Premiada, peça “Para não morrer” ganha temporada on-line e gratuita

Solo que rendeu o Prêmio Shell 2019 de Melhor Atriz a Nena Inoue, volta a ser apresentado em 2020 – dessa vez pela internet

A luz incide sobre a cena de uma forma quase indiscreta – revela tudo: as manchas de sangue espalhadas pelo tecido que reveste o trono; os copos e jarras cheios de água e, por fim, a figura feminina retorcida, coberta por longos cabelos, sentada – imóvel, exceto pelos movimentos da cabeça e do braço direito. Os arredores da cena estão cobertos de breu. 

É nesse cenário, simples mas carregado de simbolismos, que a atriz Nena Inoue dá vida – e voz – a uma entidade ancestral, uma espécie de contadora de histórias de “Para não morrer”. Sentada em seu trono, nua, torta e imóvel, a narradora rememora a história de mulheres diversas: negras, indígenas, guerrilheiras, mães, avós, filhas. Mulheres de diferentes épocas e lugares. O texto é uma adaptação do livro “Mulheres”, do uruguaio Eduardo Galeano, feita pelo artista Francisco Mallmann. 

O espetáculo ganha, a partir desta quinta-feira (03), uma temporada on-line e gratuita. Serão cinco apresentações transmitidas ao vivo, que também contarão com tradução simultânea em libras. Após cada apresentação, haverá bate-papos e, conforme o interesse do público, oficinas serão marcadas mais adiante. 

“Para não morrer” mantém o mesmo ambiente, a mesma luz, cenário, texto e marcas de quando estreou, em 2017. A mesma presença, agora sob o olhar da câmera. “Igual como se eu estivesse com o público ali na frente, porque de fato estarei com o público ali na frente”, afirma Inoue que, embora não vá ver o público, sabe que será vista. Mantendo o foco nas histórias narradas, uma câmera com movimentos limitados funcionará como os olhos do público: mostrará a cena ampla, detalhes e expressões.

A adaptação é, para a atriz, uma questão técnica, de transmissão. “Resisti um pouco [no começo]. A gente do teatro é muito artesanal. Eu tinha na minha cabeça que o teatro é presencial, mas estou entendo que nesse momento o teatro é o teatro que a gente pode fazer”, diz ao reconhecer que não voltar com as apresentações presenciais, nesse momento, é um cuidado de si e dos outros.

Diálogo não presencial, mas diálogo

“O fato de eu saber que tem um público do lado de lá que está assistindo e ouvindo, e que essas histórias, esse espetáculo e essas mulheres estão ainda ressoando e sendo conectadas e transmitidas em 2020, em meio à pandemia, faz com que a coisa não fique tão difícil”, responde a atriz quando questionada sobre as dificuldades de fazer uma teatro adaptado às circunstâncias da pandemia.

“Montei essa peça porque queria que essas histórias de coragem chegassem às pessoas, e que as pessoas se contaminassem dessas histórias. Nesse momento de contaminação, onde a presença é uma coisa perigosa, acho importantíssimo continuar levando essa peça”, afirma Inoue ao ressaltar que os tempos de pandemia pedem não apenas coragem, mas também confiança de que podemos ser melhores e mudar.

Se antes “Para não morrer”, como o título sugere, já ocupava um espaço de resistência, esse resistir ganha, agora, novos contornos, mas não perde a força. “Fazer essa peça nas condições em que estamos vivendo continua sendo uma forma de resistir. Tem uma frase que diz que ‘lembrar é resistir’, só trazer histórias dessas mulheres já é uma resistência”, diz a atriz. O propósito é entrar na vida das pessoas, e das mulheres, que seguem confinadas em suas casas, nas cadeias, abrigos, ou onde quer que estejam.

“Esse título é, a cada dia, mais pertinente. Para não morrer em um país em que se matam tantas mulheres, e no qual estamos morrendo e a reação do maior gestor é: ‘E daí?’, a gente tem que não morrer mesmo”.

Teatro

Exibições on-line e gratuitas da peça “Para Não Morrer”
Quando: 3, 4, 5, 11 e 12 de setembro às 20h.  
Os espectadores podem optar por fazer suas inscrições pelo site, ou acompanhar a transmissão ao vivo nas páginas parceiras: em 3/9 pelo Espaço Cênico, no dia 4/9 pelo Brasil de Fato Paraná; no dia 5/9 pelo MST Nacional, no dia 11/9 pelo Mães pela Diversidade; e no dia 12/9 pelo Bicicletaria Cultural.

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