Yasmina Reza tem talento incrível para criar a vida em texto

Escritora parisiense publica no Brasil o romance “Felizes os felizes”, pela editora Âyiné

É curioso que o livro se chame “Felizes os felizes”. Porque, numa olhada rápida, ninguém na história parece particularmente feliz. Mas isso não significa que as pessoas não se divirtam. Afinal, você pode ter lá seus problemas, sofrer sua cota de infortúnios e ainda extrair algum sentido do dia a dia. Se a vida é mesmo feita de momentos, como dizem por aí, Yasmina Reza tem um talento impressionante para criar os momentos que dão vida ao grupo de personagens desse livro incrível que é “Felizes os felizes”.

Yasmina Reza

Que ele tenha demorado quase dez anos para sair no Brasil é uma lástima (na França, ele foi publicado em 2013). A parisiense Yasmina Reza é famosa pela peça de teatro na origem do filme “Deus da Carnificina”. No romance, que não é o seu primeiro, ela usa as habilidades de dramaturga para criar, em poucas frases, cenas e personagens com contexto, nuances e sentimentos próprios. Assim que ela estabelece o cenário e as figuras que se encontram nele, a gente que lê o livro consegue se envolver muito rápido com o que se passa ali.

Como na discussão entre Robert e Odile Toscano, dentro de um supermercado. Eles brigam sobre queijos e kinder ovo, num situação que consegue ser tensa e engraçada. Odile é filha de Ernest Blot, um senhor que já não tem paciência com a velhice e prefere fazer planos sobre onde a família deve descartar suas cinzas. Ernest é casado com Jeanette e é irmão de Marguerite. Um dia, as duas saem com Odile para renovar o armário de Jeanette, mesmo ela detestando a ideia de comprar roupas.

Nessas circunstâncias banais, você vai conhecendo as pessoas e as relações entre elas. E vai vivendo um pouquinho com elas.

“Felizes os felizes”

Uma das engenhosidades de Reza é concentrar cada capítulo em um personagem – como que oferecendo uma peça de cada vez para o quebra-cabeça da história. De alguma forma, todos se relacionam entre si: um é marido da outra, que é filha de um, que é amigo de outro. As relações não são óbvias e, de repente, você se vê lendo sobre alguém que tinha aparecido como uma figura desimportante páginas antes (como a secretária do consultório médico).

Cada capítulo é bem curto, tem meia dúzia de páginas ou menos, e é escrito num parágrafo único. Os diálogos dentro desses parágrafos são ágeis e verossímeis. Não têm aquela “qualidade literária” que às vezes torna a fala de um personagem artificial num livro (e isso é mérito da tradutora Mariana Delfini). Ninguém diz “peguem-no” ou “entregue-lhe”.

Tenho a impressão que a proeza de Yasmina Reza não é pequena. Ela escreve sobre 18 personagens diferentes e permite que a gente tenha um momento significativo com cada um deles. Ainda que esse momento seja breve. Como fazem parte de um todo, as informações relacionadas à vida de cada um se somam e você tem condições de entender melhor as histórias individuais justamente por ter outras referências. Mais ou menos como quando a gente conhece a família de um amigo querido.

Mas a proeza da escrita não é o que importa em “Felizes os felizes”. O que importa é conhecer essas pessoas inventadas por Reza e poder ver um pouco de nossas vidas – com cotas de infortúnios e tudo mais – na vida delas.

Livro

“Felizes os felizes”, de Yasmina Reza. Tradução de Mariana Delfini. Âyiné, 232 páginas, R$ 72,90. Romance.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima