A TVE Paraná em tempos de novo governo

Elson Faxina conta da relação entre política e jornalismo nas tevês educativas. E diz o que espera que Ratinho faça na tevê estatal paranaense.

Sempre que muda governo, as pernas da Rádio e Televisão Educativa do Paraná (RTVE/PR) começam a tremer. Vivi isso pelo menos três vezes. Na mudança do primeiro governo Requião para o governo Jaime Lerner fui chamado, juntamente com vários outros funcionários, de “homens do Requião” (e olha que tinha mulheres competentíssimas no meio). Estranhamente, oito anos depois, fomos chamados, e eu novamente convidado a deixar a TVE, de “homens do Lerner”. A história voltaria a se repetir oito anos mais tarde. Voltei a ser “homem do Requião”.

Aliás, isso não é exclusividade da RTVE. Como jornalista da Fundepar, fui chamado de “homem do Richa” (o pai, por favor) na virada para o governo Alvaro Dias, e quatro anos depois de “homem do Alvaro”, pela turma do Requião que aterrissava no poder estadual. Creio que só não fui chamado agora de “homem do Richa” (aí sim, filho) porque deixei antes o governo para ser professor da UFPR com dedicação exclusiva.

Na verdade, eu bem que fui tudo isso: homem do governador. Afinal, embora nunca tenha me esforçado para esconder meu pecado de ser um homem de esquerda – e pior, militante – num estado em que os coturnos soam como canção de ninar à maioria dos ouvidos, sempre atuei e atuarei como um ser democrático, desses tolos que acreditam que a democracia é realmente para todos. Fato é que sempre fui cuspido da TVE na mudança de governo, e chamado de volta meses depois. Exceto, claro, no governo Richa (o filho).

De minha parte, sempre trabalhei para o meu estado e, portanto, para quem o povo do Paraná escolheu nas urnas. Pra dizer bem a verdade, das nove eleições ocorridas durante meu tempo de funcionário de carreira do Estado, votei apenas duas vezes num ganhador: no Richa (o pai) e uma vez no Requião. Perdi, com orgulho, todas as demais eleições. Mas devo dizer, por honestidade, que nunca fui coagido ou sequer convidado por nenhum desses governantes ou seus próceres no comando da TVE a fazer algo ilícito, antiético, antijornalístico.

Tenho profundo orgulho de tantas coisas que ali produzi, e de ter trabalhado com grandes profissionais, entre eles, meus chefes, que não foram poucos. E não foram poucas as produções, entre documentários, programas de entrevista, criação e produção de programas culturais, gravações de shows, transmissões culturais ao vivo de diversas partes do estado… Reitero: sinto profundo orgulho do que produzi e com quem trabalhei ali.

O “dono” foi eleito

Um dia um grande amigo jornalista me perguntou: “Como é trabalhar num veículo de comunicação do governo?”. Claro que era exatamente no terceiro mandato do Requião. E foi mais específico na pergunta: “É possível ser jornalista atuando numa TV governamental?”. Respondi: o dono (na verdade, o gestor) da TV em que trabalho é escolhido pelo voto popular a cada quatro anos. O dono da TV em que você trabalha é escolhido como mesmo?

Aliás, como me disse meu último chefe na TVE, Marcos Batista: como chefe, recebia mais pedidos de NQM (do jargão jornalístico: faça, Nem Que Morra) antes, dirigindo uma TV comercial, do que então, na direção da TV Educativa, em pleno governo Requião. E me contou várias e incontáveis dessas NQMs. Claro que, de verdade, uma TV Educativa deveria ser uma TV estatal, jamais uma TV governamental. Aliás, uma diferença crucial, mas que fica para uma próxima conversa.

Fato é que agora, mais uma vez, e talvez até para afugentar qualquer ideia que possa vincular o novo governador à mínima sombra de Richa (o filho), não deixou de funcionar (em diversas áreas) essa mania de espelhar em profissionais (perdão, mas normalmente naqueles que de fato produzem) a figura do governante antecessor.

Mas, sejamos claros: a TV Educativa precisa mudar, sim. Creio mesmo e espero que o novo Secretário da Comunicação, Hudson José, a quem conheço desde os tempos em que foi meu aluno na saudosa UEPG, tenha espaço e autonomia para fazer nela uma verdadeira ‘lipo’. E dar à TVE Paraná uma nova feição. E tomara que o faça.

Dois lugares a ocupar

E há dois lugares fáticos que uma TV Educativa pode ocupar, especialmente num governo que representa o mercado, e falo isso sem nenhum pejo, afinal foi eleito democraticamente, no primeiro turno, por 60% dos eleitores paranaenses. Reitero: democracia é democracia, portanto, Ratinho Jr. é o governador de todos os paranaenses.

Bem, um desses lugares de uma TVE é ser de fato um espaço de comunicação pública, oferecendo um arcabouço de programas das mais variadas áreas, que as TVs comerciais, por uma razão ou outra, não oferecem. Isso tanto no jornalismo, reportando e discutindo temas ausentes da mídia comercial, quanto em programas de entretenimento, cultura, educação…

Mas, sendo bem democrático, claro que a TVE não vai conflitar com a mídia comercial, como fez, de certa maneira, Requião. Os paranaenses elegeram agora um governador que, de algum modo, é dono de uma das grandes redes estaduais de TV. Reitero: democracia é democracia, portanto, respeitemos o voto do povo e pronto.

Há também um segundo lugar que a TVE pode ocupar: transformar-se no grande espaço da educação e da cultura paranaenses. Este estado tem um leque invejável de manifestações e de diversidades culturais, de espaços turísticos, de iniciativas escolares, e clama por campanhas sociais, de busca de ampliação da solidariedade e da cidadania. Conheço tantos artistas e manifestações artísticas sensacionais e pouco conhecidos dos próprios paranaenses. Temos muitas produções audiovisuais que carecem de espaço de veiculação. Uma TVE que viaje pelo estado, para revelar o modo de ser e viver paranaense aos próprios paranaenses, já seria motivo de grande orgulho para todos nós.

Aliás, se a TVE/PR ‘traduzir’ para o audiovisual a gama de programas que já fez e faz a Rádio Educativa do Paraná já é um bom começo.

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