Finalista de um dos maiores prêmios literários da Itália mora em Curitiba (e é minha amiga)

Marta Cai, terceiro lugar no renomado Prêmio Campiello, vive no Juvevê desde 2020

A escritora italiana residente em Curitiba, Marta Cai, foi premiada com o terceiro lugar no renomadíssimo Prêmio Campiello, o mais importante da literatura italiana. O livro de Marta, lançado pela também renomada editora Einaudi, chama-se “Centomilioni”. Ele esteve entre os cinco finalistas da 61ª edição do prêmio, escolhido por uma comissão de especialistas, entre centenas de livros.

Depois disso, uma votação popular escolheu os melhores. Levando-se em conta que os dois primeiros vencedores contavam históricas de luta das mulheres italianas (um deles escrito por uma jornalista), o romance de Marta foi o grande vitorioso por situar-se nesse campo nodoso da literatura de ficção.

A vitória de Marta, contudo, começou bem antes, quando ela escreveu e publicou esse que foi o seu primeiro romance, e assinou o contrato com uma editora do quilate da Einaudi. O sucesso de Marta continuou quando ela passou quatro meses viajando pela Itália em concorridos lançamentos e, sobretudo, quando ela esteve entre os cinco finalistas de um prêmio tão imponente. Carreira meteórica? Talvez sim. Mas quem conhece a Marta de perto, sabe de sua ousadia, de seu jeito descolado e livre e, sobretudo, de sua forma contundente e profunda de ver a vida. Marta, afinal, é filósofa de formação e – como se não bastasse – é casada com um filósofo, com quem tem dois filhos (meninos com sintomas de filosofia…).

A família se mudou para Curitiba em 2020 e vive no Juvevê, onde “Centomilioni” foi gestado. O livro, por isso, recolhe essa trama/drama que nasce da sua própria vida de Marta que, longe de sua terra natal, vive nela em memória.

Marta, esbelta e límpida, com um sorriso vasto desenhado num batom vermelho corajoso, vestiu-se de azul para a concorrida cerimônia de entrega do prêmio, no último sábado, 16 de setembro. Quando ela entrou no Gran Teatro La Fenice, em Veneza, foi saudada por um redemoinho, coisa de quem carrega brilhos especiais. Nós, que estávamos reunidos no Brasil para assistir a cerimônia pela internet (o evento foi transmitido ao vivo pela TV RAI), sentimos a mesma brisa.

O livro foi apresentado como uma profunda reflexão sobre o desejo e a solidão – “faces de uma mesma moeda”, declarou o apresentador, antes de cantar a música “Mi sento solo” escrita por Gianmaria Testa e Piermario Giovannone. Foi emocionante!

No livro, desejo e solidão costuram a história de Teresa, uma solteirona que se anuncia como “sem qualidades”. Ela tem uma missão familiar: cuidar de centomilioni (cem milhões de liras italianas, aproximadamente 250 mil reais atuais), uma herança que está sob sua responsabilidade, tendo de cumprir, para isso, uma vida rotineira e chata. Até que chega Alessandro, um ex-aluno, que ilumina tudo ao redor.

O livro já está sendo traduzido para espanhol e logo – esperamos – será vertido para português. Fala-se de roteiro de cinema e de outros horizontes para essa história escrita com delicadeza e força, energia surpreendente, que convoca o leitor ao engajamento que toda boa literatura promove. Marta Cai usa sua língua nativa com a destreza de quem desvela tesouros arqueológicos nos subsolos daquela vila italiana recriada em seu texto.

O livro é o labirinto no qual Marta se perde, sem fio a não ser sua própria competência literária. E para o qual ela quer levar os seus leitores – para que se percam. Mal sabe ela que é o livro, afinal, o grande tesouro que a gente descobre com entusiasmo arqueológico no coração do labirinto. Ou talvez não: talvez ela saiba. Ou talvez não: talvez seja ela mesma o tesouro que nós, seus leitores/as, encontramos e perdemos a um tempo.

A terra de Leminski, Kolody e Trevisan agora espera, com tensão, o novo livro que Marta já prepara, oferecendo ao seu público, as suas próprias memórias. Aliás, estar em Curitiba é ver a Itália de longe. É como se a nossa cidade servisse de filtro para a Marta acessar o seu mundo natal, naquele país que tão variado que ela deixou para trás. Escrever, nesse caso, é uma forma de retomar o que é seu, de comunicar para o leitor o que ela, de longe, relembra. Essa é a arte cativante de “Centomilioni” – um número que tem a grandeza inédita de resumir o infinito.

PS. O novo livro de Marta, escrito na forma de quadrinhos e revelações (relâmpagos – “lampi”, em italiano – daí o título “Brasilampi”) a partir de sua experiência brasileira, já pode ser acessado aqui.

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