Recado ao conquistador, de um poeta palestino

Darwich deixou mais de vinte livros de poemas e é considerado o poeta nacional da Palestina

Ainda conhecemos pouco os escritores contemporâneos do mundo árabe e da Turquia; mas lacuna vem sendo preenchida pela editora Tabla, que tem em seu catálogo, entre outros, autores libaneses (Hoda Barakat e Amin Maalouf), turcos (Ahmet Ümit e Burhan Sönmez) e uma lista de tradutores de excelência, como Safa Abou-Chahla Jubran e Michel Sleiman, este último responsável pela tradução de Onze astros, de 1992, obra do poeta palestino Mahmud Darwich (1941-2008).  É o segundo livro do autor publicado no Brasil pela mesma editora, depois de Da presença da ausência (2006), traduzido por Marco Calil.

Darwich deixou mais de vinte livros de poemas e é considerado o poeta nacional da Palestina, não por acaso, pois, como afirma Sleiman no prefácio à edição, em seus poemas eles destaca “o tema da pátria ocupada e da nação usurpada pelo invasor estrangeiro, o tema do exílio interno de quem se vê desterritorializado dentro do próprio país ou do exílio de quem se encontra fora da terra natal”. O distanciamento das origens leva à perda da identidade, como se lê neste poema que integra Onze astros: “Quem sou depois da noite do desterro? Não posso voltar a meus irmãos perto da palmeira de nossa antiga casa. Não posso descer ao colo do meu abismo. Ó desconhecido!”.  Em outro poema, ele lembra que, saído das dobras de seu tempo, será “um estranho”.  

Darwich, depois de ser preso inúmeras vezes nos anos 1960, deixou sua terra natal em 1970. Peregrinou por diferentes países, mas nunca esqueceu de fato a Palestina e a cidade onde nasceu, a qual foi destruída pelos israelenses. 

Em muitos versos de Onze astros, Darwich faz uma revisão da história, destacando, como diz um de seus poemas que “A verdade tem duas faces” e é preciso ouvir a outra parte, afinal, “Quem vai enterrar nossos dias depois da partida: você ou eles?”. O poeta talvez seja, como se lê em “Como um rei do fim”, “o último suspiro árabe” que aceitou o “pacto da errância”, sem “um presente para amanhã ter por perto meu ontem”. É Da presença da ausência o seguinte verso que parece reverberar essa mesma questão mencionada atrás: “[…] o futuro, desde então, é teu passado por vir”.

Nesse percurso histórico, Darwich volta aos tempos em que Granada era território árabe, mas com a conquista de Castela, a porta dourada da história árabe se fecha, como diz o poeta. Ainda assim, aos conquistadores, os árabes ofereceram seus chás, seus pistaches, sua madeira de cedro e suas camas “para descansar após tão longo cerco” e dormir “sobre as plumas de nossos sonhos”.

A história dos árabes se confunde com a história da Espanha, e a referência ao poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca, morto na guerra civil espanhola é quase inevitável: “Então, expulsem-me devagar/ e matem-me rápido. Debaixo de minha oliveira. Com Lorca”.

Os povos indígenas, igualmente vítimas dos conquistadores, também são tema dos versos de Darwich. Para eles, o poeta dedica “Discurso penúltimo do ‘índio vermelho’ diante do homem branco”. Nos versos há uma “esperança”; afinal, lembra Darwich, Colombo “pode quebrar a bússola do mar para acertar o rumo e corrigir os erros do vento norte” ou pode pegar da terra que não é sua o que quiser, desde que a deixe “e volte, estrangeiro, a seu povo… procure as índias”.    

Um último recado para o conquistador: “[…] vocês, hóspedes do lugar, deixem um lugar para seus anfitriões… vêm ditar a vocês os termos da paz… com os mortos!”.

Serviço

Mahmud, Darwich. Onze astros. Tradução: Michel Sleiman. Rio de Janeiro: Tabla, 2021. 112 páginas. R$ 42,40

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