Demora de relatório sobre escuta ilegal na cela de Youssef facilitou delações da Lava Jato

A Policia Federal demorou mais de seis meses para entregar ao então juiz Sergio Moro a sindicância sobre as escutas ilegais nas celas de Alberto Youssef, principal relator da Lava Jato. Esta demora permitiu aos procuradores da força tarefa fechar […]

A Policia Federal demorou mais de seis meses para entregar ao então juiz Sergio Moro a sindicância sobre as escutas ilegais nas celas de Alberto Youssef, principal relator da Lava Jato. Esta demora permitiu aos procuradores da força tarefa fechar o acordo de colaboração com os executivos da Odebrecht, o mais importante de toda a operação. Por outro lado, o relatório da PF, que poderia ter levado à anulação da delação de Youssef, saiu em maio de 2016, mas a defesa do ‘doleiro dos doleiros’ teve acesso ao conteúdo só em maio de 2023. 

Por esta razão, Youssef entrou com uma ação no STF pedindo abertura de uma investigação contra Sergio Moro, acusado de ter impedido aos advogados dos presos da Lava Jato de conhecer o conteúdo dos grampos. Por meio de uma nota, a assessoria de imprensa do senador do União Brasil afirmou que “qualquer insinuação de envolvimento do senador Sergio Moro é calunia porque o caso passou por vários juízes, sendo arquivado pelo juiz Bonat”.

O grampo e a Odebrecht

O dia 17 de março de 2014 foi a data da deflagração da primeira fase da operação Lava Jato, com a prisão de Alberto Youssef e dos outros três doleiros que utilizavam um escritório localizado no segundo andar de um posto de gasolina em Brasília para lavar o dinheiro de um traficante de droga. 

Os quatro ficaram presos na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba e durante onze dias após a operação as conversas dos doleiros foram interceptadas ilegalmente pelos delegados da PF. No dia 10 de abril, o equipamento de interceptação foi encontrado desmontado em diversas partes na cela n°5 e a Policia Federal abriu uma investigação interna para apurar o fato.

Um relatório de agosto de 2014, assinado pelo delegado Mauricio Moscardi Grillo, afirmou que “o aparelho para as interceptações estava inoperante e teria sido colocado naquele local em outro momento e com autorização judicial”. Em maio de 2015, o delegado Dalmey Werlang revelou ter colocado o aparelho a pedido dos policiais federais Igor Romário e Márcio Anselmo na cela no dia da chegada de Youssef a Curitiba. Os dois delegados negaram esta circunstância.

Por esta razão, o Corregedor Geral da PF instaurou uma nova sindicância para investigar este grampo não autorizado pela autoridade judiciaria. Ao final de outubro de 2015, a defesa dos executivos da Odebrecht que estavam sendo processados pelo então juiz Sergio Moro no âmbito de uma nova fase da Lava Jato pediu o aceso ao conteúdo do relatório da PF, supostamente para poder invalidar as provas obtidas e anular o processo.

Em 31 de outubro, como revela um documento ao qual o Plural teve acesso, Moro pediu a sindicância ao Corregedor Geral da PF Roberto Mario da Cunha mas ele respondeu que “a conclusão do apuratório estava prevista para o final de novembro de 2015”.

Dez dias antes desta resposta, um laudo pericial da Corregedoria Geral tinha certificado que por onze dias alguns agentes da PF interceptaram as conversar do principal doleiro da Lava Jato enquanto ele estava preso na Superintendência de Curitiba. Porém, nesses diálogos não foi encontrado nada que “pudessem ser usados contra os interlocutores”.

O documento não foi repassado ao juiz Moro que, em 8 de março 2016 proferiu a condenação contra Marcelo Odebrecht e os demais acusados mesmo sem esperar a sindicância da PF sobre as escutas ilegais.

Em um trecho da sentença, o então juiz responsável pela Lava Jato justificou a decisão afirmando que “caso a escuta ambiental clandestina tenha de fato ocorrido foi um episódio lamentável mas sem que disso seja possível extrair qualquer reflexo para a presente ação penal que não tem provas dela decorrentes”. Moro adicionou que não pediu uma cópia parcial da sindicância a Corregedoria porque poderia “gerar conclusões prematuras” sobre este episódio.

A Corregedoria produziu o relatório só no dia 6 de maio de 2016, quer dizer quase dois meses depois que a força tarefa da Lava Jato conseguiu fechar o acordo de colaboração com Marcelo Odebrecht, que levaria os procuradores às delações mais importantes de toda a investigação e a conseguir novas provas contra o atual Presidente Lula.

Apesar de tudo, o conteúdo da sindicância não teria sido encaminhado para a defesa de Alberto Youssef, quem teve aceso ao conteúdo apenas em maio de 2023 depois que a 13° Vara de Curitiba passou ao juiz Eduardo Appio. 

Se essa sindicância tivesse sido divulgada em novembro de 2015, poderia ter invalidado as provas contidas na delação de Youssef e assim complicado a negociação com os executivos da Odebrecht.

Com a nova ação apresentada pelo doleiro no STF, não se descarta a possibilidade de uma anulação da sua delação ou pelo menos uma revisão do acordo de colaboração que, como mostrou uma reportagem de Plural, poderia ter uma repercussão importante nos principais processos julgados pelo então juiz Sergio Moro.

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