participantes do Programa.
Os quatro desapareceram na versão final. No trecho de Garantia do Direito à Educação, onde esses objetivos estavam originalmente, o termo equidade: “Desenvolver ações que permitam consolidar a Equidade como um princípio de gestão nas unidades da RME”. As demais citaç
Falta de diálogo
A elaboração do Plano Municipal pela Primeira Infância é um desdobramento da política nacional de proteção à infância e do Plano Nacional pela Primeira Infância, que foi elaborado em 2010 e atualizado em 2020. A ideia é estabelecer de forma democrática um plano de ação que garanta às crianças nessa faixa etária a proteção e os direitos definidos em lei, em especial no Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Plano Nacional é resultado do trabalho coletivo das pessoas e entidades que compõem a Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) e estipula o papel dos entes do Estado e comunidades na garantia dos direitos da criança como “prioridade absoluta”, como previsto na Constituição Federal de 1988. Em Curitiba, porém, a comissão responsável pela redação do plano foi essencialmente composta por funcionários da prefeitura, mesmo entre os representantes de órgãos como o Conselho Municipal da Educação.
No dia do lançamento do Plano, nenhum dos dois vereadores que faziam parte da comissão, a vereadora Professora Josete (PT) e o vereador Dalton Borba (PDT) tinham o texto definitivo em mãos. Dias antes, na última reunião do ano no Conselho Municipal de Educação, não só o grupo não discutiu o texto final como comentou que apesar da indefinição sobre o assunto, havia um prazo para entrega do texto para Greca antes do fim de 2022.
O texto final segue agora para a Câmara Municipal de Curitiba para ser convertido em lei.
Confira as duas versões do Plano Municipal para a Primeira Infância
Minuta prévia do Plano
Texto final do Plano