Se já extrapolamos os limites planetários, qual deve ser o significado deste Dia da Árvore?

Soa demagógica e sem sentido a ação simbólica de plantar árvores neste 21 de setembro, face aos imensos descalabros contra a natureza que temos aceitado passivamente

A terra já extrapola seis dos nove limites planetários, segundo estudo científico publicado no dia 13 de setembro deste ano no “Science Advance”. Mudanças climáticas, integridade da biosfera, mudanças no sistema terrestre, fluxos biogeoquímicos (poluição causada por nitrogênio e fósforo), disponibilidade de água, e contaminação química (poluição causada por substâncias sintéticas) são disfunções causadas pelas ações humanas que nos colocam em situação extremamente frágil no que se refere às consequências da desestabilização desses sistemas operacionais vitais.

Os efeitos dos desequilíbrios ambientais são sinérgicos e as consequências sociais e econômicas decorrentes desses fenômenos cada vez mais percebidas, embora ainda sem uma percepção suficiente sobre a gravidade do “novo normal” que se impõe.

No quadro abaixo é possível perceber, dentre os demais fatores que já excedem seus limites, como está fora de controle a perda da biodiversidade, em termos genéticos e funcionais. Uma condição decorrente da contínua degradação de ambientes naturais que representa um cenário global extremamente crítico. Mesmo assim, não existem políticas públicas para uma mobilização consistente da sociedade em buscar reverter esse quadro. Até quando protelaremos um posicionamento mais condizente com esse amplo conjunto de desafios que ameaçam nossa própria existência?  

Os seguidos, e cada vez mais frequentes, eventos climáticos extremos têm cumprido um papel didático muito importante no sentido de fazer a sociedade perceber o grau de importância em dar atenção às múltiplas causas de degradação ambiental. O ceticismo ainda presente, decorrente de esforços que mantêm uma visão negacionista e interesseira sobre os desequilíbrios ambientais e suas consequências, precisa ser enfrentado a partir de uma reação de amplo espectro, que enquadre agentes públicos e corporações, incluindo toda a sociedade, sobre os riscos de inviabilidade paulatina e crescente de nossas práticas usuais de exploração do planeta.

Em movimento contrário ao que se mostra óbvio, seguimos avançando em práticas incompatíveis com a manutenção de um equilíbrio ambiental minimamente adequado. Num amplo, mas silencioso, processo de destruição de nossas condições favoráveis de vida, estamos sustentando a manutenção de atividades econômicas que destroem nossas expectativas de oferecer um futuro que proporcione às próximas gerações um ambiente favorável ao bem estar e perspectivas concretas de desenvolvimento compatível com os limites do planeta.

Uma força bastante ordenada impulsiona esses movimentos convencionais, seja a partir de argumentações econômicas, defendidas por grupos setoriais extremamente influentes, seja por meio da busca por avanços sociais mal planejados, que, muitas vezes, não incorporam as variantes que forçosamente deveriam estar sendo consideradas. É bastante evidente que as meritórias iniciativas positivas voltadas a fazer um enfrentamento adequado ao conjunto de ameaças que hoje estão presentes em nossas vidas são inócuas, se comparadas com uma incontrolável manutenção de práticas que seguem exatamente em sentido contrário.

O desafio de mudança de rumos é gigantesco, e não se limita ao que ocorre apenas em nosso país. É impressionante como o efeito, já muito presente, das consequências das mudanças climáticas, causado pelo conjunto de emissões geradas em todo o planeta, e incrementado com a perda da biodiversidade, exerce um papel de enormes incertezas e insegurança para toda a humanidade, em especial, para a população mais jovem. Estamos vivendo uma condição de incertezas constantes, pois não é possível identificar com precisão onde ocorrerá o próximo cataclisma devastador, a exemplo dos mais recentes, no Canadá, na Líbia e no Sul do Brasil.

No entanto, em paralelo à agenda global, que necessita de muito mais amparo político e demonstrações de sinergias, hoje não perceptíveis em escala suficiente, no âmbito local, temos uma agenda de responsabilidades que apenas dependem de nossas atitudes, caso queiramos mitigar os efeitos dos crescentes desequilíbrios ambientais.  Dentre as diferentes frentes que devem apontar para o conjunto dos pontos críticos que causam a degradação ambiental global, está a manutenção e restauração de nosso patrimônio natural. No entanto, a exemplo do resgate do relato de ambientalista José Lutzemberger, sobre a cheia devastadora ocorrida em 1974 no Rio Grande do Sul, fica evidente que mudanças de postura não foram em nada consideradas pelos tomadores de decisão à época e, nem tampouco, na atualidade. 

Uma conjuntura de ampla degradação de áreas antes cobertas por vegetação nativa que permitia uma efetiva resiliência a eventos extremos, a partir dos serviços de contenção de encostas e dos efeitos decorrentes da erosão de terras e sedimentação de cursos de água deixou de existir, abrindo espaço para que áreas ocupadas de forma desordenada por concentrações humanas ficassem desprotegidas e a mercê de catástrofes, em última instância, previsíveis. Lutemberger relatou com enorme acurácia o que temos realizado em nossas investidas inconsequentes de uso do território, seja em áreas rurais (desmatando mais do que a lei orienta), seja em áreas urbanas (ocupando áreas de risco que nunca deveriam ser habitadas). O caso do Rio Grande do Sul, não obstante, vale para grande parte do território brasileiro, em especial nas regiões mais densamente alteradas.

Essas inconsequências somadas, com o advento de eventos extremos, causam gigantescos prejuízos que atingem a todos. Mas de forma mais direta e dramática, as populações menos favorecidas.

Soa demagógica e sem sentido a ação simbólica de plantar árvores neste 21 de setembro, face aos imensos descalabros contra a natureza que temos aceitado passivamente. Que a data emblemática nos ajude a afastar as posições de retórica que mantêm e sustentam nossa visão falseada de desenvolvimento. 

Precisamos de mudanças que efetivamente gerem resultados em escala e estejam compatíveis com os desafios que já não são, há muito, uma ameaça futura, mas sim presente em nosso dia a dia. Não avançaremos sem a existência de governos mais responsáveis, que estabeleçam novas políticas públicas e estruturem órgãos ambientais com condições de dar amparo a agenda da conservação da natureza.

Não podemos continuar passivos diante dos desastres que estão pesando sobre nossas cabeças. Se os valores mais elevados que representam o valor intrínseco da natureza ainda dependem de um processo de educação de longo prazo, que a ameaça de perdas pessoais e corporativas sejam um argumento suficiente para abandonarmos nossa incompetência crônica em exercer um papel de cidadania, ao menos demonstrando preocupação com nossa própria segurança e bem estar. 

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