Perfil: Dpaula usa arte para falar de resistência nas ruas de Curitiba

Grafiteira há dois anos, artista desponta na cena urbana da capital

Francine De Paula trabalha em um bar, no Largo da Ordem, em Curitiba. Dos 28 anos de idade, os últimos nove foram vividos na capital paranaense, para onde se mudou meio por acaso.

Saiu de casa, em Registro, no interior de São Paulo, dizendo que ia passear em Curitiba e agora divide um apartamento no Alto da XV com o irmão, que fez o mesmo caminho.

Na infância, Francine gostava de desenhar. Atividade que continuou sendo um hobby importante até a mudança de Estado.

“Eu vim só com as roupas na mala e a carteira de trabalho. Alguns amigos estavam aqui e disseram que eu podia ficar com eles até arrumar emprego. Aí consegui um trabalho no bar e falei para minha mãe que não ia mais voltar”.

A efervescência da arte urbana na região do São Francisco, Largo da Ordem e Centro Histórico ampliou a perspectiva da jovem em relação aos desenhos.

A primeira empreitada foram os adesivos. Talvez você já tenha visto algum por aí: Dpaula. O letreiro com o sobrenome de Francine, no estilo bomb (letras arredondadas) virou “figurinha carimbada” entre as pessoas que gostam de arte urbana.

Dpaula

Francine virou Dpaula. E começou a conviver com outros artistas urbanos, sobretudo de Colombo. “O pessoal lá [em Colombo] me acolheu muito bem. Eu não tinha noção, por exemplo, de pintar com spray. Eles me ensinaram a técnica e daí para frente me apaixonei”.

O mundo da arte urbana funciona em uma lógica própria. Em eventos chamados ‘Sopa de Letras’, vários grafiteiros se reúnem para transformar um espaço. Também ocorrem os ‘Sticker Day’, onde há trocas de adesivos e principalmente network entre os participantes.

Por consequência os adesivos tornaram Dpaula conhecida no meio. Os ensinamentos de artistas mais velhos aperfeiçoaram o talento da jovem, que há dois anos expandiu o trabalho dos adesivos para os muros de Curitiba.

Sem autorização

Um dos muros pintados por Dpaula fica numa cancha no Pilarzinho. O local foi palco de uma Sopa de Letras e, para garantir um espaço adequado, a artista chegou bem cedo. Quando o desenho estava pela metade, uma viatura da Guarda Municipal (GM) chegou e perguntou sobre a autorização para realizar o evento.

O organizador não tinha. Afirmou apenas que havia conversado com os moradores do local, que o autorizaram. Mas formalmente não havia nenhum documento protocolado junto à prefeitura.

DPaula foi encaminhada para a delegacia, acusada de vandalismo e multada em R$ 10 mil. “Eu fiquei muito puta. Onde ia arrumar R$ 10 mil? Mas aí contratei um advogado e com orientação tive de pagar R$ 300 e deu tudo certo”, conta, aos risos.

Resistência

“Respeita as mina”. “R$ 5,50 é roubo”. Estas e outras frases são mensagens deixadas por DPaula nos muros pintados (com autorização) pela artista.

O grafite (e para alguns a pichação) traz consigo enfrentamentos e reivindicações aos espaços públicos. “Às vezes a pessoa trabalhou o dia todo, está cansada, no ônibus e passa por um muro com uma arte ou mensagem bonita. Isso é importante, é uma voz não só para o artista, mas para a sociedade”, avalia Dpaula.

Quase siameses à arte de rua, estão o rap e funk. Enquanto está no processo criativo ou em momentos de descanso, Francine De Paula joga basquete, anda de bicicleta e ouve música. O que mais toca no Spotify é Tasha e Tracie.

Tempo de respiro, para artista, é importante para seguir ocupando espaços. “Às vezes eu vou em alguma Sopa de Letras e só tem eu de mulher. Uma vez um cara chegou, cumprimentou meu amigo e não falou comigo, como se eu fosse invisível”, reclama.

O incômodo também é intrínseco à arte de rua. “O picho e o grafite são para incomodar, mesmo, mas apesar de a política estar uma merda, o Governo tem que respeitar essa cena, que traz muitas questões à tona”.

Nem só de tinta vive a artista

A quitação das contas do mês ainda é feita com o salário do bar. Dpaula, sonha alto, mas vive a realidade de artistas urbanos, que lutam para conquistar espaço na cena cultural.

A inflação também impacta no valor das tintas em spray. (Ela lembra das tintas apreendidas pela GM. “Tinha tinta lá que eu nem tinha usado ainda”.)

Para continuar criando, os artistas têm feito ‘gambiarras’, improvisando tintas diferentes como alternativa à spray.

A grafiteira vai além e tem uma empresa que leva seu nome: Dpaula Company. A loja virtual tem camisetas e bolsas com estampas exclusivas criadas pela artista. A produção, no entanto, é feita sob demanda, para não onerar o orçamento.

Além disso, a tecnologia também é uma ferramenta para os artistas. Com um tablet na mão é possível criar uma infinidade de desenhos e aperfeiçoar a técnica. Para o Plural, Dpaula criou um letreiro bomb digital.

Arte: Dpaula

Assim como ocorreu com os adesivos, que a tornaram conhecida na cena da arte de rua, as redes sociais permitem a pessoas que não frequentam os círculos conhecer o trabalho da artista, como aconteceu com o editor do Plural, Benett.

“Ele compartilhou uma arte minha. E eu achei massa. A redes sociais dão essa oportunidade grande de interagir com gente que não conheço pessoalmente. Tem muitas pessoas que conhecem meu rosto porque de vez em quando eu posto e que me reconhece na rua”.

Os negócios também acontecem na internet. Pelo Instagram da artista é possível ver outros trabalhos feitos por ela e encomendar letreiros.

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